Vital
Ensaios documentais sobre avós se tornaram uma epidemia na fotografia contemporânea.
Entre os tantos clichês criados para retratar este universo, o fotógrafo paulistano Fábio Messias, 32, criou uma abordagem diferente para entender seu avô, o pedreiro Enedino Vital.
A partir de objetos, Messias desenvolveu o ensaio “Vital”, selecionado e publicado em 2012 pela revista holandesa de fotografia Foam em sua edição especial, “Foam Talent”.
O Entretempos conversou por email com o fotógrafo, que no segundo semestre já tem uma exposição individual marcada na galeria Pilar, em São Paulo.
(Messias também possui um outro trabalho em que retrata sua avó, mas isso já é uma outra história). 😉
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Como surgiu o ensaio?
“Vital” surgiu de uma certa curiosidade, quando em algum momento de 2009 me dei conta de que meu avô não jogava fora coisas que deveriam ir para o lixo.
Mas havia um certo padrão nisso: só não eram descartadas coisas com “possíveis” usos posteriores, como pratinhos plásticos de bolo de supermercado.
Costume que talvez venha da sua vivência na profissão de pedreiro, em que se guarda muito material, pois sempre há a possibilidade de usá-lo novamente.
No finalzinho de dezembro de 2009, em uma semana de férias, resolvi fotografar tudo (ou pelo menos os objetos mais interessantes) que tinha encontrado. Fotografei tudo em dois dias, exatamente na antevéspera e véspera de reveillón, mas depois esse material ficou guardado no computador por 1 ano.
Somente quando mostrei essas fotografias no grupo de estudos de fotografia do qual faço parte é que me toquei que era praticamente um trabalho pronto.
Como definir a relação com seu avô?
Fui criado pelos meus avós paternos desde os 11 anos. Mas com meu avô a relação nunca foi tão próxima quanto com minha avó.
Ele é uma pessoa bastante generosa em muitos pontos, mas de temperamento e crenças que nunca consegui digerir muito bem, desde pequeno. Mas há bastante respeito e gratidão de minha parte.
Colocando a pergunta no plano do meu trabalho, creio que essa relação não se refletiu em nada na produção.
Tanto no trabalho sobre minha avó como no trabalho sobre meu avô, muita gente faz leituras bastante relacionadas a algum tipo de processo terapêutico na produção, principalmente sobre minha relação com eles, e é legal de saber sobre esse tipo de interpretação, mas em nenhum dos dois trabalhos essa foi a questão tratada.
Em que condições esses objetos estavam?
Muitos objetos estavam deteriorados, empoeirados, sujos. Decidi intuitivamente que não gostaria de limpá-los para fotografar.
Então foi apenas retirá-los do lugar, colocar no “fundo infinito” improvisado (que criei na lavanderia da laje de casa com uma lona também encontrada, que meu avô utilizava quando trabalhava como pedreiro), fotografar e retorná-los para onde estavam.
Procurá-los e encontrá-los foi divertido e revelou surpresas às vezes até “poéticas”, como o copo com sementes de flor dente-de-leão guardado. Todo mundo assopra aquela flor e acha graça das sementes saírem voando, mas, por algum motivo, meu avô guardou aquilo!
O copo com essas sementes dentro continua sendo a minha fotografia preferida deste trabalho.
Depois de abrir essas gavetas e encontrar os objetos, essas memórias dele também viraram suas memórias?
Talvez não exatamente “se tornaram” minhas memórias, mas com certeza reavivaram muitas adormecidas. Ou talvez sim, se tornaram minhas já que o processo de fazer o trabalho agora faz parte de meu percurso afetivo dentro da casa.
Mas como eu disse na resposta anterior, vivo dentro dessa mesma casa há 22 anos, portanto acompanhei muito da vida de meus avós.
Muitos dos objetos já tinham aparecido na minha frente em algum momento dessa vivência na casa. Alguns objetos de cozinha utilizados por minha avó ou seus materiais de costura (quebrados, impossíveis de se utilizar, mas ainda guardados), as ferramentas de trabalho do meu avô (que tanto vi ele usar quando ainda trabalhava) ou até fotografias encontradas automaticamente me transportaram pra época da infância, me fazendo lembrar de histórias dentro da casa.
Quais são seus próximos projetos?
Atualmente tenho trabalhado em um projeto de livro para meu ensaio “Essa Luz Sobre o Jardim” (em que fotografei o último ano de vida de minha avó doente de Alzheimer). Tenho fotografado para um projeto de livro (em conjunto com uma amiga) para o público infanto-juvenil relacionado ao centro de São Paulo e tenho pensado sobre o que devo expor em minha primeira exposição individual, que está marcada para o segundo semestre de 2013 na Galeria Pilar, em São Paulo.
E como foi a seleção da Foam? Conte um pouco da repercussão desse trabalho na edição especial “Talent”.
Foi uma semana bem agitada! Foi exatamente na mesma semana em que saiu o resultado do Prêmio Porto Seguro 2012, aqui no Brasil, em que eu ganhei com o ensaio “Essa Luz Sobre o Jardim”, então foi um período bastante maluco para alguém que fotografa há tão pouco tempo.
Para a FOAM enviei dois trabalhos, o “Vital” e o trabalho sobre minha avó, e eles decidiram pelo “Vital”.
Ter o trabalho exibido em uma publicação tão respeitada como a FOAM é algo muito bacana, te dá uma certa noção de que você está em um bom caminho, mas eu não sei se consigo medir com exatidão a repercussão disso.
Lembro por exemplo que meu site explodiu de acessos! Fui convidado a responder algumas entrevistas também, o que é algo muito legal de se fazer por te forçar a questionar e pensar sobre seu processo criativo já com um certo distanciamento.
Mas uma das coisas importantes que acredito que tenham vindo relacionadas a FOAM e ao prêmio Porto Seguro foi a proposta de uma galeria para representação do meu trabalho.
Você diz no texto do trabalho: “o que de fato é “vital para a nossa memória? Esses objetos de meu avô me fazem pensar nos vestígios da vida que acumulamos e em outros que apagamos”. O que é vital para a nossa memória?
A citação é colocada como uma pergunta exatamente porque, cientificamente, ainda não sabemos muito bem como funciona nossa memória.
Poeticamente, passei a imaginar que meu avô poderia guardar todas essas coisas por estar em uma fase já final da vida, onde ele poderia estar se agarrando a esses objetos como uma forma de se agarrar ao mundo.
Mas no plano da memória afetiva, objetos parecem ter grande valor ou, como me disse o curador suíço Joerg Bader ao ver este trabalho, um grande poder entrópico, que reaviva muita coisa em nossa mente ao serem encontrados.
Gosto de pensar que ao fotografar esses objetos praticamente repeti o mesmo gesto de meu avô ao guardá-los: os projetei, dentro do suporte fotográfico, para no futuro serem encontrados.
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