Fio a Fio

DAIGO OLIVA

Desde 2010, o festival Paraty em Foco realiza a convocatória de portfolios para o programa “Portfolio em Foco”.

Este ano, além do modelo já tradicional, há também o “Multimídia em Foco”, dedicado, claro, a projetos multimídia.

Os melhores trabalhos são selecionados pelos curadores do evento, que expõem os ensaios no site do Paraty e, posteriormente, podem integrar os espaços expositivos do festival.

Um júri responsável irá eleger os dois melhores ensaios das convocatórias e os vencedores receberão R$ 2000, além de integrar a programação da mostra.

Para saber mais e se inscrever, é só clicar aqui.

A pernambucana Thaisa Figueiredo, 25, é uma das selecionadas do “Portfolio em Foco”, com o trabalho “Fratria”.

Durante um mestrado de fotografia em Madri, no ano passado, a fotógrafa começou a explorar as fotos antigas que sua avó colecionava em uma caixa de sapatos.

Fio a fio, utilizando carreteis de linhas, a artista furou partes das fotos para costurar ligações entre as imagens.

“Tinha a idéia de um projeto sobre essas relações fraternais, da forma como elas interferem e criam boa parte do que somos, mas a execução falhava. Fiz inúmeras intervenções nas cópias, mas nada com tanta justificativa para o que a minha mente propunha, ou pelo menos, idealizava para o projeto”, explica Thaisa.

O ponto de virada do ensaio foi a orientação de Juan Valbuena, do coletivo NoPhoto. “Entrei em uma espécie de busca descontrolada pela chave que estava faltando. O processo foi quase um vômito”.

Confira a seguir, trechos da entrevista que a fotógrafa concedeu ao Entretempos, por e-mail.

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A caixa de sapatos

Conversei com a minha avó que me deixou usar algumas das suas fotografias originais e comecei a buscar locais pra comprar fotografias. Aí me meti durante dias em sebos, casas postais e feiras livres de Madri procurando coisas de diferentes épocas e lugares pra montar o discurso que tinha em mente.

Do acervo da minha vó ficaram quatro fotografias. Baseada nelas busquei outras que estivessem na mesma linha estética. Irmãos, lado a lado e com suas ‘roupas de domingo’, fotografias clássicas de álbuns de família. As cores dos fios são aleatórias, estava mais centrada nos caminhos e conexões que queira formar.

O carretel

A ideia de costurar as fotografias surgiu por dois motivos -primeiro, e mais ligado ao emocional, é que a minha avó é costureira e talvez essa fosse uma forma dela também estar presente. E em segundo lugar, porque o fio, o hilo, a linha são literalmente caminhos, conexões, elos entre partes, é quase óbvio o seu uso para falar sobre as nossas relações pessoais.

Com as fotografias já escolhidas, o processo de costura foi rápido e quase automático. Tinha ficado alguns dias buscando as fotos e ao encontrá-las já sabia exatamente o que fazer.

Linhas cruzadas

Os caminhos desenhados entre os fios são as nossas relações, são essa espécie de laço invisível que temos com determinadas pessoas. Esses caminhos são férteis, frutíferos, porque são uma via de mão dupla, nutridos através da troca de experiências.

Resolvi me centrar em relações fraternas porque elas são parte importante na formação de quem somos, principalmente durante a infância. Acredito que nessa relação entre irmãos essas trocas se dão de maneira mais natural, sem interesses. Os irmãos são, por exemplo, a nossa maior influência quando somos pequenos e estamos sem a companhia dos pais.

É neles que você se espelha seja com o objetivo de ser e se portar de maneira semelhante, seja no rechaço àquela figura.

O fraterno

Eu tenho dois irmãos, um deles é mais velho que eu e convivi muito pouco com ele, já com o outro convivi diariamente durante muito tempo. É nessa relação com o meu irmão mais novo que me centrei nesse trabalho.

Ao ver a relação que temos hoje, e todas as trocas naturalmente existentes, fica evidente o quanto de mim existe nele e vice-versa. Mas as pequenas coisas que temos em comum (e também de diferentes, porque acredito que as diferenças não necessariamente nos afastam, mas também nos completam), a maneira de agir, a forma de interagir com o mundo, não são simples de dizer se eram antes características minhas ou dele.

Há uma espécie de limite não definido nesse tipo de relação. Não acho que o fato de não ter uma relação fraterna seja algo negativo ou que represente uma lacuna.

Fios condutores

Rosângela Rennó é uma das minhas maiores referências quando se trata de trabalhar, recriar, redescobrir e dar novas leituras à acervos fotográficos. Sou absolutamente encantada pelo trabalho dela! A forma magistral com que trata os arquivos e toda ideia por trás daquilo é de uma consistência e clareza absurdas.

À medida que conheço mais e mais sobre ela, vou me tornando mais adepta da ideia de que o mundo já tem fotografias demais, temos que aprender a dar-lhes novos sentidos e sentimentos. Apesar de continuar fotografando com filmes 35mm, tenho me voltado cada vez mais para a apropriação de fotografias.

Recentemente conheci uma série da fotógrafa Diane Meyer, que segue essa linha de dar novos ares aos arquivos familiares. A série se chama “Time spent that might otherwise forgotten” e fala a respeito das falhas que temos ao lembrar de determinadas situações do nosso passado.

Ela também mistura costura e fotografia e as fotos são incríveis! Também gosto muito do trabalho da holandesa Hagar Van Heummen e da chilena Maria Aparicio Puentes.

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As duas metades do Entretempos são os curadores convidados do blog oficial do festival de fotografia Paraty em Foco 2013.

Durante o evento e o período que antecede sua realização, toda vez que você visitar nossa página e visualizar a vinheta acima, já sabe que quem fala aqui não é apenas o Entretempos, mas também os curadores do blog do festival.

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