Cristina de Middel quer problemas

DAIGO OLIVA

No último ano, não há festival de fotografia no mundo que não tenha convidado a espanhola Cristina de Middel. Desde que lançou “The Afronauts”, a fotógrafa se tornou uma estrela. Não é exagero. Os mil exemplares da publicação que reconta a história de um professor de ciências na Zâmbia que quer criar a primeira agência espacial do país se tornou um sucesso quase instantâneo e celebrado em todos os cantos.

Hoje, em lojas on-line, o valor de um exemplar novo pode chegar a US$ 4 mil. Usado, o desconto joga o valor para US$ 2200. Desde então, Cristina respondeu a uma tonelada de entrevistas, chamou a atenção de galerias de arte e, nos próximos três meses, viajará para participar de festivais na China, Nova Zelândia, EUA, Holanda, Nigéria e… Brasil.

A fotógrafa é uma das convidadas da nona edição do Paraty Em Foco, que ocorre em setembro. O Entretempos conversou com a artista espanhola sobre seu novo livro, “SPBH Vol III”, a especulação no mercado de livros de fotografia, a sensação de ser uma jovem artista superstar, a visita ao Brasil e, claro, a palavra mais ouvida pela fotógrafa no último ano: afronautas.

“As ideias não estão na fotografia. As soluções estão na fotografia. O que você quer consumir? Soluções ou problemas? Eu quero consumir problemas”. Leia a seguir trechos da entrevista com a simpática Cristina de Middel.

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Novo livro

O Bruno [Ceschel], da Self Publish, Be Happy, tem um clube de livros e convida fotógrafos para fazer cada volume. O primeiro foi feito por Adam Broomberg e Oliver Chanarin, e o segundo foi realizado pelo [Brad] Feuerhelm, que é um colecionador de fotos antigas. Para o terceiro, Bruno queria que eu produzisse. Eu sempre tenho uns quatro, cinco projetos em andamento, então mostrei tudo o que tinha para ver se ele gostava de algo. Decidimos fazer esta ideia um pouco boba de contar a história do filme “West Side Story” usando street photography.

Eu precisava explicar nesse projeto como me sentia quando ia à cidade e a esperança de me encontrar com o filme, uma obsessão que tenho, gosto muito da obra. Projetei o que eu esperava da cidade com uma linguagem que normalmente aparece como verdadeira. Eu via três meninos vindo numa rua e dizia a eles: ‘Esperem! Venham dançando!’.

Interessa-me explorar os limites das linguagens, como fiz com a fotografia documental em “The Afronauts” e com a fotografia de rua nesse trabalho. Gosto de brincar um pouco com esses debates. Não é uma discussão em que quero ser controversa, são simplesmente investigações e perguntas que faço a mim mesma, sabe? Foi muito divertido. Muito mais divertido do que esperar que ocorra algo para fazer um clique. Porque se cria algo e documenta.

Espanha

A Espanha é um lugar que me inspira muito, porque há muitos conflitos, muita ironia e muito humor. Te dá muitas ideias, mas ao mesmo tempo é um lugar muito limitado. As instituições são muito clássicas e não há um verdadeiro apoio a qualquer investigação artística, não apenas fotográfica. Fotografia ainda menos, pois nem se considera como arte.

É um bom lugar para produzir e, ao mesmo tempo, ruim para ser fotógrafo profissional. Não respeitam seu trabalho em qualquer âmbito, não apenas artístico, mas como fotojornalista também. Basicamente, não valorizam a fotografia.

Superstar

Estive muito ocupada para pensar e saber o que é a vida de superstar. Sei que as coisas mudaram, mas não sei exatamente o quê. Tenho a sensação de estar numa montanha-russa, mas não sei para onde ela vai. Acho mais excitante o que ainda está para acontecer. Agora tenho mais ideias do que há um ano, além de mais pessoas que me apoiam e que querem me escutar. Então é muito excitante. Não há medo de decepcionar essas pessoas, porque realmente não quero voltar a fazer um trabalho em que todos estejam de acordo, como aconteceu com “The Afronauts”.

Tenho a sensação de que muita gente vem falar comigo apenas para dizer que gosta do trabalho, sem estabelecer um diálogo. Tenho um amigo fotógrafo espanhol que me disse para tomar cuidado com os aduladores, porque eles te encurralam de uma maneira que não se pode escapar. Mas essas perguntas de como estou vivendo após tudo isso são boas porque senão parece que tudo para mim é normal. E não é normal. Muitas coisas mudaram, não sei de que maneira mudaram, mas mudaram.

One hit-wonder

Estou preparando outros livros que, acho, são melhores que “The Afronauts”. Também é um pouco da energia com que se trabalha. Não se pode trabalhar pensando que já fez o melhor, porque o melhor não há. Acredito que o livro que vou apresentar em setembro parece muito mais divertido. O melhor do que ocorreu com “The Afronauts” é que agora posso fazer o que quiser. Tenho uma ideia louca, e há pessoas que publicarão, gente que verá, gente que me escutará.

Mercado editorial

“The Afronauts” não é um livro feito por uma editora, é um livro feito por mim. Todas as partes da produção foram feitas por mim, desde a foto até enviar o livro pelo correio. Deixar de fazer uma segunda edição não é porque eu não queira mais esse livro, é porque quero dedicar o pouco tempo que tenho para fazer outros livros. Se fosse por uma editora, era como apertar um botão verde e aí estão mais mil exemplares.

Fazer uma segunda edição implica ficar mais quatro meses trabalhando nessa publicação. Mas não significa que não vai haver uma segunda edição. Pode haver dentro de uns dois, três anos, não sei. Por outro lado, a SPBH lançou mil cópias deste novo livro. Para a editora, é muitíssimo. É mais do que algumas casas de publicação imprimem. O livro mais caro que vendi, afinal estou sendo beneficiada por essa especulação, faz três meses. Cobrei 250 euros de um colecionador que estava desesperado. Moralmente, nunca deveria ou poderia fazer este preço.

Ainda tenho algumas cópias que estou guardando, mas para universidades ou bibliotecas que podem ser consultadas por muita gente. Não sei se vai haver um outra edição, porque, sinceramente, estou um pouco cansada de “The Afronauts”. Desde o começo do livro até agora já faz quase três anos, e creio que seja a hora de virar a página.

Brasil

Estive no Brasil em 2005, com a minha irmã. Gosto de todos os lugares que têm uma relação importante com a música, com notas, com o que não é lógico. Por exemplo, eu nunca poderia viver na Alemanha. Londres também não é um lugar que me inspira. Estou aqui há dois anos e acredito que não poderia produzir nada sobre a cidade. Tudo é tão lógico e tudo tem tanto sentido, não há muitas surpresas, está tudo programado, já se sabe o que vai acontecer não é interessante. O Brasil é todo imprevisível.

Fora da fotografia

Não sou uma expert em fotografia. Gosto muito mais de ver pinturas, ir ao cinema. Os livros que tenho de fotografia são de meus amigos ou que me mandaram para fazer uma crítica, mas não gosto de consumir fotografia. É como consumir soluções, e não problemas. Se você pega um problema resolvido, é uma ideia que morre. Não te digo que não conheço, mas meu tempo está mais dedicado a pensar em meu próprio trabalho, antes de ver os dos outros.

As ideias não estão na fotografia. As soluções estão na fotografia. O que você quer consumir? Soluções ou problemas? Eu quero consumir problemas. No cinema, a literatura é fundamental. A pintura, o desenho, as histórias em quadrinhos… “The Afronauts”, antes de ser uma série de fotos, era uma história em quadrinhos. A fotografia é pouco aproveitada. O potencial que possui está muito pouco aproveitado. Há muito por aí que poderia ser contado num nível muito mais diferente, sensorial… Poderia tocar tantas coisas e se limitam aos olhos. Os fotógrafos não se atrevem a romper barreiras.

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As duas metades do Entretempos são os curadores convidados do blog oficial do festival de fotografia Paraty em Foco 2013.

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