Entretempos https://entretempos.blogfolha.uol.com.br Artes visuais diluídas em diferentes suportes, no Brasil e pelo mundo Sun, 28 Nov 2021 14:42:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Respiro – Ensaio Palavra-Imagem com 7 artistas que oxigenaram o blog em 2020 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/27/respiro-ensaio-palavra-imagem-com-7-artistas-que-oxigenaram-o-blog-em-2020/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/27/respiro-ensaio-palavra-imagem-com-7-artistas-que-oxigenaram-o-blog-em-2020/#respond Sun, 27 Dec 2020 12:17:30 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/impermanências_-foto-Silvio-Santana-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=21863 O último Ensaio Palavra-Imagem de 2020 é coletivo e representa todo o respiro que esta coluna carregou ao longo deste ano atípico, sufocante, cinzento e de tantas ausências e hiatos. Convidei sete artistas que passaram por aqui desde janeiro para criarem seus próprios Ensaios Palavra-Imagem com apenas uma imagem e um texto da própria autoria ou palavras de outros que os representassem. Um presente para esse finzinho de 2020, com palavras que aguam a alma e inundam os olhos de poesia com Cristina Ataíde, Ivan Grilo, Marcelo Moscheta, Mariana Tassinari, Manuela Costa Lima, Rodrigo Braga e Sandra Cinto. 

Ivan Grilo

IVAN GRILO

Agora que perdi a visão, vejo mais
Passar as últimas semanas na lida com luzes, me trouxe uma leve experiência de cegueira. Uma
cegueira branca, algo como o que o S. tanto fala no livro. Talvez eu tenha exagerado, mas me fez
lembrar Cinema Paradiso: ‘agora que perdi a visão, vejo mais’.
Posso ver um peito aberto, como Prometeu em sua rocha. Pela fenda, onde eu poderia
facilmente habitar, vaza uma linha de luz. Diferente do que diz o L., há uma rachadura, mas é por
onde a luz emana, não por onde ela entra. Peito aberto, repito. Toda a cena segue envolta em um
lençol. É só um repouso. O algodão, que me lembra linho, reverbera algo pra não esquecer e
seguir: ‘abraçar a história no próprio corpo,’.
Penso ver também duas pequenas imagens, que facilmente caberiam em meus bolsos. Uma
delas poderia ser uma foto feita por mim, na minha vista preferida no mundo. Ali, bem na divisa
entre onde havia um pequeno torrão de terra e a outra porção alheia, onde não há posse, mas
habita o afeto. Não sei se consigo ver algo de fato, mas sei que há ali também um homem de
poder descendo as escadas. Nu descendo as escadas. Com ele, uma ou duas mulheres, três ou
quatro homens. A figura central é aquele que despediu-se ao encontro do amor. Não? Cinquenta
anos em cinco, disseram.
Por fim, mas igualmente importante, sei que há outra linha de luz, como uma escrita que
desaparece. Não sei se há algo mais a ser lido. Dos lençóis restaram apenas as fronhas. O
mesmo algodão, a mesma lembrança do linho, a mesma lembrança de pouso. Sei que o calor
deixou algo gravado ali, posso ler: “uma dança, uma confissão,”. Uma dança.

Ivan Grilo
dezembro/2020

Sobre o cristal hematóide (da série Os olhos cheios de terra, 2018), Rodrigo Braga

RODRIGO BRAGA

Sobre o cristal hematóide (da série Os olhos cheios de terra, 2018)

Um coágulo denso caído em chão de poeira de carbono é síntese e é metáfora para o gosto de ferro que sinto ao pisar sobre a terra queimada. Um nódulo sedimentado na terra por milênios, mas que por algum motivo fora revelado, aflorado como jóia por entre inúmeras pedras ordinárias. É singular esta pedra vermelha com ares de estrela caída, ou brasa que queima e faz queimar. Sangra quem pisa descalço e tropeça em sua beleza, pois seu significado é das profundezas do corpo da terra.

Cotidiano Impossível, 2016, Marcelo Moscheta

MARCELO MOSCHETA

 Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta
“Mistério do Planeta”
@ Luis Galvão e Moraes Moreira, 1972.
Sandra Cinto
 SANDRA CINTO

… A compaixão radical

Esta última irradiação do cuidado – a compaixão radical- representa a contribuição maior

que  o  budismo  ofereceu  à  humanidade.  Ele  é  considerada  a  virtude  pessoal  de  Buda,

cujo nome  real era Siddhartha Gautama, que viveu  entre o VI-V século antes de  nossa era.

A  compaixão  se  insere  dentro  da  experiência  básica  do  budismo,  articulando  dois

movimentos  diferentes  mas  complementares:  o  desapego  total  do  mundo,  mediante  a

ascese  e  o  cuidado  com  o  mundo,  mediante  a  compaixão.  Pelo  desapego,  o  ser  humano

se  liberta  da  escravidão  do  desejo  de posse  e de  acumulação.  Pelo  cuidado,  se  re -liga  ao

mundo afetivamente, responsabilizando-se por ele.

A  compaixão  não  é  um  sentimento  menor  de  piedade  para  com  quem  sofre.  Não  é  a

passiva  mas  altamente  ativa.  C om-paixão,  como  a  filologia latina  da palavra  o  sugere,  é

a  capacidade  de  compartilhar  a  paixão  do  outro  e  com  o  out ro.  Trata-se  de  sair  de  seu

próprio  círculo  e  entrar  na  galáxia  do  outro  enquanto  outro  para  sofrer  com  ele,  alegrar-

se com ele, caminhar junto com ele e construir a vida em sinergia com ele.

Em  primeiro  lugar,  essa  atitude  leva  à  renúncia  de  dominar  e,  no  limite,  de  matar

qualquer  ser  vivo,  recusando  toda  viol ência  contra  a  natureza.  Em  segundo,  procura

construir  a  comunhão  a  partir  dos  que  mais  sofrem  e  mais  são  penalizados.  Somente

começando  pelos  últim os  é  que  se  abre  a  porta  para  uma  sociedade  realmente

integradora  e  includente.  A  filosofia  chinesa  do  Feng-shui,  como  veremos,  propõe  uma

forma  cuidadosa  de  tratar  a  natureza  e  de  organizar  ecologicamente  os  jardins  e  a  casa

humana.

No  hinduísmo  temos  a  ahimsa  que  corresponde  à  com -paixão  budista.  É  a  atitude  de

não-violência,  pela  qual  se  procura  evitar  qualquer  sofrimento  ou  constrangimento  a

outros  seres.  Muitos  textos  sagrados  hindus   ensinam  a  tratar  todos   os  seres  com  o

mesmo  cuidado  e  a  mesma  reverência  com  que  tratamos  nossas  crianças.  Gandhi  foi  o

gênio moderno da ahimsa.

A tradição do tao  conhece um conceito semelhante, o wu wei. Trata-se de uma virtude

ativa:  harmonizar-se  com  a  medida  de  cada  coisa,  deixar  ser  e  não  interferir.  Ao

renunciar  às  coisas,  lutando  contra  nossa  vontade  de  possuir,   exercemos  o wu  weil,

quer  diz er,  entramos  em  comunhão  com  as  coisas,  captamos  sua  dança  e  juntos

dançamos.

O  judeo-cristianismo  conhece  a  rahamim  a  misericórdia.  Em  hebraico  rahamim

significa  ter  entranhas  e  com  elas  sentir  a  realidade  do  outro,  especialmente  de  quem

sofre.  S ignifica  portanto,  consentir  mais  do  que  entender  e  mostrar  capacidade  de

identificação  e  com-paixão  com  o  outro.  A  misericórdia  é  considerada  a  característica

básica  da  experiência  espiritual  de  Jesus  de  Nazaré.  Ele  experimentou u  e  anunciou  um

Deus Pai cuja misericórdia não tem limites: dá o sol e a chuva a justos e injustos e não

deixa  de  amar  os  ingratos  e  maus.  Ele  é  o  Deus  misericordioso  com  o  filho  pródigo,

com  a  ovelha  tresmalhada,  com  a  pecadora  pública.  É  um  Pai  com  características  de

Mãe. Ele  mesmo mostra misericórdia com aqueles que o levaram à cruz.

O  salmo  103  expressa  muito  bem  a  centralidade  divi na  da  misericórdia:  ―O  Senhor  é

rico  em  mi sericórdia,  não  está  sempre  acusando  nem  guarda  rancor    para  sempre;  como

um  pai  sente  compaixão  pelos  filhos  e  filhas  porque  Ele  conhece  nossa  natureza  e  se

lembra  de  que  somos  pó;  a  misericórdia  do  Senhor  é  desde  sempre  para  sempre

(versículos 8-17).

No  momento  supremo,  quando  tudo  se  decidir,  seremos  julgados  pelo  mínimo  de  c om-

paixão  e  de  mi sericóridia  que  tivermos  tido  com  os  famintos,  os  sedentos,  os  nus  e  os

encarcerados  (Mateus  25,  36.41).  Esse  critério  da  com-paix ão  é  idêntico  entre  os

cristãos,  egípcios  e  ti betanos,  amplamente  retratado  nos  seus  respectivos  livros

sagrados.

Concluindo:  essas  ressonâncias,  entre  outras,  são  eco  do  cuidado  essencial.  Trata-se  de

vozes  diferentes  cantando  a  mesma  cantilena.  É  o  amor,  a  justa  medida,  a  ternura,  a

carícia,  a  cordialidade,  a  convivialidade  e  a  compaixão  que  garantem  a  humanidade  dos

seres  humanos.  Através  desses  modos-de-ser,  os  humanos  continuamente  realizam  sua

autopoiese,  vale  dizer  sua  autoconstrução  histórica.  Simultaneamente  constroem  a  Terra

e  preservam  as  tribos  da  Terra  com  suas  culturas,  seus  valores,  seus  sonhos  e  su as

tradições espirituais.

Trecho extraído do livro: Saber Cuidar :Ética do Humano- Compaixão pela Terra,Leonardo Boff Editora Vozes, Petrópolis, RJ,1999

Pangea, 2020, Mariana Tassinari e Manuela Costa Lima
MARIANA TASSIANA E MANUELA COSTA LIMA

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Meditações VII, John Donne

(Im)permanências, 2003, Cristina Ataíde (Foto:Silvio Santana)
 CRISTINA ATAÍDE
No rio, no corpo, na terra
Há um ponto que é princípio e é fim
Há um rio que corre
Há uma planta, raiz, estuário?
Há um corpo que percorre o rio
que esgravata na terra
que nasce árvore
Há uma vida que se transforma
em alma, há uma passagem
para a outra margem!cristina ataide, lisboa 2004
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Um pensar pedra: Mono-ha – o movimento de arte criado em Tokyo nos anos 60 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/17/um-pensar-pedra-mono-ha-o-movimento-de-arte-criado-em-tokyo-nos-anos-60/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/17/um-pensar-pedra-mono-ha-o-movimento-de-arte-criado-em-tokyo-nos-anos-60/#respond Thu, 17 Dec 2020 11:00:12 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/lee-ufan-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=21833 pensar pedra

apesar de tudo

e rochas e rochedos e picos e topos

e lajes e seixos e declives e escarpas

e torsões e sobras e erosão

restos de pedra domesticada em ruas

mesas lápides chãos quem escultura

lamentos de poeira

urros vulcânicos

pedra

Lee Ufan

“O que estou procurando é [gerar] uma experiência através da sua percepção e evocar algo diferente do que vemos no mundo normalmente – algo original, poético e transcendental”. Lee Ufan, artista sul-coreano radicado no Japão.

Representar a essência dos materiais, pensando em elevar suas potências absolutas em instalações únicas e efêmeras, sem nunca se repetir completamente é parte do manifesto do movimento artístico Mono-ha -もの派 – (traduzido literalmente como “escola das coisas”), surgido já como contemporâneo em Tóquio no fim dos anos 1960.

Lee Ufan

A pedra é um dos elementos mais importantes de todo o movimento. Ela é a mãe de tudo e permite ao homem a sociedade industrial. Uma massa que data o tempo geológico da terra. Também o aço, feito a partir dos elementos minerais retirados da pedra.

“Quando criança, eu me deitava entre as pedras da margem quando estava cansado de nadar no rio, eu e as pedras nos tornávamos um com o céu.” Lee Ufan

Kishio Suga, na galeria Mendes Wood

O movimento japonês Mono-ha, usando muitas vezes materiais orgânicos e industriais, foi inicialmente formado por Lee Ufan, que tinha acabado de se graduar em filosofia, e escreveu sobre a escultura Phase – Mother Earth (1968) de Nobuo Sekine. Os integrantes do movimento compartilhavam interesses como rejeitar a arte representacional e se esforçavam para alcançar expressões autênticas da essência dos materiais além das qualidades superficiais. Outros artistas japoneses foram agregados ao movimento, sendo muitos frequentadores da Tama Art University, em Tóquio. Além de Ufan, muitos deles eram escritores ávidos, utilizando a teoria estética para contrariar as suposições do minimalismo ocidental.

Phase Mother Earth, 1968, Nobuo Sekine

pedra armadura para vento

praia
deserto com mar
deserto

praia sem mar

água faz diferença
pedra seca dura
árida ríspida rígida
olhar seco estanca
lágrimas
saudade de umidade
noite
copo que engole luz
sombra deságua
noite esparrama tentáculos
desperta inacabados
portas e janelas de casa
cerrada
serrada

este é um olhar que desarma

Phase of Nothingness, 1969, Nobuo Sekine

Os artistas Mono-ha imaginaram a arte como um projeto experiencial, enfatizando a fisicalidade ao invés da opticidade. A obra de Mono-ha desobjetificou essencialmente o material e descentrou o homem como sujeito da arte. Talvez um dos percalços mais comuns dos escritores contemporâneos seja identificar o Mono-ha como um movimento derivado da arte minimalista convencional. Enquanto os artistas japoneses eram frequentemente mostrados ao lado de seus contemporâneos ocidentais em contextos internacionais, Mono-ha era decididamente não-humanista e abordava o material e a pureza das formas de maneiras muito diferentes dos artistas na Europa e na América.

Kishio Suga

O movimento, de curta duração,  questiona o antropocentrismo e ultrapassou os limites entre o observador, o objeto e o local e, consequentemente, entre o homem e a natureza. Ele propõe reconsiderar a relação entre a natureza e a humanidade olhando para ambas e se preocupa com o processo de revelar sempre em termos concretos essa diferença de sensibilidade, como cada um de nós pensa sobre essas coisas, com as séries de coisas e fenômenos inexplicáveis que existem no espaço que habitamos.

Kishio Suga

e céu e céu e céu o seu eco

para onde o topo de pedra aponta
céu toalha de mesa
palco da dramaturgia
rasurada pelo vento
vento assopra ares
água de nuvem
escorre por dentro
nuvem em fresta de pedras
vapores emanam de pedras
pedras agitam os nervos
brumas de manhã
brumas da manhã
às alturas
torpor leve estende
do chão para o alto
espreguiçando vento sem fôlego
céu grande
tela translúcida de sessão contínua
cinema a céu aberto
ar e fogo e vento e lava
e pedra eleva seu peso
à potência de porção de eternidade
poção da eternidade

este é um olhar que assombra

 

Lee Ufan

Eles acreditavam que o artista não cria, mas adiciona um gesto as obras, modificando algumas partes, apresentando as coisas como elas são, numa tentativa de minar essa modernidade e a ideia de mostrar o mundo como ele é. Eles se interessaram pela relação entre o homem e o material, sem ênfase na autoria. Essa rejeição por parte dos artistas Mono-ha também envolveu a rejeição do crescente mercado de arte moderna, como pode ser encontrado nas composições lúdicas, performáticas e muitas vezes acidentais, questionando profundamente o modernismo ocidental e suas motivações humanistas.

Nobuo Sekine

“A arte não deve envolver-se com o universo do homem, mas com a essência do verdadeiro universo que inclui o homem.” Lee Ufan

Lee Ufan

Uma crítica que Ufan faz a arte moderna é de que ela é ocular e perde a relação com o mundo externo. Uma arte que começa e termina no olho sem passar pelo mental. A ideia dessas obras Mono-há é uma conversa entre a sociedade moderna e a natureza, na intensificação da propriedade de cada coisa, numa relação de alteridade em que o artista constrói. As coisas não são fixas, o mundo não é estável. Tudo está o tempo todo em um constante devir.

 

*todos os poemas acima, são do livro “A pesar, a pedra” de Edith Derdyk.

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Paisagens reinventadas e oníricas – a fotografia da dupla Inka e Niclas https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/paisagens-reinventadas-e-oniricas-a-fotografia-da-dupla-inka-e-niclas/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/11/19/paisagens-reinventadas-e-oniricas-a-fotografia-da-dupla-inka-e-niclas/#respond Thu, 19 Nov 2020 10:45:22 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/4KultraHD_I-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=21735 “Mesmo que tentemos nos preparar o máximo possível com antecedência, geralmente acabamos ficando sem tempo, sem luz e precisamos trabalhar muito intensamente na cena. Quando terminamos, nos encontramos, frequentemente, sozinhos nessa paisagem totalmente escura. Nossos filhos se acostumaram a estar nessa floresta escura como breu e montanhas ventosas. Então é bom voltar ao trailer e encontrar algo para comer e algumas cervejas geladas”

Becoming Wilderness V

Um pequeno resumo de como é a vida da dupla de fotógrafos suecos, Inka e Niclas Lindergard, que vivem e trabalham em Estocolmo – quando não estão imersos em paisagens inóspitas pelo mundo atrás de imagens incrivelmente lindas. A história dos dois como casal e como dupla de profissionais começou quase ao mesmo tempo. Juntos há 15 anos, eles se conheceram no curso de fotografia e decidiram, no final da temporada, viajar para a cabana de uma amiga em um cafezal na Tanzânia, com 300 rolos de filme na mala e muitas ideias não concretas de qual projeto poderiam realizar juntos, sendo que cada um já tinha sua forma de fotografar.

The Belt of Venus and the Shadow of the Earth IV

As fotografias de Inkas e Niclas têm como ponto de partida representações genéricas e comuns de paisagens e fenômenos naturais, investigando como as fotografias formam nossas expectativas da natureza e das paisagens e sobre o que constitui os poderosos efeitos psicológicos destes diferentes fenômenos, que mobiliza pessoas ao redor do mundo para apreender por um segundo o inalcançável.

A partir dessa viagem para a cabana, o pensar e observar a paisagem, os eventos mágicos e exuberantes da natureza e o tempo de cada coisa estão latentes em suas obras. Em 3 meses de muitas provas, decidiram ir a um safari e observar os turistas quase sempre vestidos iguais, com as mesmas expectativas e a câmera/celular disparando sem parar na espera “do grande fenômeno”. Assim surgiu o projeto “watching humans watching”.

Watching Humans Watching VIII

“Muitas vezes, esperávamos as pessoas nesses lugares e pensávamos no que as levavas a irem para esses lugares, na expectativa de acontecer alguma coisa espetacular, longe do palpável, observando a natureza.”  Vendo o momento de exposição como fundamental, muitas vezes pensam a fotografia como instalações temporárias e am ações feitas exclusivamente para a câmera. Desde sempre se questionam o que esse fluxo incessante de imagens de paisagens nos provoca e o que acontece durante o ato de tirar uma fotografia, numa intersecção entre a realidade de uma foto e a realidade física.

SAGA XI

Eles, que viajam com seu motorhome há uns sete anos, podem experimentar a paisagem ao redor de uma maneira muito mais intensa e profunda, resultando em fotografias de paisagens reinventadas, que transitam entre o real e o imaginário – e sempre ouvindo música. Segundo eles, a paisagem quase sempre está ligada a uma trilha sonora.

Family Portraits XIII

Na série “Family portraits”, a dupla e seus dois filhos, em autorretratos com flash, se colocam em paisagem exuberantes com casacos refletores e se tornam parte dela, anônimos, como um objeto de luz no horizonte. Uma reflexão sobre a representação e consumo excessivo de grandes cenários, mas também sobre o momento mágico da exposição.

Family Portraits VI

De tanto exercitarem a observação de cada ação da natureza, sem pressa, respeitando o microcosmos e o macrocosmos, eles sabem com precisão o que estão buscando e têm propriedade sobre a nuvem por exemplo – o filho mais velho deles já sabe o que cada um deles espera de uma imagem. Permanecem atentos até o clique perfeito: “agora mesmo estou sentindo muita saudade de sentar numa pedra e ficar observando a natureza”, refletiu Inka, saudosa.

Becoming Wilderness VI

Ao invés de chegarem com uma surpresa ao local escolhido, fazem uma pesquisa detalhada no google e nas hashtags do instagram, referentes ao lugar. Não para saturar o próprio olhar, mas para se apropriarem de todos os ângulos e checarem as condições climáticas do lugar, já que o tempo é um fator bem importante para a imagem que decidem fazer.

Luminous Matter I

Assim como todos nós, nas diferenças marcantes deste ano de 2020, os planos deles têm sido postergados. Sem poder viajar ou planejar qualquer coisa, a quarentena os deixou mais introspectivos e experimentando paisagens do lado de fora de casa. O trabalho atual são flores típicas suecas que remetem às infâncias de ambos e em paisagens impressas como esculturas em tecidos ou pedras. Em janeiro de 2021, depois de tantos adiamentos, eles têm agendadas três vernissages: duas em Berlim e uma em Malmo, na Suécia. Se elas acontecerão, só o amanhã poderá nos dizer.

Sunset Photography IV

A potência fabulosa entre os dois é perceptível na conversa fácil e na troca de olhares durante nosso papo que se prolonga para paisagens exuberantes, mágicas, oníricas e inventadas, com mares rosa, céus de purpurina, e profundos pontos de luz em paisagens espalhadas pelo mundo. Em tempos sombrios, incertos e adiados, são especialmente necessárias.

Becoming Wilderness IX

 

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Verborragia – Ensaio Palavra-Imagem com Marcelo Vicintin e Martin Parr https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/11/01/verborragia-ensaio-palavra-imagem-com-marcelo-vicintin-e-martin-parr/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/11/01/verborragia-ensaio-palavra-imagem-com-marcelo-vicintin-e-martin-parr/#respond Sun, 01 Nov 2020 10:59:55 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/7-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=21688 Para esta edição do Ensaio Palavra-Imagem, convidei o escritor Marcelo Vicintin para se deixar atravessar pelas imagens do fotógrafo britânico Martin Parr. Vicintin é autor de “As sobras de Ontem” romance de estreia publicado pela Companhia das Letras neste ano que traz um retrato do Brasil por meio da degradação de sua elite econômica. Por sua vez, Martin Parr integrante da agência Magnum é conhecido por seus ensaios documentais críticos, satíricos e antropológicos sobre algumas camadas da vida moderna e de aspectos sociais em geral, com foco principalmente na Grã Bretanha. O casamento entre os dois é de uma elegância afiada e muito bem alinhada. 

Se eu quisesse te contar como chegamos aqui, tudo que precisou acontecer para que isso finalmente acontecesse, eu teria que me alongar muito, teria que ir muito longe, e você se entediaria. Quase com certeza você perderia o interesse em algum estágio intermediário da história. Entender tudo. Não vou contar tudo também porque contar tudo não explica nada. Mas acho que a gente pode concordar com algumas coisas pelo menos. Por exemplo, quando isso tudo começou, o que existia era só o caos. E então veio esse sonho lindo, complicado, insistente: e se fosse possivel dominar o universo? Encaixotar essa bagunça toda? Ordenar o mundo? Começou assim, num sonho de racionalidade. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e Deus era o Verbo.

Foi um humanóide qualquer, duzentos mil anos atrás, quem iniciou isso tudo. Na verdade, seria mais correto supor que não foi apenas um, mas uma série deles, espalhados por sabe-se lá quantos milênios, lentamente compilando as idéias fundadoras do nosso mundo. A primeira ferramenta, a primeira palavra, o primeiro cavalo pintado na primeira caverna, a primeira mentira, o primeiro deus, a descoberta da culpa, o primeiro sacrifício, a raiva do outro e o amor ao próximo, a primeira guerra e todas as guerras depois dessa. O motor a combustão, a ogiva nuclear, e a capa de crochê para tampos de privadas. Queríamos ordem mesmo, ou foi tudo uma farsa, promovida por um Verbo que era, na verdade, apenas o verbo mentir?

Os humanóides, cansados de ser massacrados por leões, cobras e enchentes, foram pouco a pouco substituindo coisas vivas por coisas mortas. Carne por ferro, árvore por plástico. É curioso que nesse estágio tão avançado em que nos encontramos, tenhamos nos cercado de tanto plástico, não acha? Plástico é petróleo, e petróleo é basicamente uma sopa feita com os restos mortais dos dinossauros. Um dia nós também seremos uma sopa, a cobrir e ornar e entupir alguma outra civilização, tão irrelevante e ingênua quanto a nossa, tentando impor ordem ao universo usando fogo e dinamite. Talvez seja melhor admitir logo que o tal Verbo não existe, mas que existe graça nessa mentira toda.

 

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Os anos de escuridão do Líbano e suas memórias – a obra de Lamia Joreige https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/os-anos-de-escuridao-do-libano-e-suas-memorias-a-obra-de-lamia-joreige/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/os-anos-de-escuridao-do-libano-e-suas-memorias-a-obra-de-lamia-joreige/#respond Thu, 20 Aug 2020 10:43:03 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/The-End-of-4-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=21369 “Nós só temos dois caminhos: apoiar todos os movimentos das revoluções e acreditar que o apoio da comunidade internacional e da comunidade local ao Líbano crescerão, ou vamos ser obrigados a deixá-lo e vê-lo se tornar o país da escuridão. Se o Hezzbollah continuar, não existe esperança. Com o balanço do poder desigual e falso de hoje, não existe esperança. É preciso pessoas indo às ruas, apoio internacional, reformas políticas, socias e econômicas.”

 Foi assim que terminou minha conversa com a artista libanesa multimídia Lamia Joreige, parte da geração pós-guerra civil libanesa, na última terça-feira. Seu trabalho, entre fotografias, vídeos, desenhos, pinturas e instalações, explora, direta e indiretamente, o trauma da guerra civil (1975 a 1990) com ênfase em sua cidade natal, Beirute. Em 2011, o trabalho “Objetos de Guerra” – uma série de depoimentos em vídeo sobre a guerra – foi a primeira grande obra de arte libanesa adquirida pela Tate Modern, em Londres. Ela representou o país,  junto a outros artistas, na Bienal de Veneza em 2007; participou de exposições na Serpentine Gallery, Pompidou, Maxxi e expos seus filmes em diferentes festivais pelo mundo.

Objects of War
Objects of War

“O país que você descobriu em 2017, não existe mais e talvez nunca mais exista, Cassiana. Depois da crise, da revolução e da explosão, tudo mudou. Existe uma atmosfera deprimente”, diz Lamia, referindo-se a minha viagem ao Líbano há 3 anos.

Ela sempre traz em suas obras a memória. Uma memória individual e coletiva, numa tentativa de entender as possíveis narrativas durante a guerra. Ela, que quase sempre precisa de um tempo para decantar os acontecimentos, sem agir no momento clímax, nunca acreditou que a guerra acabou de vez: “Acho que agora terminaram as batalhas, mas não a guerra”. Durante as entrevistas de “Objetos de Guerra”, muitos personagens voltavam a 1975 em uma narrativa com inúmeras possibilidades de lembranças e infinitas possibilidades de esquecimento.

Frame do vídeo Je d’histoires (2006-2007)

Vivendo e trabalhando em um território político, com tudo acontecendo o tempo todo, tenta criar e testemunhar de uma forma poética toda a carga libanesa, numa tentativa de transcender a realidade e criar narrativas com todas as marcas da história nesse território e nela mesma.

Frame do vídeo The River, 2013

Parece que o Líbano está o tempo todo na mudança, na expectativa de mais uma tragédia, de mais uma cicatriz, de mais uma superação.  Carrega no território, nos corpos, nas construções e destruições uma história de guerras, de refugiados, de batalhas, de perdas e mais perdas. Espremido entre a Síria e o Mediterrâneo, o Líbano ainda precisou enfrentar a ocupação israelense no Sul de seu território entre 1985 e 2000, o que ainda é motivo de ressentimento por parte dos libaneses com o Estado judeu, com o qual não mantém relações diplomáticas. Além de todas as dificuldades geopolíticas, o Líbano recebe, historicamente, refugiados de outros conflitos do Oriente Médio: armênios sobreviventes do genocídio perpetrado pelo Império Otomano a partir de 1915, palestinos que fugiram do que eles chamam de Nakba nos anos 1940, além de um milhão e meio de sírios que foram expulsos do país vizinho por conta das ações do Estado Islâmico.

Frame do vídeo Replay (bis) 2002

 

E claro, ainda há a pandemia. Sem poder confiar no próprio governo e sem transparência dos dados sobre a Covid-19, a população do Líbano decidiu ficar em casa, mesmo antes do lockdown decretado pelas autoridades. Quando o aeroporto de Beirute foi fechado os casos diminuíram bastante, mas a reabertura em julho fez com que voltassem a subir. O confinamento aumentou a insatisfação com o governo, quando, além do lockdown, um toque de recolher foi imposto, proibindo as pessoas de circularem entre 9 da noite e 5 da manhã: “Agora eles querem fazer um lockdown total… É difícil entender o que o governo quer. Também declararam estado de emergência com militares nas ruas por algumas semanas, o que permite que eles criem e sigam regras específicas que não haviam antes, na tentativa de calar os protestos”, contou-me Lamia. Seria uma preocupação com o Líbano ou uma chance de abuso de poder na tentativa de vetar e silenciar algumas manifestações contra eles? Não seria de se espantar, visto que outros governos aproveitaram da pandemia para ampliar vocações autortirárias e passar medidas antidemocráticas, aproveitando a dificuldade adicional gerada pela Covid-19 da sociedade civil se organizar em protestos e manifestações.

And the living is easy – Variations on a film, 2016

Muitos artistas tem tratado da crise política no Líbano nos últimos 20 anos, mas agora a siuação parece estar mais escancarada, sobretudo nas relações entre política, religiões e oligarquias. Segundo ela, vários líderes de milícias que estavam na guerra, criminosos, hoje são líderes políticos. “Quando a explosão aconteceu em 4 de agosto, foi uma consequência de tudo isso. A negligência e a incompetência de lidar com um problema que eles já sabiam… e o presidente do nosso país insiste em dizer que não tem culpa nenhuma.”

Under-Writing Beirut—Mathaf, 2013

 

A explosão no porto de Beirute fomentou o quarto capítulo da série Under-Writing Beirut, que começou em 2013. Sua ideia é trazer para esse novo capítulo o porto de Beirute, que faz parte da história do Líbano, de tantas chegadas e partidas, sobre o qual Lamia já investigava e tateava antes da explosão. Sua galeria estava presente no porto e foi destruída. O capítulo 1 – Mathaf (2013) explorou temas relacionados a guerra e ao Museu Nacional; o capítulo 2 – Nahr (2013-2016) ligado ao rio de Beirute e a urbanização; o capítulo 3 – Ouzai (2017-2018) com a superorganização e extensão do sul da cidade e na construção de casas irregulares.

Under-Writing Beirut—Mathaf, 2013
Under-Writing Beirut — Nahr
Under-Writing Beirut — Ouzai
Under-Writing Beirut — Ouzai, 2017-2018
Under-Writing Beirut — Ouzai

A série de impressões “The End Of…” usa fotomontagens com imagens de Super8 e notas escritas ao longo dos anos. São reminiscências de uma história com lacunas. O processo de memória, no registro e apagamento de tudo, percebido na textura física de cada imagem. Um trabalho que visa discutir violência, perda e desilusão. As paisagens carregam em si vivências de tensões e conflitos.

The End Of…
The End Of…

Já em “Je d’histoires” apresentado na Bienal de Veneza, o espectador é convidado a construir sua própria história visual a partir do conjunto de imagens de vídeo, textos e músicas, tornando-se parte do processo da obra, renovando-a a cada vez. Nos vídeos tem paisagens urbanas de Beirute encontradas em Super 8, cartas trocadas durante a guerra e melodias líricas. A reação de cada espectador foi coletada, transformada em um algoritmo e convertida em som, que foi integrado na sequência da obra posteriormente.

Je d’histoires

Nos últimos meses ela ganhou uma bolsa do “Institute for Ideas and Imagination” da Columbia University, em Paris e, quando puder ir à capital francesa, Lamia seguirá em sua pesquisa que faz uma analogia ao período do fim da Primeira Guerra Mundial com o que está acontecendo na contemporaneidade desde o Início da Guerra da Síria em 2011, para explorar um ponto de vista geográfico, político e territorial de como eventos tão sombrios afetam territórios e seus indivíduos. Lamia Joreige é uma artista resiliente e forte, como o cedro do Líbano. Tragédia após tragédia, eles vão buscar novas formas de existir e resistir.

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Habitar o corpo da terra – uma reflexão a partir do corpo-pedra do artista Rodrigo Braga https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/04/08/habitar-o-corpo-da-terra-uma-reflexao-a-partir-do-corpo-pedra-do-artista-rodrigo-braga/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/04/08/habitar-o-corpo-da-terra-uma-reflexao-a-partir-do-corpo-pedra-do-artista-rodrigo-braga/#respond Wed, 08 Apr 2020 14:50:49 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/corpo-duro-4_rodrigo-braga.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=20710 “Viver como uma dilatação momentânea. O corpo vem da terra, exibe-se e encolhe. Quando o corpo desaparece dizem que existimos, que andamos por aí”. João Guilhoto, “O livro das aproximações”.

Antes do pedaço de terra, o corpo. O artista Rodrigo Braga, desde 1999 vem trabalhando em suas obras a relação do homem/corpo com o meio – ecológico, biológico, social e político – numa interface ruidosa entre os dois. Ele traz os conflitos dessas relações com a necessidade de retornar a origem, que é também o fim. Todas as relações que ele constrói são poéticas e metafóricas para falar dos conflitos que nós, humanos, estabelecemos com a natureza.

Desejo eremita 15, 2009.

Atualmente, Rodrigo está mais voltado para o animal humano como um ser social. Um animal mais conectado à terra e à pedra. Mais árido e molecular. O corpo humano com a pedra: “O corpo vem de uma perspectiva da matéria. Uma pedra tem sua corporeidade e nosso corpo também. Uma dureza, flacidez e dimensões diferentes. Outro ponto de vista é pela espiritualidade, com a finitude da matéria, diferente do corpo. Olhar para as rochas é uma maneira de nos enxergarmos menores” discorre Braga.

Ninho definitivo, 2012.

Homem e pedra são “seres” de tempos extremamente longínquos, ainda que pedra carrega uma história de milhões de anos, enquanto o homem, é recente nessa casa chamada Terra. “O tempo se relativiza quando a gente pensa no tempo do mover de uma pedra; olhar para o mineral, para a geologia, certamente tira a super importância do homem”.

“Quando tinha 9 anos de idade, um amigo de seus pais adorava contar histórias e um dia me disse que as pedras andam, se movem… e eu fiquei muito curioso. Ele me explicou de uma maneira científica que as pedras se deslocam lentamente. Eu pequenininho, gravei isso. Aos 10 anos, ganhei do meu pai um fóssil de peixe, o que acabou me influenciando em muitos trabalhos posteriormente”, relembra Rodrigo, que desde sempre trouxe para sua poética as referências de seus pais biólogos.

Ponto zero, 2019.

Em Paris, durante uma residência artística, com o olhar já treinado e pautado pela biologia, percebeu que toda a cidade luz era dominada por uma cor de areia, com incontáveis organismos incrustrados dentro das pedras que formavam as paredes, degraus e colunas da capital francesa, habitando essa arquitetura. “Todas essas conchas que eu via no microcosmos dessas construções me fizeram pensar no mar. Não importa a que distância Paris esteja agora da costa, esse mar já deve ter estado lá. Eu via um monte de castelos de areias na cidade.”

Mar interior (Palais de Tokyo / SAM Art Projects, Paris), 2016.

Rodrigo ocupou com 60 toneladas de pedras calcárias deslocadas do interior da França para  a bacia da esplanada entre o Palais de Tokyo e do Museu de Arte Moderna de Paris Essas pedras brutas  foram escavadas e revelaram os fósseis e restos orgânicos de um mar desaparecido há 55 milhões de anos. Com esse trabalho, ele conecta uma história geológica e zoológica, criando uma ligação a um mar interior reconstituído e o rio Sena que atravessa a cidade.

Mar interior 5, 2016.

Nesse sentido, Paris tem formação geológica semelhante àquela do sertão do Cariri, no Ceará, que também tem muitos fósseis marinhos, ainda mais ancestrais, de cerca de 110 milhões de anos atrás. Braços de mar invadiram o continente e, em seguida, aprisionaram-se como um mar interior na região que é hoje a mais árida e quente do sertão nordestino, para onde o artista fez algumas incursões ao longo de 2017.

Serra Salombra 4, 2017.

Esses acontecimentos contextualizaram inúmeras lendas indígenas, nas quais animais, deuses e pessoas foram “encantados” pelas profundezas das águas ancestrais, transformando-se para sempre em rochas. Afinal, nós agimos e reagimos pela natureza. Há quem duvide disso e se faça ausente, mas os fenômenos naturais nos atravessam, mesmo que a gente não queira. Mas nisso os povos originários estão muito a nossa frente, aprofundando e priorizando essas relações na forma de viver, apegando-se ao essencial, capaz de experimentar o prazer de estar vivo.

Ilha-mar, 2013.

Pequenos mares interiores que habitaram um território, que pautaram a história de um povo e de um lugar, reconstruindo a história, os hábitos, e a paisagem. Escondidos entre elementos geológicos, o fim que vira o início – ou é o início que vira um fim?  E o que somos nós nesse novo habitar? Pequenas ilhas, isoladas e em movimento, como as pedras da história que Rodrigo ouviu quando criança.

Desejo eremita 3, 2009.

O que será que cada um de nós, em nossos pequenos mares interiores que chamamos de casa, deixaremos para a história depois de tudo isso? Falar do começo e do fim, quando se fala do corpo e da terra é algo que se permite inúmeros devaneios…

Broto osso, 2012.

O mundo está morrendo e estruturando seu novo nascer. Estamos no período de gestação. Serão nove meses? Ninguém sabe quanto tempo teremos para nos conectar com outras formas de ser, estar e habitar, para chegar ao mundo, a sociedade outra vez. Estamos aprendendo a nos conectar de outra forma, de estreitar as relações e os laços de uma nova maneira. De olhar para o vazio e para o tempo de um novo jeito, apreendendo o que antes não se notava, respeitando as leis da natureza e da matéria.

Sem título (mão e corpo de carvão e cal, da série “Os olhos cheios de terra”), 2018.

Afinal o que é nascer e o que é morrer quando falamos de experiências vividas? Nós, corpo, como matéria, migratória, em constante movimento, em pequenas pulsações e respiração. Respirar nos faz estar presentes em nós mesmos e também escolher do que se desapegar. Agora vivemos em um mundo em suspensão, sem saber como e o que restará de nós mesmos depois de viver essa experiência. O que será modificado no coração do ser humano? O que mudará da pele para dentro?

Sem título (mão de carvão e sangue, da série “Os olhos cheios de terra”), 2018.

#ficaemcasa

 

 

 

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As histórias sugeridas pelo fotógrafo americano Todd Hido em suas imagens solitárias https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/as-historias-sugeridas-pelo-fotografo-americano-todd-hido-em-suas-imagens-solitarias/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/as-historias-sugeridas-pelo-fotografo-americano-todd-hido-em-suas-imagens-solitarias/#respond Wed, 22 Jan 2020 10:53:14 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/9197-1-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=20492 Eu dirijo, Eu dirijo muito.

As pessoas me perguntam como encontro minhas fotos. Eu digo a eles que eu dirijo por aí. Eu dirijo e dirijo e não encontro nada que seja interessante para mim. Mas então, algo chama. Algo que parece meio fora ou talvez um espaço vazio. As vezes é uma cena triste. Eu gosto desse tipo de coisa. Então, eu tiro as fotos e algumas são boas. E assim, continuo dirigindo, olhando e tirando fotos.

Todd Hido – e o statement que ele usa para descrever suas jornadas

Conhecido no mundo da arte contemporânea por seus livros impecáveis, Todd Hido (Ohio, EUA, 1968) carrega a melancolia em suas imagens, seja em paisagens inóspitas ou nos retratos das mulheres que cruzaram seu caminho.

Na semana passada, batemos um papo e, entre alguns devaneios sobre o vazio, passeamos um pouco por suas obras e conversamos sobre o processo, sobre usar a luz ambiente, natural, sem nenhum drama a mais inserido por luzes artificiais – apenas para alguns retratos fogem a essa regra. “Meus amigos mais próximos definem meu trabalho como inquietante por serem tão reais e precisos”, contou-me ele.

Hido parte de suas memórias da infância para percorrer, em longas viagens solitárias, os subúrbios dos Estados Unidos resgatando suas próprias lembranças em imagens silenciosas, com uma paleta de cor que acalma e instiga o olhar. Há uma intimidade que parece fora de alcance, como se o espectador fosse um voyeur: “Minha infância e meus relacionamentos passados desempenham um papel enorme no tipo de coisa que eu faço e que percebo no mundo”.

Durante as longas viagens, ele adora passar um tempo sozinho e dirigir permeando as paisagens, fotografando sem pressa. Pode até ser que ele não sinta a solidão em suas viagens e em sua vida, mas, de alguma forma, esse é um sentimento percebido em seu trabalho, nas narrativas construídas e retratadas. Talvez, por inúmeras das fotos serem a noite, quando as luzes acendem e o interior escoa para o exterior, temos certeza de que algo está acontecendo naquela cena.

Em imagens geralmente com neblina e quase nenhum ruído, entramos na cena como um mergulho contido no frame de um filme. Suas imagens provocam o respiro, o tempo e a curiosidade da cena, fazendo uma alusão ao misterioso mundo suburbano norte-americano. Há algo que acontece quando nada está acontecendo. Essa referência do cinema é só de quem vê, já que ele não se atenta a isso e não toma muito essa arte como base. Cada espectador vê uma coisa. Ele apenas sugere a cena e acredita que a arte reside no espectador, livre para toda interpretação e, por isso também, prefere não dar nome às imagens.

“É curioso que minhas fotos tenham uma sensação cinematográfica. Gosto muito de fotografar e gosto de trabalhar com suas limitações. Não tenho aspirações para fazer filmes e nunca. E eu fiz apenas alguns vídeos. O mais recente foi encomendado pela Joy Division pelo seu 40º aniversário.

Além de Hitchcock, não sou realmente inspirado por filmes. Existe uma estranheza no trabalho de David Lynch em que encontro parentesco, mas isso não exerce grande influência sobre mim”.

Suas fotografias parecem apreender o momento antes de uma progressão narrativa ou da aproximação de uma cena, fazendo-nos prender a respiração.

Para Hido, muitas vezes não há diferença entre um espaço vazio e um ser humano: “As vezes, um ser humano acaba sendo um espaço vazio mais profundo que a própria paisagem”, pondera. Ele varia entre a tensão de retratar um estranho e o prazer do corpo conhecido a sua frente. Quase sempre essas mulheres retratadas posam em salas vazias com olhares desolados, dando a impressão de falta de raízes, isolamento, deserção, e perda. Esses corpos e olhares funcionam como uma extensão da paisagem. De fato, o respirar desse vazio, sendo ele a natureza ou a pessoa, existe em suas imagens e nos atravessa.

Com mais 10 livros publicados,  suas fotografias fazem parte de importantíssimas coleções públicas e privadas, incluindo Whitney Museum, em NY; Getty, em Los Angeles; Moma, em São Francisco, além dele mesmo ter uma das maiores coleções de álbuns de foto do mundo, construída ao longo de mais de 25 anos.

 

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A poeira cósmica da cubana Glenda León https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2019/11/18/a-poeira-cosmica-da-cubana-glenda-leon/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2019/11/18/a-poeira-cosmica-da-cubana-glenda-leon/#respond Mon, 18 Nov 2019 10:30:52 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/Glenda-León_-Cuerpos-celestes-serie-I-n.9-2018-320x213.jpg https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=20297 Conheci o trabalho da artista plástica cubana Glenda León na Feira Arco, em Madrid, no começo de 2016 e me apaixonei. Suas obras estão nas coleções permanentes de Centre Georges Pompidou, Museu de Belas Artes de Montreal, Museu Nacional de Belas Artes de La Habana e Museu de Belas Artes de Houston, dentre outros.

Ela, que vive entre Havana e a capital espanhola, é dona de uma rara delicadeza para lidar com as imagens e com as palavras ao mesmo tempo. Os títulos de suas obras são igualmente obras de arte.

“Escuchando las estrellas II”, 2012. Uma fotografia de uma noite estrelada serviu como partitura para construir uma caixa de músicas, transformando as estrelas em notas musicais.

“Muitas vezes penso nas imagens e logo busco o título e para mim isso é mais pesado porque sou muito exigente. Para mim, 50% da obra é o título. Ele funciona como um guia para revelar a intenção da obra e poder mergulhar nela de uma outra maneira” afirma a artista, com quem bati um papo pelo telefone na última terça-feira, 12 de novembro.

“Las formas del instante”, 2000, 100 x 300 cm.

Foram tantos devaneios que dava até vontade de estar por uma dessas ruas madrilenas com um vinho na mão, desvendando suas obras e suas palavras, que tem como referências Rainer Maria Rilke, Gaston Bachelard, Henri Bergson e Ramón Gomes de la Serna.

Glenda León acredita em uma arte que atua como um alarme para caminhar mais consciente pelo mundo e nos permita vê-lo como se fosse a primeira vez, com o olhar privilegiado de uma criança. Tornar perceptível o imperceptível, trazer o interstício entre o visível e o invisível, entre som e silêncio, entre a semelhança e a diferença, entre efêmero e eterno. “Como a mágica, a arte é um ato de transformação, que pode ser tão simples quanto fazer acontecer uma coincidência”.

“Mundo masticado”, 2008, 12×17 cm.

Suas criações de vídeo, instalações, intervenções públicas e fotografias trazem uma bagagem da academia de artes plásticas e do balé clássico, cursados por ela desde os 12 anos de idade em Havana.  Essas relações e questões que permeiam esses universos são latentes em suas obras. Ela afirma que a dança tem forte influência em seu trabalho até hoje: “Vejo as obras como algo gestual. O movimento que foi. O rastro”. Publicou uma tese na universidade que discutia as características essenciais da arte como performance: “A atitude do público interagindo com uma obra de arte. Uma espécie de atuação do público com a obra é uma performance. Outra parte da tese era a atuação dos próprios objetos. Alguns com uma alma própria”, defende ela.

A dança sem a música não existe, segundo León. “A dança é como uma materialização da música. E quando tem música, tem sempre silêncio. E esses elementos sonoros provocam o verbo escutar na gente”. E todas essas definições de silêncio e música são muito poderosas em suas obras. Ela trabalha em diversas séries com as linhas vazias das partituras musicais e trata da ausência sonora com uma beleza musical. Suas obras atingem uma melodia única, que te atravessa. Como em uma de suas obras onde partituras estão rasgadas, amassadas, em pedaços, ela usa outros mecanismos ao invés do lápis e do pincel para pintar e preencher o espaço. “Tudo está muito potente no gesto de romper a partitura. Você não vê a ação, mas vê o rastro”.

“Silencio interrumpido” da série “Silencios viejos”, 2012, 40 x 33 cm.

O silêncio também fala do tempo em suas obras, destacando frequentemente a loucura da cronometragem humana: “O tempo é o hiato que existe quando você mescla duas coisas já existentes. A intersecção de duas coisas que ainda não tem nome, é o intervalo de duas coisas. O espaço entre é o que me encanta. Me interessa o silêncio para poder escutar. Escutar a nós mesmos. Se não nos escutamos, não nos conhecemos e somos infelizes.”

León traz aprendizados do budismo, mas odeia qualquer forma de militância de qualquer aspecto. Acredita que os exageros engessam qualquer ação com o mundo. Por exemplo, sobre o feminismo: “Não provoco o feminino nos meus trabalhos. Não de forma consciente. Mas eu sou mulher e simplesmente por isso minha obra atinge um outro lugar, tem uma delicadeza que o feminino abraça.”

“Nunca fui feminista na vida, mas esse movimento todo dos últimos anos me abriu os olhos. Ainda mais sendo cubana, todas essas discussões me trouxeram uma consciência maior para o que as mulheres cubanas aceitam como um comportamento natural dos homens. Cuba está muito atrasada com esse tema. Está tão atrasada que a gente nem vê”. Ela acredita que a força e a busca do feminismo não é se assemelhar ao homem, mas de ver as diferenças da mulher. “O homem não domina essa sutileza do nosso entorno. A gente tinha que feminilizar o mundo… A guerra é uma coisa masculina… As divisões políticas são masculinas.”

“Cada lágrima es una forma del tiempo”, 2018, 55 x 76 cm

Para Glenda León, a evolução do mundo está em ver as semelhanças dos seres humanos ao invés de olhar apenas para o que divide os homens. Dissolver as diferenças, ficar com a essência da humanidade e com a geografia. “Está tudo unido no continente e as linhas políticas e religiosas são todas imaginadas, criadas, inventadas”. Em sua série “Formas de salvar o mundo”, a obra n. 10 tem fronteiras políticas desenhadas a caneta dentro do mapa e podem ser apagadas pelos espectadores.

“Forma de salvar el mundo n.10 (Borra las fronteras) “, 2013

A maioria de suas obras são autobiográficas e partem de experiências específicas espirituais, de contato com a natureza e da potência do escutar.

Seu mais novo trabalho, “Mecânica Celeste”, que participará da Bienal de Havana, faz parte de sua exposição individual na Galeria Senda, em Barcelona, com a vernissage na última sexta-feira, 15 de novembro. A obra traz uma visão holística do Universo. Ela se apropriou de borboletas – que já haviam perdido naturalmente suas vidas – compradas em uma loja na Inglaterra e transformou suas asas de diferentes cores em pigmentos, em pó coloridos – que se parecem com pequenos cristais – e usou como tinta para pintar o cosmos e suas estrelas. “Usar o pó das asas de um ser tão frágil para representar a grandiosidade das galáxias é precioso. São paisagens cósmicas. Poder fazer do mínimo, o macrocosmos, o infinito” me diz a artista, que faz referência ao livro “Caibalion” em nossa conversa, sobre as forças e as semelhanças céu e da terra.

“Cuerpos Celestes”, 2018

A imensidão representada pelas asas desses seres de tanta leveza se converte em um espaço que podemos olhar para reencontrar ou lembrar da beleza infinita que está ao nosso redor e que, por inúmeras razões da vida, passa desapercebida. Glenda tem esse poder, de usar as diferentes formas de suportes na arte para despertar-nos para o que poderia ser – mas não é – banal na humanidade.

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Galeria Senda

Trafalgar 32
08010 Barcelona
T. +34 934 87 67 59
E. info@galeriasenda.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Fotolivro japonês acompanha crescimento de garota desde a infância à descoberta da sexualidade https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/fotolivro-japones-acompanha-crescimento-de-garota-desde-a-infancia-a-descoberta-da-sexualidade/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/fotolivro-japones-acompanha-crescimento-de-garota-desde-a-infancia-a-descoberta-da-sexualidade/#respond Fri, 15 Dec 2017 16:42:41 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/Sequence-08.00_00_18_01.Still001-180x101.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=19856

Eu queria trazer um livro mais leve, que tivesse clima de fim de ano, mas percebi que só tenho livro melancólico, baseado em desgraça. “Tenko”, lançado pela Case Publishing, poderia ser esse livro, porque começa como um álbum de família, muito afetuoso, e depois se transforma.

Na primeira e maior parte do livro estão as fotos de Hanayo, mãe da Tenko, uma linda garota japonesa. É uma narrativa doce, desde os primeiros dias do bebê, e que vai seguindo o seu crescimento. São imagens de cores lavadas, que mostram registros cotidianos, a partir de um olhar materno.

A virada acontece no terço final do livro, quando, de repente, sem nenhum aviso, aquelas fotos que eram todas fofinhas e delicadas se tornam pesadas, com muito erotismo. É a passagem das fotos feitas pela mãe para as imagens de Hajime Sawatari, autor de um livro dos anos 70 que faz uma versão de “Alice no País das Maravilhas”. O que eu mais gosto no livro é a coragem de uma mãe em reconhecer que de uma hora para outra os filhos passam a ter suas facetas eróticas.

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Fotógrafa Teresa Eng materializa traumas do estupro em obra com diversas camadas e papéis https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/11/28/fotografa-teresa-eng-materializa-traumas-do-estupro-em-obra-com-diversas-camadas-e-papeis/ https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/2017/11/28/fotografa-teresa-eng-materializa-traumas-do-estupro-em-obra-com-diversas-camadas-e-papeis/#respond Tue, 28 Nov 2017 12:57:04 +0000 https://entretempos.blogfolha.uol.com.br/files/2017/11/1ba82431005f25eb0e81cae237516245-180x120.jpg http://entretempos.blogfolha.uol.com.br/?p=19815

“Speaking of Scars”, da canadense Teresa Eng, está entre os meus fotolivros favoritos. Ele foi lançado em 2012 por uma editora chamada If/Then que, desconfio, só tem esse título.

Para entender o porquê de essa obra ser tão impactante, é preciso entender o contexto em que ela foi produzida. No final da década passada, Teresa estava em Calais para um projeto sobre migração. Calais, no norte França, é um ponto de passagem para quem quer chegar à Inglaterra ilegalmente. A questão é que durante a realização desse projeto, ela foi estuprada.

Num pequeno texto ao final do livro, ela explica que depois de voltar à rotina, o trauma do estupro retornava em flashbacks, em memórias que, para ela, eram incontroláveis. A fotografia então se tornaria um mecanismo para dar algum tipo de controle sobre aqueles acontecimentos. É, basicamente, um fotolivro sobre como lidar com a memória de uma desgraça.

O impressionante é que Teresa prova que é possível transformar esta sensação em algo palpável. Há uma frase do Harald Szeemann, um curador importantíssimo, que resume bem o que estou dizendo: arte é quando as emoções tomam forma, quando elas se materializam.

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