O jogo minimalista de Malika Favre
A ilustradora e artista Malika Favre encantou uma das metades do Entretempos quando fez o desenho da capa de uma das edições da revista Piauí e também da Ilustríssima, caderno dominical da Folha.
Costumo dizer que as coisas boas não se explicam. Malika é uma dessas.
Seus desenhos têm força por todos os lados. Seja pelas cores vibrantes -até quando minimamente-, pela sensualidade das mulheres que ilustra ou então pela economia de traços.
Economia que não significa pobreza. Significa que a francesa tem o difícil poder da síntese.
Em poucas linhas, emoções e situações ganham formas que se traduzem num u-a-u coletivo.
Uau, Malika.
Depois de algum tempo sem vê-la pelas bancas de jornal, o brilhante site designboom a entrevistou. Apenas me perguntei: “Por que demorou tanto, estúpido?”.
Na entrevista abaixo, por email, Malika esbanjou simpatia e inspiração em todos as respostas.
Acredito que as perguntas dessa rodada complementam aquelas que o designboom fez.
É quase uma continuação.
As coisas boas, às vezes, se explicam.
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Entretempos: Malika é um nome de origem árabe, não? Se sim, é um nome árabe de alguém que nasceu em Paris e vive em Londres há 10 anos. Você pode nos falar um pouco sobre essas misturas geográficas e como isso reflete em seu trabalho?
Malika Favre: Minha mãe é originária de Tizi Ouzou, na grande Cabília [região montanhosa no norte da Algéria] e meu pai é francês com raízes judaicas na Bielorrússia, mas ambos nasceram e vivem em Paris. Eles sempre foram curiosos sobre diferentes culturas e espiritualidades, então cresci cercada por livros de poetas persas, filósofos alemães, contos de fada do Oriente-Médio, etc.
Minha mãe, mesmo que ela nunca tenha educado meu irmão e eu dentro das tradições árabes, sempre foi fascinada por “As Mil e uma Noites” e as obras de Pierre Rabhi e [Jiddu] Krishnamurti.
Acredito que ter crescido nesse ambiente influenciou quem eu sou como adulta. O mais importante é ter sido criada em uma família muito aberta e um pouco excêntrica, sem tabus e limites que a maioria das crianças têm. Comunicação é a chave e nós pudemos fazer e experimentar o que queríamos, contanto que fôssemos honestos e tivéssemos nossas responsabilidades.
Fomos vistos como uma família bastante excêntrica, e a maioria dos pais e professores ficavam perplexos com a proposta de educação dos meus pais.
ET: Uma das mulheres que você desenha lembra muito Valentina, de Guido Crepax. É uma inspiração? Que artistas levaram você a maneira como produz?
MF: Curiosamente, eu nunca havia visto esses quadrinhos antes. Amei os cortes em preto e branco! Costumo admirar artistas que produzem coisas muito diferentes do que eu faço.
Fico impressionada com as ilustrações de Erte, os desenhos de Aurore de la Morinerie, os cartazes dos anos 70 de Shigeo Fukuda, os filmes de [Jacques] Audiard, que são sempre muito poderosos e os antigos de Woddy Allen, que são brilhantes.
Me inspiro numa série de pessoas e situações, não apenas na arte. Amo a beleza acessível em todas as suas formas.
ET: Mesmo sem palavras, seus desenhos parecem dizer algo, é como cinema-mudo. Você pensa em fazer histórias em quadrinhos, criar personagens, colocando-os em situações com começo, meio e fim?
MF: Toda ilustração pode contar uma história. Você pode escrever uma história em 50 páginas ou em uma imagem. Sempre trabalho com uma narrativa forte, quase como uma janela dentro da vida de alguém, com um antes e um depois.
O que é interessante é o que o leitor imagina, mais do que o que ele vê.
Não estou interessada em criar uma graphic novel ou um livro de histórias em quadrinhos agora, mas muito empolgada com o que a animação pode me proporcionar. Meu trabalho está indo mais e mais nessa direção e eu adoraria dirigir curtas metragens animados.
ET: Nos seus desenhos em preto e branco há sempre pontos de cor que mudam completamente o efeito da ilustração. Você tem uma paleta de cor favorita? Quais são suas cores favoritas?
MF: Quase sempre uso preto e branco no meu trabalho. E há muito de vermelho e azul também. Costumo ficar obcecada por uma determinada paleta por um determinado período e então mudo para uma nova paleta.
A maior parte do tempo, podemos dizer que eu gosto de tons primários ousados e paletas de cores sem remorso.
Me lembro, quando estava na escola de arte, de ser fascinada pelo trio de cores de Kandinsky.
Uma pitada de vermelho em uma bolsa azul é como colocar ferro em brasa na água.
A combinação de cores é uma parte muito importante do meu trabalho e pode criar um estado de espírito real e uma história.
ET: Na foto da entrevista do designboom, você parece se vestir de um jeito muito colorido também. Você se aurorretrata nos desenhos? Quanto da sua vida está representada no seu trabalho?
MF: Aquela foto foi tirada no topo do meu estúdio e, sim, me visto daquele jeito. Curiosamente, eu não sabia que as cadeiras estariam com as mesmas cores. É uma daquelas coincidências que amo muito.
Costumo me vestir usando as cores dos meus desenhos, amo listras e padrões gráficos tanto quanto amo blocos de cor. Acho que está na moda agora, mas me vejo usando essas roupas por muito tempo.
Meu guarda-roupa evolui ao lado do meu trabalho. É muito obsessivo. Às vezes não sei o que influência o que, se desenho o que visto ou o contrário…
ET: Nessa mesma entrevista você disse: “Desenvolvi meu estilo mais e mais até se tornar algo como um manifesto”. O que seria esse manifesto?
MF: É quase um manifesto que escreveu-se organicamente ao longo dos anos. Olhando para trás, parece que tudo foi cuidadosamente calculado, obedecendo o mesmo conjunto de regras. Mas, para ser honesta, foi, principalmente, o instinto.
Agora, posso ver que meu trabalho sempre foi dizer o máximo possível com o menor número de linhas.
Ainda trabalho muito no instinto, mas sempre desenho muitos detalhes e esboços e, então, inicio o processo de remoção. Linhas primeiro, até chegar ao ponto em que a linha não pode ser retirada.
Então eu apago cores. Qual é a quantidade mínima de cores que preciso para que a ilustração comunique o significado? O que começou como um processo instintivo é agora uma espécie de jogo minimalista de tipos.
Sempre me pergunto: preciso desse elemento? Será que vai trazer alguma coisa para a história ou para o espírito da coisa? Às vezes é necessário, às vezes não. Também aprendi a não se apegar com as horas que gastei com o desenho.
Poderia ter levado dias para desenhar um determinado elemento, mas se ele precisa ir, então que assim seja. Como eu poderia saber se eu nunca desenhei?
No final, as peças mais fortes são os que parecem sem esforço, quase como se tivessem sido feitas em uma hora. : )
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