Estados sem nação, nacionalismos sem Estado

DAIGO OLIVA

Começou neste mês, em Barcelona, o Circuit 2013, evento que reúne 35 exposições de fotografia espalhadas por toda a capital catalã.

Gratuita e com enfoque em trabalhos documentais, a mostra vai até 31 de julho em diferentes galerias e centros culturais da cidade.

Em sua programação, o Circuit traz exposições de fotógrafos como Antoine D’Agata, que apresenta o ensaio “Nóia”, e do holandês Peter Van der Hilst com retratos de pessoas e espaços privados na China.

O Entretempos conversou com Guillem Valle, terceiro lugar na categoria retrato do World Press Photo em 2011, que integra uma das exposições do Circuit.

Ao lado de Samuel Aranda, Pep Bonet e Olmo Calvo, Valle compõe a mostra “Inéditos”, reunião do trabalho de quatro grandes nomes da fotografia documental espanhola.

O nome da coletiva, segundo os curadores, é uma provocação contra “a falta de interesse de instituições e meios de comunicação para criar uma cultura gráfica de autor, crítica e social, e contra a discriminação de trabalhos de acordo com o seu conteúdo e posicionamento, assim como a falta de apoio para jovens artistas”.

Valle, 30, documentou a situação de nações não reconhecidas. Nas fotos do espanhol, a Palestina e o Curdistão, por exemplo, formam reflexões sobre identidade, negação e os nacionalismos em formação ou em destruição.

Em Barcelona, o Entretempos conversou com o fotógrafo. Vai lá!

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Casal palestino no Líbano, em 2007, durante cerimônia de casamento. Foto: Guillem Valle

Leis de um Estado

“Desde 2003, fotografo incessantemente por diferentes cantos desse planeta. Entre Curdistão, Síria, Palestina, Sudão e Líbano, comecei minha busca em retratar as nações sem Estado e seus personagens. São grupos humanos tentando controlar outros grupos humanos. Por muitos lugares, estive por mais de três vezes em 10 anos de trabalho. São muitas fotos e histórias que dariam um livro, um documentário e uma exposição. Mas ainda não. Ainda não sei quando parar, se vai parar e qual será o produto final de tanta busca”.

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Catalunha, país independente

“Desde novo, anarquista, e por ser catalão, essas questões de países independentes e nações sem estado podem ter brotado e amadurecido dentro de mim, me empurrando a buscar tais histórias. A Catalunha é uma região da Espanha que, desde sempre, luta por sua independência perante a Espanha e uma integração independente a União Europeia”.

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Imagens na mesa

“Em 2009, quando resolvi mergulhar no material já produzido, comecei a ver um caminho mais pontual entre tantas possibilidades. Nações sem estado nunca terminarão. Pelo contrário. O próximo passo, talvez, será fotografar, em forma crítica cômica, algumas minorias que se unem e resolvem formar um estado independente. Com sua própria moeda, rei e regras”.

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Olhares independentes

“O que mais importa são as pessoas, o sujeito. O lugar não importa. O que busco ao retratar esses sujeitos é carregar essas histórias e essas leis em seus olhares e em seus comportamentos. A ideia não é separar por raças, e sim criar um espaço imaginário nessa atmosfera. Um espaço onírico. Claro que sempre mantendo a linha documental”.

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Imagens infinitas

“Busco criar imagens infinitas, que se relacionam com as sensações dos retratados e de quem as vê, atemporais. Que sejam entendidas ao longo dos anos. Entre esses 10 anos, sinto meu próprio amadurecimento ao se relacionar com os personagens. Os vínculos humanos são cada vez mais fortes. Tenho que lidar o tempo todo com perdas em regiões de conflitos, aprender a administrar esses vazios, com muitos personagens que viraram amigos. Um dia dormia em um campo de refugiados e no outro, com um eco, obrigado a vê-los ensacados em plásticos. A linguagem e a estética das imagens não são uma questão. Muito bem definidas, o único ponto é saber até onde pode ir, ou até onde quer ir”.

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World Press Photo

“A foto do Sudão. Claro que passou pela minha cabeça e de todos ao meu redor ir ao encontro desse personagem. De certa maneira, me ajudou a ganhar o prêmio. Mas pra que? Por quê? Não muda nada. Seria um egoísmo e uma maneira de acariciar meu próprio ego. Lhe mostraria a foto e aí?! Viraria as costas e ele continuaria passando fome e vivendo em meio a miséria. É justo?”

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Todas essas questões éticas fazem parte do consciente e inconsciente de Guillem Valle. As dúvidas de até onde chegar com uma imagem documental foi o tema da conversa com o Entretempos ao voltar para o estúdio.

Qual é a mensagem? Qual é o caminho de uma foto de um país, que está em suas piores condições, como objeto de decoração na casa de alguém que pode pagar tantos mil euros por uma imagem?

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