Precisamos falar de nós mesmos?

DAIGO OLIVA

Fotografias contemporâneas que navegam entre o limite do documental e do fictício a partir de histórias pessoais foram largamente usadas por nomes como Nan Goldin e Larry Clark.

Narrativas brutais destes fotógrafos americanos deslizavam por um universo carregado de violência, drogas e sexo, costuradas pelas relações do artista com seus amigos e amantes, despertando o interesse e a idolatria de milhares de leitores.

O compartilhamento de experiências privadas, em situações carregadas de intensidade, mistura a figura do fotógrafo observador com aquele que realmente faz parte daquilo que está sendo registrado.

A relação íntima com os personagens permite que a testemunha fotográfica seja despercebida no local, trazendo situações próximas do real.

Assim como em alguns textos, as impressões registradas em primeira pessoa tornam a vida particular um ponto de contato com a experiência íntima de outras pessoas.

Ao contrário de relatos objetivos e descritivos, as emoções tomam conta do que está sendo fotografado.

“Heart-shaped Bruise”, fotografia de Nan Goldin

Desde então, o recurso da vida-diária se alastrou até contaminar grande parte de portfolios, flickrs e tumblrs espalhados pela bacia de fermento da internet.

Uma vez que o nível de energia e força dos trabalhos tanto de Nan Goldin quanto de Larry Clark era muito profundo, o resultado da maior parte das obras realizadas posteriormente segundo essa ideia parou no estágio de emulações.

Os dois exemplos citados provam que o problema não está no formato. Ao mesmo tempo em que cativa e impulsiona muitas pessoas a enveredar por esta abordagem, qual seria a razão para tantos trabalhos insossos que carregam o modelo da vida-diário?

São muitas perguntas.

Resgatar nomes como William Eggleston, Daido Moriyama, Wolfgang Tillmans e muito outros ajudam a melhor entender quando esse tipo de fotografia funciona.

A forma como esses fotógrafos produzem não acontece por acaso – há um conjunto de obras anteriores nas quais se basear, um estilo que reforça a sutileza do olhar sobre o que normalmente não nos demoramos e um discurso formado.

Eggleston foi além do “american way of life” para mostrar os EUA de outra maneira, Moriyama se enfiou no subterrâneo da vida comezinha japonesa e Tillmans explicita o dia-a-dia louco de um alemão.

São trabalhos que traduzem mais a experiência de viver do que as especificidades de casos particulares. O artista, pretensamente, resume em fotos sua vivência e, com sorte, cria uma história que convirja com o interesse de outras pessoas.

No exemplo de Moriyama, numa sociedade tão discreta quanto a japonesa, o pioneiro em desvendá-la, seja como for, tem grandes chances de sucesso na conquista da curiosidade dos outros.

Imagens de Daido Moriyama

Este tipo de abordagem funde o interesse do assunto fotografado com o interesse sobre o próprio autor. Não seriam os dois a mesma coisa?

Talvez a motivação em adotar uma fotografia que fale mais sobre a forma como o “eu” enxerga o mundo esteja em conexão com a modernidade líquida que não prioriza o outro.

É como se tivesse se tornado um estilo de fácil uso, uma forma fotográfica que pode ser usada para contar qualquer coisa, afinal é sempre a visão que temos o tempo todo.

Na década de 2000, os assuntos, em larga medida se esgotaram numa dualidade antagônica. Ou ficaram cada vez mais acessíveis – clichês, simplórios, lugar-comum -, ou cada vez mais inacessíveis, como áreas marginalizadas e fronteiras bélicas.

Muitos artistas, então, se voltam ao submundo, mas precisam de um submundo original. O mais cômodo, mais próximo de sua zona de conforto, é o seu próprio submundo interior, que, se tratando da média dos fotógrafos é largamente desinteressante.

Qual o interesse por trás de muitos trabalhos que reproduzem o estilo de vida-diário? Qual o incentivo para que se crie um interesse? Nos perguntamos porque essas imagens foram registradas? Qual é a história que o fotógrafo quer nos contar?

Tudo é aberto demais, e tudo já é aberto demais. Obras são soltas no mundo a espera que os outros deem sentido a ela.

Num certo momento o fotógrafo tem que achar um norte. Muitos trabalhos atuais são tão abertos que o próprio fotógrafo mal sabe do que se trata na verdade.

A experiência dos autores atuais erram na tentativa de cativar, pois vivem em 2013 numa vida que não parece muito especial.

– Gabo Morales e Entretempos

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