Referência a Tarkovski na estética de ‘O Regresso’ passa do limite da homenagem e beira o plágio

DAIGO OLIVA

Se por um lado o personagem de Leonardo DiCaprio sofre sem dó durante as quase três horas de “O Regresso”, não há outro ator em Hollywood tão feliz quanto ele fora das telas. A expectativa de enfim ganhar o Oscar só não é maior do que a de Emmanuel Lubezki, responsável pela fotografia do filme. Indicado pela oitava vez ao prêmio, o mexicano tem a oportunidade de vencer sua terceira estatueta seguida. Antes, levou com “Gravidade” e “Birdman”, ambos dirigidos por compatriotas.

Qual é o segredo que fez de Lubezki o nome sensação da cinematografia atual? Levando em conta apenas os dois últimos longas, realizados juntos a Alejandro González Iñárritu, a receita se baseia em tomadas longas em que a câmera desfila num balé milimetricamente pensado. Mesmo que “O Regresso” não use a engenhosa sucessão de planos sequência de “Birdman”, muitas das cenas do filme protagonizado por DiCaprio se estendem por minutos. Ele também repete a fórmula da visão em primeira pessoa, como em games de tiro, tal quais “Counter-Strike” ou o clássico “Doom”.

Numa das cenas do início de “O Regresso”, em que uma batalha infinita entre índios e homens brancos se desenrola, a câmera acompanha os combatentes, mergulha num lago, vira-se ao céu e dá voltas e voltas até passear da ponta do cano até o gatilho da arma que o personagem Hugh Glass aponta para um inimigo. Em “Gravidade”, com Alfonso Cuarón, a violência com que arremessa o espectador do silêncio e da solidão do espaço para o pavor do impacto de um satélite e a morte iminente é enlouquecedora. Sem a companhia dos diretores mexicanos, Lubezki trabalhou ainda com Tim Burton (“A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”) e com o cultuado Terrence Malick (“A Árvore da Vida”). Também foi um dos câmeras do documentário “Shine a Light”, de Martin Scorsese, sobre os Rolling Stones. Inegável que Lubezki sabe construir imagens exuberantes.

No entanto, na quarta-feira (3), o russo Misha Petrick publicou um interessante vídeo em seu blog em que compara cenas de “O Regresso” com filmes do mestre Andrei Tarkovski (1932-1986). Dizer que Iñárritu e o parceiro cinematógrafo fizeram um tributo ao cineasta russo é pura ingenuidade: a homenagem beira o plágio. Em 17 exemplos, tomadas e enquadramentos do indicado ao Oscar deste ano parecem uma cópia de passagens dos longas “A Infância de Ivan” (1962), “Andrey Rublev” (1966), “O Espelho” (1975), “Stalker” (1979) e “Nostalgia” (1983).

Mais: o tom das cores que predomina em “O Regresso” é muito similar ao das conhecidas polaroides fotografadas pelo cineasta russo. A temperatura fria, puxada para azul e verde, e as paisagens melancólicas são claras referências. Coincidência demais? Em entrevista à revista “Film Comment” publicada na edição de janeiro/fevereiro deste ano, Iñárritu diz que “Andrey Rublev” é talvez seu filme favorito na vida. Ele ainda cita como influências “Dersu Uzala”, de Akira Kurosawa, “Aguirre, a Cólera dos Deuses” e “Fitzcarraldo”, ambos de Werner Herzog, e “Apocalypse Now”, de Coppola –este deve ter sido uma inspiração ao martírio de DiCaprio.

Caso vá copiar, roube dos bons. Sempre sou desse time, então Lubezki e Iñárritu estão perdoados. Ainda que “O Regresso” seja uma tremenda experiência visual, meu voto entre os indicados ao Oscar de fotografia deste ano ainda é para “Carol”. Discorri sobre o longa dirigido por Todd Haynes e fotografado por Edward Lachman há pouco tempo aqui no Entretempos. Até o dia 28, quando será realizada a cerimônia da Academia, volto a escrever sobre os outros concorrentes na categoria: “Mad Max”, “Sicario” e “Os Oito Odiados”. Por enquanto vá assistir a “O Regresso” no cinema. É o tipo de filme que, quanto maior o tamanho da tela, melhor.

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Comentários

  1. Agora tenho certeza que não vou assistir o filme do Di Caprio. Além de plágio, é XAVECO. A maioria das pessoas não vai se ligar, então vai achar o máximo.

  2. Parece que quem escreveu esse texto não conhece nada mesmo de Tarkovski. Há muito pouco do diretor russo no filme com o DiCaprio; algumas comparações são extremamente forçadas. E também existem aqueles que vão criticar o filme ao lerem essa matéria sem nem mesmo ter assistido nenhum filme do diretor russo.

  3. A referencia ao Tarkovski a nada leva. Citar necessariamente não confere qualidade a esta ou qualquer obra. A nevasca esquenta o sangue para a vingança da personagem Glass. O filme é frouxo, fraco, ruim. Há um maneirismo da câmera e o que mais? Todo o cinema norte-americano dos EUA, dos anos 1970, construindo outra narrativa para a história dos índigenas da América do Norte, ou filmes como “Dança com Lobos”, está dois ou três passos adiante desse filme. É pura fantasia no sentido pobre do termo. Obras como” Enterrem Meu Coração na Curva do Rio”, Dee Brown, estabeleceu novo paradigma para a Conquista do Oeste. Merece o Oscar exatamente por ser uma bobagem. Magistral é a atuação de Leonardo DiCaprio em filmes subestimados como O Diamante de Sangue, Edward Zwick, 2006, mesmo com aquele final melodramático e previsível.

  4. O filme é muito bom, vale a pena, a crítica negativa é restrita aos super-entendidos, eternos insatisfeitos, amargurados com a vida – e são pagos para isso ???!!!

  5. “Dizer que Iñárritu e o parceiro cinematógrafo fizeram um tributo ao cineasta russo é pura ingenuidade: a homenagem beira o plágio.” Para tanto, seria necessário, em primeiro lugar, destrinchar os termos “plágio” e o “homenagem”. Deixando isso de lado por ora e tomando a via do bom senso, qual o sentido de dizer que um cineasta plagia obras de 1) um cineasta que ele atesta publicamente como uma de suas grandes influências e de 2) um cineasta conhecido, que qualquer um com uma boa memória e algum tempo seria capaz de estabelecer pontos de contato — Tarkovsky não é exatamente um cineasta desconhecido, certo? Assim como a afirmação de Iñárritu sobre ele, certo? Cá entre nós, somos todos, então, mais inteligentes do que ele e Lubezki juntos, não? Me lembro da famosa história a respeito da primeira sinfonia de Brahms. No quarto movimento há um referência explícita à nona de Beethoven, uma homenagem e um acerto de contas com a tradição musical romântica germânica. Ao fim da primeira apresentação um crítico apontou para as semelhanças entre as duas obras, ao que Brahms retrucou algo como: “só uma mula para não notar a semelhança.” Negociar com a tradição é um dos caminhos obrigatórios e mais interessantes que a arte pode realizar. Desvelar esses pontos de contato como se fossem marcar incriminatórias é um expediente velho e um pouco fraco.

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