Álbum de viagem: um passeio pelo Cáucaso

DAIGO OLIVA

Em 2009, Sandra Rocha e Pauliana Valente Pimentel, duas jovens fotógrafas portuguesas refizeram a mesma jornada do industrial e colecionador de arte Calouste Gulbenkian pelo Cáucaso, em 1889.

Embora a intenção do trabalho não seja documental, percorrer o mesmo caminho, um século depois, expôs um retrato contemporâneo da região, que pode ser vista na mostra “Cáucaso – Souvenirs de Viagem” até 30 de março, em Paris.

O Entretempos conversou com as artistas, que nos contaram um pouco das dificuldades e diferenças ao retratar uma região tão inóspita do mapa.

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Acima, casal num café em Batumi, cidade costeira do Mar Negro, na Geórgia. Abaixo, interior de uma casa em Kutaisi, também na Geórgia

Onde tudo começou… …e acabou

A ideia foi recriar a memória visual do itinerário percorrido por Gulbenkian na longa viagem que realizou, quando jovem, pelo Cáucaso, e que deu origem ao livro “La Transcaucasie et la Péninsule D’Apchéron – Souvenirs de Voyage”, publicado em 1891.

As grandes semelhanças com a viagem do industrial foram, sem dúvida, as descrições de paisagens do que ia vendo durante o comboio: as montanhas, os vales e o rio Roni.

Na Armênia, há pedaços inteiros de terra que se encontram parados no tempo. Em meio século, nada mudou. Muitas coisas estão abandonadas, destruídas.

Gulbekian era muito divertido nas descrições do povo. Falava da beleza, sobretudo na Geórgia, e, de fato, achamos as mulheres lindas.

A viagem acaba em Baku, no Azerbaijão, onde o industrial toma contato pela primeira vez com o petróleo, de onde começa toda o seu negócio e fortuna. Lá, as pessoas não sabem quem é Calouste Gulbenkian.

Nosso percurso não resultou em fotos documentais sobre o Cáucaso, mas sim num conjunto que representa nossa experiência ao longo de 1 mês pela região.

Acima, detalhe de toalha de plástico em Baku, Azerbaijão. Abaixo, cena na Armênia

Armênia, Geórgia e Azerbaijão: de costas um pro outro

A Armênia é um país que, por toda a sua história, está isolado. Não se comunica com a Turquia, nem com o Azerbeijão, ambos países vizinhos. Vivem de costas uns para os outros.

A Geórgia é o país que étnico e culturalmente mais se assemelha com a Europa, mesmo que ainda reste muitos vestígios da era soviética, como por exemplo a língua. Foi lá, onde a maioria da população é ortodoxa, em que mais senti a presença da religião.

Já o Azerbaijão, talvez, foi o lugar que considerei mais “exótico”, por ser mais longe da minha realidade. A cultura é o resultado de muitas influências, desde a soviética até as suas raízes turcas, persas, islâmicas e da Ásia central.

Hoje, as influências ocidentais fazem se sentir na cultura do consumo decorrente da globalização. Baku, a capital, cheira a dinheiro vivo do capitalismo, devido ao petróleo, mas o resto do país vive em outra realidade, longe das telas de plasma e dos carros de alta cilindrada.

Acima, menina numa lanchonete Mcdonald’s em Baku, Azerbaijão. Abaixo, o rio Rioni, em Kutaisi, na Geórgia

Tudo aconteceu e nada aconteceu

Nunca sentimos medo e, na verdade, não há razão para ter medo. Não faço ideia do nível de criminalidade de cada um destes países, mas ninguém nunca nos abordou de forma violenta ou perigosa.

As abordagens eram sempre no sentido de nos ajudar ou por pura curiosidade.

Fizemos viagens em alta velocidade sem termos controle do motorista, andamos em carros a 2000 metros de altitude em que poderíamos cair a qualquer momento, percorremos num só dia 400 quilômetros de carona em 4 carros diferentes, atravessamos a fronteira entre a Geórgia e a Armênia a pé, durante a noite…

Tudo aconteceu e nada aconteceu. Foi fantástico.

Intrusas no casamento alheio

O mais incrível foi numa aldeia do Azerbaijão. Levantar uma cortina de um salão de cabeleireiro e perceber que daqui a pouco, uma mulher seria transformada em noiva.

Estávamos de malas para sair da aldeia e de repente acabamos por ser convidadas para assistir à cerimônia. A noiva nos levou para sua casa, depois do cabeleireiro. Imagine você chegar em casa no dia do seu casamento, com duas turistas carregadas de malas e máquinas fotográficas? Foi delicioso.

Não entendemos nada do ritual caseiro antes da ida para as bodas, mas foi um momento mágico. No casamento, ficamos ao lado das mulheres vendo os homens, fumando e bebendo do outro lado. A noiva nunca deu um sorriso durante todo o dia… Outra cultura.

No início, achávamos que estava infeliz com o casamento, mas depois assumimos que devia fazer parte dos costumes locais.

Acima, noiva se prepara para cerimônia no Azerbaijão. Abaixo, a península de Apseirão, onde o petróleo é abundante e queima permanentemente

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Cáucaso – Souvenirs de Viagem
Até 30 de março
Segunda a sexta-feira, das 9 às 18h
Sábado, das 11 às 18h
Fundação Calouste Gulbenkian
39 Bd de la Tour-Maubourg
75007 Paris