Entretempos https://entretempos.blogfolha.uol.com.br Artes visuais diluídas em diferentes suportes, no Brasil e pelo mundo Sun, 28 Nov 2021 14:42:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Constelação Clarice – Ensaio Palavra-Imagem com Clarice Lispector https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/constelacao-clarice-ensaio-palavra-imagem-com-clarice-lispector/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/constelacao-clarice-ensaio-palavra-imagem-com-clarice-lispector/#respond Sun, 24 Oct 2021 12:09:59 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Autoria-desconhecida-sem-data.-Acervo-Clarice-Lispector-Acervo-IMS-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=22546 Que Ensaio especial! Sim, todos são, mas essa exposição “Constelação Clarice” que o Instituto Moreira Salles criou é de uma lindeza sem fim. Clarice Lispector – que dispensa qualquer apresentação – e suas palavras, com trechos de muitos de seus livros e imagens de artistas contemporâneos a ela, em um diálogo afinado e poético. Um atravessamento de poesia, feminilidade e muita matéria bela. A exposição abriu ontem, 23, no IMS Paulista e fica até o fim de fevereiro. Por tudo, vale a visita. 

Um sopro de vida, de Clarice Lispector

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.” A HORA DA ESTRELA.

A hora da estrela, de Clarice Lispector
“Quando entrou com seus olhos, por um momento tive um erro de visão: a sala era essa mulher, essa mulher era a sala. Ambas se confundiam como águas da mesma cascata. Esta senhora de olhos azuis extravasados, assim como a salinha – conseguia fechá-los para dormir. E a sala? onde guardaria toda a sua claridade para dormir? Se pudéssemos por um instante desligar a sala – que sucederia? Que grande escuridão, feita de trevas mortas, se seguiria. Mas a sala não tinha onde guardar a sua claridade. Porque esqueci de dizer: o aposento tinha tal nudez, apesar dos objetos, dos móveis, das pessoas. Nesta sala: impossível esconder-se. A pessoa estava exposta.”
A BRAVATA.
Vera Chaves Barcellos (Foto: Everton Ballardin)
(Foto:Erico Verissimo)
“Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”

A HORA DA ESTRELA

“Se a gente ficasse em silêncio – de repente nasce um ovo. Ovo alquímico. E eu nasço e estou partindo com meu belo bico a casca seca do ovo. Nasci! Nasci! Nasci!

UM SOPRO DE VIDA

Ninhos, de Celeida Tostes (Foto: Vicente de Mello)

“Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.”

A HORA DA ESTRELA

Wilma Martins

“Se me viesse de noite uma mulher. Se ela segurasse no colo o filho. E dissesse: cure meu filho. Eu diria: como é que se faz? Ela responderia: cure meu filho. Eu diria: também não sei. Ela responderia: cure meu filho. Então – então porque não sei fazer nada e porque não me lembro de nada e porque é de noite – então estendo a mão e salvo uma criança.”

A LEGIÃO ESTRANGEIRA

“Quem sou eu? perguntou-se em grande perigo. E o cheiro do jasmineiro respondeu: eu sou o meu perfume.”

UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES

Lygia Clark (Foto: Everton Ballardin)

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.”

ÁGUA VIVA.

Maria Martins (Foto: Everton Ballardin)

“Eu me dou melhor com os bichos do que com gente. Quando vejo o meu cavalo livre e solto no prado – tenho vontade de encostar meu rosto no seu vigoroso e aveludado pescoço e contar-lhe a minha vida. E quando acaricio a cabeça de meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.”

A HORA DA ESTRELA

Amassadinhos, de Celeida Tostes (Foto: Vicente de Mello)

“Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido.

Quando eu era antiga fui depositária do ovo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo.

Você é perfeito, ovo. Você é branco. – A você dedico o começo. A você dedico a primeira vez.”

O OVO E A GALINHA

Constelação Clarice
Abertura: 23 de outubro de 2021
Visitação: até 27 de fevereiro de 2022
IMS Paulista
Entrada gratuita

Para visitar a mostra, é preciso realizar agendamento prévio no seguinte site:
www.sympla.com.br/imspaulista

 

 

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Um Brasil para os brasileiros – Ensaio Palavra-Imagem com Carolina Maria de Jesus https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/um-brasil-para-os-brasileiros-ensaio-palavra-imagem-com-carolina-maria-de-jesus/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/um-brasil-para-os-brasileiros-ensaio-palavra-imagem-com-carolina-maria-de-jesus/#respond Sun, 26 Sep 2021 10:14:46 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/Meada-Antonio-Obá.-Credito-Maria-Clara-VillasInstituto-Moreira-Salles-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=22509 Ontem, 25, inaugurou no IMS a exposição “Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros” sobre a vida, a obra e o legado da fundamental escritora Carolina Maria de Jesus (catadora de papel e autora do clássico “Quarto de Despejo”, 1960), organizada pelo antropólogo Hélio Menezes e pela historiadora Raquel Barreto. Neste domingo, eu publico alguns trechos de inúmeros registros de Carolina Maria de Jesus. Com obras inéditas dela, entre fotografias, matérias de imprensa, vídeos e outros documentos, a exposição inclui também obras de cerca de 60 artistas que dialogam com os temas investigados por Carolina. Com seus manuscritos como fio condutor, a equipe de curadoria comenta a importância do livro: “Em Um Brasil para os brasileiros, a autora elabora narrativas biográficas e autoficcionais ao rememorar sua infância, apresentando pontos de vista de personagens que foram apagadas das narrativas oficiais escritas, majoritariamente por autores homens e brancos. Carolina faz assim um interessante contraponto aos cânones literários vigentes no Brasil.” Urgente e fundamental para estes e todos os tempos.

Mulambö
Bandeira Mulamba de Ouro, 2021
Costura em tecido. Coleção do artista. (Foto:Maria Clara Villas / Instituto Moreira Salles)

Quando eu morrer
Não digam que fui todo
Rebotalho
Que vivia à margem da vida
Digam que eu procurava
Trabalho
E fui sempre preterida

Digam ao povo brasileiro
O meu sonho era ser escritora
Mas eu não tinha dinheiro
Para pagar uma editora

Eu não tenho complexo de cor, eu gosto de ser preta. Se Deus enviasse-me branca creio que ficava revoltada. Quando leio nos jornais ‘Carolina Maria de Jesus, a preta da favela’, fico contente. Favela é lugar dos pobres, é a manjedoura da atualidade. Cristo nasceu numa manjedoura, se renascer será numa favela. O recanto dos que não podem acompanhar o custo de vida.

O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.

(Trecho proveniente do livro Quarto de despejo.)

“Um dia apoderóu-se de mim um desejo de escrever: – Escrevi – ”

– Trecho extraído do manuscrito Um Brasil para os brasileiros. Acervo Instituto Moreira Salles.
“Devemos escrever a realidade. A verdade. Revelar os fatos que córrómpem um País”

– Trecho extraído de manuscrito do arquivo Público Municipal de Sacramento.

“Inconcientemente mostre o são paulo por dentro. O universo pensava que são paulo era um atleta. Um fisico fórte. e eu apresentei suas chagas_ As favelas. A chaga moral de um país.”
– Trecho extraído de manuscrito do arquivo Público Municipal de Sacramento.
“Após a libertação dos escravos e a Proclamação da República, o que restou para o Brasil foi um saldo de analfabetos.”
– Trecho extraído de manuscrito do arquivo Público Municipal de Sacramento.

Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros
Abertura: 25 de setembro de 2021
Visitação: até 30 de janeiro de 2022
IMS Paulista
Entrada gratuita

A exposição dedicada a Carolina Maria de Jesus integra também a programação expandida da 34ª Bienal de São Paulo, que poderá ser visitada gratuitamente no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, de 4 desetembro a 5 de dezembro de 2021.

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Ficções Coloniais – Denilson Baniwa na nova edição da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/05/20/ficcoes-coloniais-denilson-baniwa-na-nova-edicao-da-revista-zum-do-instituto-moreira-salles/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/05/20/ficcoes-coloniais-denilson-baniwa-na-nova-edicao-da-revista-zum-do-instituto-moreira-salles/#respond Thu, 20 May 2021 11:33:35 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/ZUM20_Baniwa_01-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=22276 A convite da ZUM, o artista Denilson Baniwa concebeu um trabalho inédito para a revista que será lançada hoje, (quinta-feira) em uma live às 18h, transmitida nos canais de YouTube e Facebook da ZUM. Haverá um debate com Allan Weber e Lita Cerqueira. Na série “Ficções coloniais, Baniwa faz intervenções irônicas em fotografias dos povos indígenas feitas por Theodor Koch-Grünberg no século XIX, inserindo ícones da cultura pop, como King Kong, E.T. e Alien. Numa inversão de perspectivas, o artista comenta os processos de expropriação das culturas nativas: “O mundo ocidental imagina ataques alienígenas que destroem gente e cidades porque foi isso que fez ao longo dos tempos e teme um revide histórico. Pois, para os diversos povos originários deste planeta, um dia os alienígenas foram o mundo ocidental.” 

Na semana passada, planejamos uma conversa que no final acabou virando um minipapo, quando sugeri a ele que escrevesse em um texto corrido sobre esse novo ensaio feito para a ZUM partindo de algumas palavras e sentimentos: pop x tradição, expectativa x realidade, alienígenas x humanos, fotografia como janela da alma, fotografia x cinema, memória x futuro, tempo-espaço-hoje, terminando com a frase: “como você está hoje, no meio de tudo que vivemos, sonhamos, lutamos e acreditamos?”

Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa

Denilson:

Quando o Thyago Nogueira, editor da Zum! me convidou para participar do projeto, senti uma continuidade das conversas que já havíamos feito em outros momentos, a exemplo do convite para o Projeto IMS Convida, onde tecemos assuntos como imagética e povos indígenas e surgiu a ideia de trabalhar com os registros fotográficos do Theodor Koch-Grünberg, etnólogo e fotógrafo alemão. Não por acaso, eu escolhi trabalhar com estes registros, Koch-Grünberg tem uma importância muito grande para o território onde eu nasci, região do Rio Negro, interior do Amazonas.

Dentre as centenas de registros fonográfico, fotográficos, gravuras, diários e entrevistas, uma se destaca e que de certa forma mudou o Brasil: o diário de Koch-Grünberg onde Mário de Andrade retirou as anotações para criar a personagem Macunaíma, que acabou virando o famoso livro e posteriormente filme, que ainda hoje repercutem em lugares tão distantes tanto nas mesas de um boteco no Rio de Janeiro quanto nas salas de aulas da USP.

Trabalhar com as fotografias deste etnólogo alemão é dialogar e navegar em dois aspectos caros a mim: o Eu pertencente ao milenar povo Baniwa e o Eu urbanoide que ama cinema, quadrinhos e fotografia.

Sou de uma geração de indígenas que viram o surgimento do Brasil Novo, da Constituição Cidadã, da abertura do país. Da geração que viu a chegada de aparelhos tecnológicos e que teve acesso a educação formal, fora da educação católica violenta dos Internatos Salesianos no Rio Negro.

Junto com outros da minha idade, também fomos os que tiveram contato com uma educação que retroalimentava a ficção colonial, o que chamo de lavagem cerebral do Estado. Eu cresci aprendendo com os mesmos livros escolares que alunos do Sul ou Nordeste acessavam. Fui convencido que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil e os índios precisavam sem integrados à sociedade para que virassem de cidadãos reais.

Coisas da construção de um país de massa homogênea e segregada, onde cabe o discurso das “três raças que construíram o Brasil”, onde não cabe as identidades próprias destas “raças”.

O trabalho “Ficções Coloniais” bebe basicamente na metáfora e no sarcasmo. Essa tem sido minha resposta ao mundo da arte, da Academia e ao Estado. Ser cínico, irônico, malicioso e cheio de mágoa transmuta tons de humor em verdades que são duras demais pra dizer seriamente sem perder a compostura.

Indígena significa pelo dicionário, aquele que é originário do lugar, o nativo; seu antônimo é alienígena, aquele que é estranho ao lugar, forasteiro. Trazer para o Sci-Fi foi o modo de desumanizar o invasor e ao mesmo tempo disparar no citadino algo que fosse um gatilho emocional. Todos nós crescemos com dois criadores de ficções: a educação ocidental e a televisão. Transformar o descobrimento do Brasil em invasão alienígena, foi o modo que encontrei de contar a construção colonial deste país.

Noutro tempo fiz uma série de trabalhos chamados “ídolos profanados” uma espécie de iconoclastia quando percebi que as pessoas que eu admirava na juventude não eram da minha comunidade ou povo indígena, e sim atores e atrizes de Hollywood. Pra mim pegar este meu lado-branco e rasurar, também é um modo de reafirmar quem eu sou: indígena e amazônida. Foi o momento em que me percebi como metade Baniwa e metade criação colonial.

Eu não vou deixar de amar o cinema ou a fotografia. Mas, posso fazer esse trabalho iconoclasta com esta parte minha. E como roteirista da minha própria ficção juntar os dois mundos, como Makunaima ou Ajuricaba, que viveram também nos dois mundos.

Já que não posso apagar do cérebro Koch-Grünberg, George Lucas, Spielberg etc. Posso pegar essa bagagem da cultura pop e indigenizar por meio de metáforas e a partir daí fazer quase remakes do Lugar de onde eu olho as coisas. É o roubo do roubo, o pastiche, a sátira onde o “descobridor do Brasil” é o cara que escraviza o King Kong dentro de sua própria ilha e depois leva pra exibição como aberração do “Novo Mundo”, como fizeram com os Tupinambás em 1562.

Ao mesmo tempo que jogo com a provocação ao mundo, me coloco neste lugar do indígena crescido com a televisão como co-educadora. É uma forma de dizer: reconheço a minha parte colonizada e tudo bem, este é o indígena do Séc XXI. E que sorte que ainda consigo contar histórias do meu povo ao mesmo tempo que posso contar como é viver no mundo fora da aldeia.

 

Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa
Ficções Coloniais, de Denilson Baniwa

 

 

 

 

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O infarto da alma – Ensaio Palavra-Imagem com Diamela Eltit e Paz Errázuris https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/03/14/o-infarto-da-alma-ensaio-palavra-imagem-com-diamela-eltit-e-paz-errazuris/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2021/03/14/o-infarto-da-alma-ensaio-palavra-imagem-com-diamela-eltit-e-paz-errazuris/#respond Sun, 14 Mar 2021 11:10:21 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/FM002579_Infarto-30-Santiago-de-Chile1994-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=22052 Neste Ensaio Palavra-Imagem: o retrato do amor sob a loucura. Com as palavras de Diamela Eltit e as imagens de Paz Errázuris no livro “O Infarto da alma”, marco do foto-livro latino-americano publicado em 1994 no Chile e ano passado pelo Instituto Moreira Salles. Diamela, um dos mais importantes nomes da literatura contemporânea chilena, foi convidada pela fotógrafa a acompanhá-la nessa jornada no Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, em Putaendo, cidadezinha chilena a 200 quilômetros ao norte de Santiago, na região turística de Valparaíso. Paz, fotógrafa com atuação marcante no contexto da ditadura de Pinochet,  já havia avançado bastante nas visitas e no registro dos casais apaixonados quando convidou a escritora. O livro, feito ao longo de dois anos,  traz fotografias de uma riqueza emocional ímpar, distantes das tradicionais representações visuais da loucura; imagens que ajudam a dar corpo e voz a pessoas que beiram o esquecimento e que, ao se entregarem ao amor, resistem a toda despersonificação que já lhes foi imposta pela sociedade e pelo Estado. Paz alugou um apartamento a três quilômetros do hospital para poder ir repetidas vezes ao local e ficar por períodos extensos. A dupla criou um trabalho lindo, forte e tão cheio de reflexões sobre o ser humano, o amor, as relações e a troca.

Infarto 29, Putaendo, da série O infarto da alma, 1994. Coleções Fundação Mapfre © Paz Errázuriz, cortesia da artista.

Os casais me deixam confusa. Há uma grande quantidade de enamorados. Enamorados, eles existem? Margarita com Antonio, Claudia com Bartolomé, Sonia com Pedro, Isabel e Ricardo e assim por diante. Qual é a linguagem desse amor? Me pergunto enquanto os observo, pois nem palavras inteiras eles têm, possuem apenas, quem sabe, o extravio de uma sílaba terrivelmente fraturada. Então, o que concluo? Desde que momento? Que estética amorosa os mobiliza? Vejo, diante de mim, a matéria da desigualdade; quando eles rompem com os modelos estabelecidos, presencio a beleza aliada a feiura, a velhice vinculada a juventude, a relação paradoxal do coxo com a coalha, da letrada com o iletrado. E aí, nessa descompostura, encontro o cerne do amor. Compreendo exemplarmente que o objeto amado é sempre uma invenção, a máxima desprogramação do real, e, nesse mesmo instante, devo aceitar que os apaixonados possuem outra visão, uma visão misteriosa e subjetiva. Afinal de contas, os seres humanos se apaixonam como loucos. Como loucos.

“Na noite de anteontem e ontem a noite e nesta manhã… Na noite de anteontem e ontem a noite e nesta manhã… canta uma das asiladas pelos corredores de um dos setores. Canta uma melodia, uma melodia que me parece simétrica a seu corpo, que por sua vez se dilata retorcido por uma paralisia lateral, um corpo parcialmente impedido, mas não por isso menos afetuoso. Canta com uma voz sentimental que me sobressalta. Sobressaltada por seu canto, saúdo o último casal da manhã. Não se lembram há quanto tempo estão juntos: “Muito… muito”, dizem. Não sabem ver a hora, não sabem ler, não sabem há quantos anos estão internados no hospital, não sabem nada de seus familiares. Mas ele dá a ela chá e pão com manteiga. Ela cuida dele.

O INFARTO DA ALMA
Te escrevo:
Nunca encontrei uma única palavra que te retivesse. Minhas costas são as que ofendem o tempo todo. Minha mão me obedece com aspereza, meus olhos se nublaram só de te contemplar. O bairro se tornou tosco quando recebeu teus passos. Uma vidente pálida me disse que o abandono regia o simulacro dos meus dias.
Infarto 23, Putaendo, da série O infarto da alma, 1994. Coleções Fundação Mapfre © Paz Errázuriz, cortesia da artista.
Infarto 22, Putaendo, da série O infarto da alma, 1994. Coleções Fundação Mapfre © Paz Errázuriz, cortesia da artista.
**Obrigada IMS por ceder os direitos de publicação das imagens e deste trecho do texto que eu adoro. <3
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‘Clap!’, catálogo de fotolivros latino-americanos contemporâneos, é lindo de ver e terrível de usar https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/clap-catalogo-de-fotolivros-latino-americanos-contemporaneos-e-lindo-de-ver-e-terrivel-de-usar/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/12/05/clap-catalogo-de-fotolivros-latino-americanos-contemporaneos-e-lindo-de-ver-e-terrivel-de-usar/#respond Tue, 05 Dec 2017 14:01:21 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/Captura-de-Tela-2017-12-04-às-18.08-180x100.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=19833

Assim como no último vídeo, trago um fotolivro que não faz parte da minha coleção, mas do acervo da biblioteca de fotografia do Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Na verdade, esse nem é um fotolivro. É um catálogo. Trata-se do catálogo “Clap!”, uma pesquisa sobre a produção contemporânea de fotolivros latino-americanos entre 2000 e 2016.

O grande problema é que, embora a publicação seja linda, com design do venezuelano Ricardo Baez, ela é difícil de ler. Mostra vários livros ao mesmo tempo, muitos deles colocados na diagonal, de um jeito bem caótico. Cada um dos livros tem um número, com uma correspondência num tabelão. É confuso, complicado demais.

Em vez de viabilizar uma maneira mais fácil de conhecer esses livros, “Clap!” traz obstáculos. É como uma cadeira muito bonita, mas pouco confortável: linda de ver, difícil de usar.

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Sábado reserva programação gratuita com palestra sobre Diane Arbus e lançamento de 12 fotolivros https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2016/08/26/sabado-reserva-programacao-gratuita-com-palestra-sobre-diane-arbus-e-lancamento-de-12-fotolivros/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2016/08/26/sabado-reserva-programacao-gratuita-com-palestra-sobre-diane-arbus-e-lancamento-de-12-fotolivros/#respond Sat, 27 Aug 2016 01:44:13 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2016/08/AAAAAA-122x180.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=18558 Arbus – Neste sábado (27), às 17h, no Instituto Moreira Salles do Rio, o curador-chefe de fotografia do MET, Jeff Rosenheim, fará palestra sobre a obra da norte-americana Diane Arbus (1923-1971). Rosenheim é o curador da exposição “In the Beginning”, em cartaz no MET Breuer, em NY, até 27 de novembro, e dedicada aos primeiros sete anos de trabalho da artista conhecida por fotos de marginalizados, como travestis, nudistas, deficientes físicos e mentais. O evento será em inglês e sem tradução. A entrada é gratuita, com retirada de senhas 30 minutos antes do início do evento. O IMS fica na r. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel. (21) 3284-7400.

Fotolivros – Também neste sábado (27), mas em São Paulo, os artistas André Penteado, Gilberto Tomé, Letícia Lampert e Lucia Mindlin Loeb receberão o público para um bate-papo organizado por Denise Gadelha na Livraria da Vila do JK Iguatemi. O evento ocorre paralelamente à feira SP-Arte/Foto, realizada no 3º piso do shopping até este domingo (28). O encontro com os fotógrafos, que discorrerão sobre a “fotografia em livros experimentais”, ocorre entre 17h e 19h. A Livraria da Vila fica no 2º piso do JK Iguatemi (av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041, tel. 11-3152-6800).

Lançamentos – Já o stand da Livraria Madalena na SP-Arte/Foto promove o lançamento de 12 livros neste sábado. Entre 16h e 17h, Oscar Pintor e Letícia Lampert divulgam “@Pintor” e “Chai”, respectivamente. Em seguida, das 17h às 18h, Roberto Vámos, Fernando Lemos e André Hauk e Camila Otto mostram suas obras novas. Na hora seguinte é a vez de Celso Brandão, Misha Vallejo, do veterano Penna Prearo e de Jordi Burch. O trio Alexandre Furcolin Filho, Mariana Tassinari e Carine Wallauer fecha a programação das 19h às 20h. A entrada da feira também é gratuita.

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]]> 0 Em comodato, acervo de Mario Cravo Neto vai para Instituto Moreira Salles https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/11/17/em-comodato-acervo-de-mario-cravo-neto-vai-para-instituto-moreira-salles/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/11/17/em-comodato-acervo-de-mario-cravo-neto-vai-para-instituto-moreira-salles/#respond Tue, 17 Nov 2015 06:00:41 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=16503 O texto abaixo foi publicado na edição da “Ilustrada” desta terça-feira (17).

A Bahia se mudou para o Rio. Ao menos durante dez anos, período do contrato de parceria firmado entre os quatro filhos de Mario Cravo Neto e o Instituto Moreira Salles. Após uma negociação que durou quatro anos, todo o acervo do fotógrafo, guardado até então em sua casa, em Salvador, com cerca de 100 mil itens —entre negativos, cromos, publicações de referência, cópias de contato e outros—, foi transferido para a sede carioca da instituição, que irá preservar, digitalizar e documentar a obra do artista.

Morto em 2009, aos 62, Cravo Neto documentou a afro-brasilidade e o sincretismo religioso na Bahia, pano de fundo constante em sua carreira. As imagens registram fragmentos do corpo humano em composições que lembram esculturas, fruto da experiência anterior à fotografia e da influência do pai, o escultor Mario Cravo Jr. O arquivo do artista baiano se somará aos acervos de outros importantes nomes da fotografia que também estão sob os cuidados do IMS, como os de Marc Ferrez, Alice Brill e Thomaz Farkas.

“Deus da Cabeça”, da série “Eterno Agora”, de 1988. Acervo Instituto Mario Cravo Neto/Instituto Moreira Salles

Segundo Sergio Burgi, coordenador de fotografia do instituto, a ideia é “mergulhar na coleção para fazer leituras tanto de conjuntos desconhecidos como de séries estruturantes da obra do artista”, o que gerará, num prazo entre quatro e cinco anos, uma exposição de “grande porte” e, depois, uma publicação em livro. Assim, serão revistos os registros da Bahia, as imagens do período em que viveu em Nova York e também cenas de sua vida familiar. Para Christian Cravo, 41, filho do fotógrafo, o principal trunfo deste arquivo sobre outros é a predominância da produção autoral do baiano.

“Grande parte de acervos é feita de trabalhos comerciais, o que dá menor possibilidade de exploração.” Burgi concorda: “Trata-se de um arquivo de artista. Há muito o que se pensar sobre Mario Cravo Neto em um contexto de estruturação de uma linguagem dos anos 1970 em que a cor é fundamental.”

“É uma leitura não só da obra dele, mas que se associa a outros fotógrafos do período, como Miguel Rio Branco.”  Embora a série “Eterno Agora”, trabalho mais conhecido de Cravo Neto, sejatons monocromática, ele também produziu grande material em cores, caso do lendário fotolivro “Laroyé” e de “Butterflies and Zebras”, mostra exibida em 2013, na Pinacoteca.

Na época, a exposição com curadoria de Diógenes Moura quase naufragou. Uma disputa pelo espólio de Cravo Neto entre os filhos de seu primeiro casamento e os da terceira união por pouco não impediu a mostra. Christian precisou entrar com ação na Justiça para garantir que o evento pudesse ocorrer. O acordo com o IMS sinaliza que os problemas entre os herdeiros cessaram, pois, segundo Burgi, o instituto só fecharia esta negociação com toda a família, e não com parte de quem responde pela obra.

“Baba Egum”, de “Territórios em Transe”. Acervo Instituto Mario Cravo Neto/Instituto Moreira Salles

PROTECIONISMO
“Você sabe como baiano é protecionista, né?”, pergunta Christian. Entre desarranjos de que os irmãos preferem não falar estão o tipo de gestão aplicada ao arquivo e se o mesmo deveria seguir em Salvador. Procurados, os filhos mais novos, Lukas, 26, e Akira, 24, comemoraram o acordo, mas se recusaram a comentar o que mudou para que se estabelecesse um consenso. A filha mais velha, Lua Diana, vive em Copenhague, na Dinamarca. Ela e Christian defendiam uma gestão mais “profissional”, enquanto os outros queria algo mais “familiar” e que o arquivo não saísse da capital baiana.

“O mundo de hoje é implacável. Tirar um nome do mercado por dez anos pode ser devastador para uma carreira”, defende Christian. “Ficou claro que essa situação não tinha como continuar.” A venda de obras, que serve de sustento para o recém-formado Instituto Mario Cravo Neto, está fora dos termos da parceria, que, segundo as partes, não envolveu dinheiro. Christian diz que negociar o arquivo permanentemente está “fora de cogitação”.

“Sempre vi com maus olhos famílias que vendem acervos que representam suas histórias de vida para instituições que são vistas como frias”, diz ele.
“O IMS, por melhor trabalho que faça, sempre vai carregar aquele peso de ser uma instituição fria, que tem dinheiro de banco por trás.”

Para o coordenador do instituto, a posição de não querer comercializar o arquivo é justa e mostra a preocupação da família com a obra, embora a menção ao IMS seja contraditória. “Interpreto como uma forma de deixar claro, da maneira dele, que neste processo não haverá venda.”

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Coleção que desnuda material bruto de célebres fotógrafos é lançada no Brasil https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/06/17/colecao-que-desnuda-material-bruto-de-celebres-fotografos-e-lancada-no-brasil/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/06/17/colecao-que-desnuda-material-bruto-de-celebres-fotografos-e-lancada-no-brasil/#respond Wed, 17 Jun 2015 11:00:43 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=14165 Bresson as encarava como uma ida ao divã. Helmut Newton sempre se emocionava ao se deparar com elas pela primeira vez. Josef Koudelka, tcheco que registrou Praga durante a invasão soviética, as colocava na parede para ter certeza de suas escolhas. Antes indispensáveis, hoje abandonadas à força pelo digital, as folhas de contatos guiavam a relação dos fotógrafos com a edição de seus trabalhos. Nelas, os negativos eram revelados e, com uma lupa, escolhia-se a imagem.

Para entender as particularidades de cada fotógrafo com esta etapa da produção, William Klein começou a reunir, há mais de 20 anos, depoimentos de gigantes como Elliott Erwitt e Robert Doisneau. “Contatos”, como foram batizados os mini documentários, é lançado agora no Brasil, em DVD, pelo Instituto Moreira Salles. O primeiro dos três volumes, com 12 episódios de cerca de dez minutos cada um, passeia pelo arquivo de fotojornalistas celebrados, muitos deles da Magnum.

Detalhe de folha de contatos do fotógrafo americano William Klein
Contato fotográficos de Leonard Freed, presente na série ‘Contatos’

Para José Carlos Avellar, 75, responsável pela organização dos DVDs, a análise dos contatos desmistifica a ideia de que uma grande imagem seja fruto de “um momento único”. A sucessão de registros revela que a mesma cena foi registrada muitas vezes até chegar ao seu quadro definitivo. No entanto, Elliott Erwitt, conhecido pelo humor de seus ensaios de moda e obras documentais, discorda. Em depoimento ácido à série, o norte-americano diz que fazia muitas imagens num mesmo trabalho para dar aos editores a sensação de que estavam escolhendo algo. Brincadeiras de lado, o processo de edição pelas folhas também demonstra a persistência desses profissionais até contar uma história por inteiro e com perfeição.

Os volumes seguintes tratarão da fotografia contemporânea e da conceitual, com depoimentos de Sophie Calle, Jeff Wall e Wolfgang Tillmans. Se estas abordagens são mais próximas da maneira como fotografamos hoje, Avellar defende que os artistas presentes no primeiro volume já produziam, ao menos em quantidade, de maneira similar à realizada agora. “Com o digital, tira-se muito mais fotos para selecionar uma imagem do que na época do analógico. É a mesma coisa.”

CONTATOS VOL. 1
LANÇAMENTO IMS
QUANTO R$ 44,90
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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Alfabeto visual e cromático de William Eggleston é exibido no Rio de Janeiro https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/03/23/alfabeto-visual-e-cromatico-de-william-eggleston-e-exibido-no-rio-de-janeiro/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2015/03/23/alfabeto-visual-e-cromatico-de-william-eggleston-e-exibido-no-rio-de-janeiro/#respond Mon, 23 Mar 2015 13:19:27 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=13418
“Greenwood, Mississippi”, 1973; Eggleston Artistic Trust, cortesia Cheim & Read, Nova York
Outdoors, carros e placas saltam aos olhos em registros com cores saturadas, como se fossem peças publicitárias. Refrigerantes e bombas de postos de gasolina aparecem em imagens que combinam tons vibrantes com uma certa sensação de decadência. A atmosfera do sul dos EUA nos anos 1960, de modernização e explosão do consumo, é o cenário dos ensaios do fotógrafo William Eggleston, 75, em cartaz agora no Instituto Moreira Salles do Rio.
Com 172 obras –maior mostra do artista, superando a marca de 2008 do Whitney Museum, em Nova York–, a retrospectiva contém tanto seus trabalhos pouco conhecidos quanto a polêmica série exibida no MoMA,
em 1976, quando Eggleston foi execrado pela crítica. Naquele período,
o uso das cores na fotografia era associado a banalidades, em contraste
com a imponência dos registros em preto e branco.
Hoje, Eggleston não só é reconhecido como pioneiro, como puxa a fila de outros nomes que se arriscaram nessa transição, como o italiano Luigi Ghirri e os americanos Stephen Shore e Saul Leiter. Para Thyago Nogueira, curador da mostra, a utilização da técnica de impressão dye-transfer, que deixa as cores mais saturadas, foi um dos diferenciais do americano.”
Ele ainda fazia enquadramentos dramáticos, como narrativas interrompidas. Isso deixava o trabalho mais misterioso”, diz Nogueira. A mostra também apresenta o portfólio “Los Alamos”, produzido nas décadas de 1960 e 70,
mas publicado apenas nos anos 2000. Em quadros mais fechados, Eggleston produz um alfabeto visual a partir de elementos da vida americana daquela época. Ali, cores vívidas de roupas, letreiros e objetos se contrapõem à obsolescência de seus materiais –manchas, ferrugens e corrosões tomam
as fotos, numa crítica inconsciente ao consumo.
Imagem da série “Los Alamos”; Eggleston Artistic Trust, cortesia Cheim & Read, Nova York
Outra contraposição é a presença de cinco imagens em preto e branco na mostra. Embora as fotos também registrem o crescimento das cidades, elas são documentos singulares de um fotógrafo marcado pelas cores, que voltam em outra série pouco conhecida de retratos feitos com câmera de grande formato. Uma das imagens de Eggleston, de uma lâmpada opaca sobre um fundo vermelho, foi usada na capa de “Radio City”, disco do Big Star, banda de rock dos EUA liderada por Alex Chilton, de quem Eggleston era próximo.
A parceria mostra a relação do fotógrafo com a música –além de pianista, fez capas de álbuns das bandas Primal Scream e Jimmy Eat World. Mas é com David Byrne, ex-Talking Heads, que o artista alimenta forte amizade –desde quando Eggleston colaborou para o livro “True Stories”, de autoria do britânico. À Folha, por e-mail, o músico não relaciona Eggleston ao rock.
“Ele toca Bach e faz improvisações como Bach. Quando apareceu com fotos em preto e branco, foi considerado erudito. Mas o que ele fez foi pegar um meio tachado de baixa qualidade e mostrar que poderia ser tão erudito
quanto qualquer outro.” É a mesma opinião de Thyago Nogueira, para
quem a sofisticação de Eggleston se traveste de kitsch. “Ele está desde a
foto do jantar no Instagram aos lugares vazios. Desde o pop da foto da
Coca-Cola aos registros conceituais. Ele resume todo o mundo.”

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Crentes e pregadores https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2014/10/31/questoes-de-classe-e-cor-estao-para-o-crescimento-dos-evangelicos-como-manifestacoes-para-a-formacao-de-novos-eleitores-diz-barbara-wagner/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2014/10/31/questoes-de-classe-e-cor-estao-para-o-crescimento-dos-evangelicos-como-manifestacoes-para-a-formacao-de-novos-eleitores-diz-barbara-wagner/#respond Fri, 31 Oct 2014 13:04:39 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=11130

Na busca de sua santíssima trindade –palco, terreiro e altar–, a brasiliense Bárbara Wagner, 34, retratou jovens evangélicos de Pernambuco e de Alagoas. Fotografou MCs de letras sensuais que agradecem a Jesus pelo sucesso e participou de sessões de descarrego em que pastores dançavam
no altar ao som de uma canção gospel frenética indistinta da axé music.
Os ensaios “Crentes” e “Pregadores” são parte do projeto Offside Brazil, intercâmbio entre brasileiros e fotógrafos da agência Magnum.

Durante a Copa do Mundo, além de Wagner, o italiano Alex Majoli, o norueguês Jonas Bendiksen e os norte-americanos David Alan Harvey e Susan Meiselas trabalharam com os coletivos Mídia Ninja e Garapa mais
os fotógrafos Pio Figueiroa, Breno Rotatori e André Vieira para formar
um documento fotográfico do Brasil no período do Mundial de futebol.

O projeto é o maior destaque da sétima edição da revista “Zum”, do Instituto Moreira Salles, que conta com ensaios do fotógrafo mineiro Assis Horta e do japonês Daido Moriyama e um texto inédito do filósofo Vilém Flusser. O lançamento da publicação acontece neste sábado (1º), às 18h, na Praça das Artes, com debate sobre o Offside mediado pela jornalista Laura Capriglione.

Bárbara, que estará no bate-papo, conversou com o blog sobre o ensaio que produziu para o projeto. Para a fotógrafa, o maior desafio desta pesquisa é entender os preconceitos econômicos e sociais que estigmatizam
os evangélicos. “O crescimento da religião evangélica no Brasil está para questões de gênero, de cor e de classe tanto quanto as manifestações nas ruas estão para a formação de uma nova geração de eleitores.”

Ao final do Offside Brazil, qual é a sua interpretação do projeto? Qual foi o retrato do país feito por brasileiros e estrangeiros?

Desde que o projeto tomou a Copa como mote para uma produção em cidades já bastante documentadas –caso de São Paulo e Rio–, sabemos que há a premissa de desmistificar imagens que circulam nas indústrias jornalística e turística tanto dentro como fora do país. Acho que o projeto pretendia não somente dar conta de situações testemunhadas durante o torneio, mas sobretudo tensionar possibilidades e limitações da própria fotografia documental. Outro fator crucial é que o projeto criou um fluxo de imagens que encontram paralelos e oposições a todo instante. Intrigou-me poder observar como assuntos semelhantes poderiam adquirir conotações tão diferentes a depender do posicionamento de cada autor, de seus interesses,
de suas escolhas éticas e formais. Uma imagem colorida da multidão de anônimos assistindo aos jogos numa praia do Rio, ou um registro dos conflitos entre manifestantes anti-Copa com a polícia poderiam estar ao lado de imagens em preto e branco mostrando personagens ‘VIP’, no mesmo dia, em uma festa na casa de uma socialite carioca. São clichês que podem ser lidos criticamente quando dispostos em paralelo e contextualizados.

Você fotografou evangélicos, um assunto que ganhou ainda mais destaque na eleição presidencial no momento de ascensão de Marina Silva nas pesquisas. Você acha que o discurso de medo por conta da influência da religião, propagado por muitos eleitores contrários a ela –e pela mídia também–, se justifica?

Acho que o medo se justifica quando o Estado laico previsto em nossa constituição é ameaçado por intolerâncias de qualquer natureza. Se por um lado não dá pra falarmos de “evangélicos brasileiros” como uma massa uniforme, porque ela de fato não é, por outro temos de estar atentos ao que
os representantes de denominações evangélicas em cargos públicos têm a dizer ou, na pior das hipóteses, pregar. O que vejo como um grande desafio
na documentação e pesquisa sobre esse assunto é que uma parcela grande dos evangélicos que tenho fotografado são pessoas que buscam sair de situações que a estigmatizaram como alvos de algum preconceito. O assunto do crescimento da religião evangélica no Brasil está para questões de gênero,
de cor e de classe tanto quanto, por exemplo, as manifestações nas ruas estão para a formação de uma nova geração de eleitores e a popularidade das redes sociais: não dá pra falar de uma coisa sem considerar a outra. Estamos num momento em que cada vez mais pessoas se “convertem” ao evangelismo –sendo os neopentescostais os mais populares–, quando já não nascem dentro dele. Quando preconceitos e intolerâncias estão costurados no cotidiano de tanta gente de uma forma tão perversamente sofisticada, qualquer trabalho documental ou artístico que se debruce sobre esse tema tem de levar em
conta essa dimensão econômica e social mais complexa.

Você mora em Berlim. O tempo vivendo fora alterou a maneira como documentou as manifestações populares no Brasil?
Como seus trabalhos são percebidos na Alemanha?

Essa é uma das questões centrais para o meu trabalho como fotógrafa: conseguir “estranhar” aquilo que é familiar. Se é lugar comum dizer que a rotina achata nossos sentidos, viver em trânsito tem o forte efeito de nos alienar… Não é tarefa fácil para nenhum artista dominar a narrativa de seus temas quando se contam histórias de dentro para fora de seu país. Me preocupo sobretudo com essas formas de tradução, e gosto cada vez mais da idéia de fazer trabalhos no Brasil para brasileiros –e sonho em um dia fazer trabalhos na Alemanha para alemães! Não acredito em trabalhos que falem uma língua universal… Gosto, sim, de entender como características culturais intrínsecas de um lugar encontram paralelos em outro. Quando estive na Ilha da Reunião [território francês no Oceano Índico], por exemplo, entendi que poderia estar na Bahia, por motivos não tão óbvios ligados a história colonial da França e do Brasil. Mas meu negócio não são bananas.

Li em uma entrevista recente sua para a “Vice”, que o uso do flash em cenas de dia “traz uma série de códigos que nos fazem entender, rapidamente, hierarquias de gosto e de poder.” Você pode explicar melhor o que significa essa formulação estética? Acredito que seja algo muito marcante no seu trabalho.

O que eu quis dizer é que os estereótipos são poderosos. Se existem códigos sutis criados, reproduzidos e adaptados em toda sorte de mídias a fim de representar status ou bom gosto, esses códigos só sobrevivem culturalmente porque funcionam. São os signos da propaganda, que não se diferenciam dos signos da política, em um sentido subjetivo também. Como me interesso por aquilo que é específico em determinada forma de expressão popular, faço uso de recursos da fotografia de retrato –da pose, do flash–, que trazem em sua superfície uma estética corriqueira, rapidamente compreendida não nas galerias de arte, mas nas ruas. Porque no fundo, o que quero é me comunicar, fazer o trabalho falar. Em outras palavras, não tento reinventar a roda, mas gosto de entender como ela gira, e para que lado ela pode ir.

Além dos estereótipos conhecidos, o que você descobriu sobre os evangélicos, os MCs e os bailes de Recife durante a sua pesquisa?

A primeira parte desta pesquisa, que está em exibição na Trienal Frestas em Sorocaba e publicada na ZUM, resultou em duas séries que intitulei “Crentes” e “Pregadores”, na tentativa de não reduzir o assunto, sobretudo quando batistas se diferem de pentescostais que diferem de neopentescostais. Mas a pesquisa está apenas no início, já que me concentrei na região metropolitana do Recife e em pequenas cidades de Pernambuco e Alagoas. Uma das descobertas mais fortes até agora foi entender que, se no começo do boom do evangelismo no Brasil os cultos buscavam combater o catolicismo –temos de lembrar do pastor que chutou a santa em 1995–, numa ‘sessão do descarrego’ da Igreja Universal em Recife o principal inimigo de Deus, o Diabo, causador não somente de problemas de comportamento ou doenças, mas sobretudo de dívidas financeiras, pode estar ‘encostado’ no fiel por conta de um feitiço feito contra ele no terreiro de candomblé. O curioso é que, para muitos neopentecostais, se as religiões afro-brasileiras são o alvo a ser combatido, a linguagem dos cultos é emprestada delas mesmas. Em uma sessão que participei, na qual tentaram me exorcizar quatro vezes, houve um momento final em que pastores e obreiros dançavam no altar ao som de uma canção gospel frenética, que era indistinta de uma axé music. Já muitos MCs das bandas de brega, “das novinhas” do Recife –gênero musical marcado por bits e movimentos super acelerados com letras que exaltam os prazeres do corpo–, frequentam cultos evangélicos em seus bairros, com suas famílias. Muitos agradecem o sucesso rápido em suas carreiras a Jesus. Toda essa confusão me interessa muito e, como falei há uns meses, talvez não haja mesmo muita diferença entre o palco, o terreiro e o altar.

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