A casa é um corpo preso

DAIGO OLIVA

Às vezes, é apenas longe de suas origens que as pessoas encontram quem realmente são.

Em Paris, no Jeu de Paume, a exposição “Phantom Home” da fotógrafa palestina Ahlam Shibli, traz seis trabalhos que abordam as diferentes contradições ligadas ao conceito de casa.

A busca, a perda e a briga constante com o sentimento de não pertencer ao próprio local de origem está presente através de fotografias que, entre outros objetos, retratam comunidades transexuais e soldados israelenses de origem palestina.

Shibli, 43, discute em seus trabalhos não apenas o significado da palavra “casa”, mas também a sensação de se “sentir em casa” e os caminhos que levam a formação de comunidades.

“Eastern LGBT n° 22”, série que retrata transexuais na Palestina, Líbano e Turquia

“É preciso sair de sua casa familiar para fazer comunidade com pessoas que partilham as mesmas escolhas”, escreveu a curadora Lisette Lagnado sobre o trabalho da fotógrafa.

“Eastern LGBT”, série produzida especialmente para a 27a Bienal de São Paulo, de curadoria de Lagnado, retrata transexuais que tiveram de deixar suas casas por não poderem viver nas sociedades das quais faziam parte.

Seus corpos não podem ser livres e seguem regras pré-determinadas por religiões e tabus.

Oficiais ou não, sempre há leis de comportamento entre os homens. Nas sociedades onde os códigos morais são regidos por governos não-laicos, traí-los torna-se um pecado impossível de ser aceito e a homossexualidade está entre eles.

Porém, a questão da casa não está ligada apenas ao aspecto da orientação sexual. Em “Trackers”, obra de Shibli que trata de descendentes de palestinos que se tornaram cidadãos e membros do exército de Israel, há também a discussão sobre identidade nacional.

O mesmo ocorre com outras séries que lidam com orfanatos poloneses e a resistência francesa durante a ocupação nazista.

Foto da série “Trackers”, sobre palestinos que se tornaram membros do exército de Israel

“Death”, último trabalho da artista, concebido especialmente para esta retrospectiva em Paris, revela uma faceta polêmica da sociedade palestina: a forma como tolera e preserva a presença de mártires no histórico conflito com Israel.

O trabalho foi alvo de críticas e protestos da comunidade judaica na França, que se refere aos personagens como terroristas.

Retratar aspectos concretos da convivência humana muitas vezes se torna uma tarefa complicada. Mas tentar materializar sensações e conceitos abstratos como pertencimento é algo ainda mais complexo.

Ao discutir o tema do que significa a casa para Ahlam, não há como não pensar em “A poética do Espaço”, do filósofo Gaston Bachelard.

Na obra, o conceito de casa não é tratado apenas como um objeto, com paredes construídas, mas trata-se também de uma casa interior. Da casa que cada homem constrói para si próprio, que te reprime ou te liberta.

Foto da série “Death” no campo de refugiados de Balata. No quadro, Abu Ali Mustafa, apresentado como Secretário-Geral da Brigada dos Mártires de al-Aqsa

“A casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade. Reimaginamos constantemente sua realidade: distinguir todas as imagens seria revelar a alma da casa; seria desenvolver uma verdadeira psicologia da casa”.

Antes de estrear no Jeu de Paume, a exposição passou também pelo Macba, em Barcelona, e seguirá para Portugal, na fundação de Serralves.

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Phantom Home
Até 01 de setembro
Jeu de Paume
1 place de la Concorde
75008 Paris
www.jeudepaume.org

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