Casas são para pessoas, não para arquitetos

DAIGO OLIVA

Jornalista tem o terrível costume de se relacionar entre eles mesmos.

Sempre que me perguntam sobre minha esposa, antes de dizer sua profissão, coloco um “graças a deus” para contar que ela não é jornalista.

Entre as milhares de delícias de ter um combo de arquiteta, designer de móveis e ilustradora em casa, o melhor de tudo é receber emails com algum projeto maluco para uma horta caseira. Nem sempre a megalomania rola, mas pelo menos temos orégano e tomilho sempre à mão. Ponto pra ela.

Por conta de sua profissão, um querido casal de amigos nos presenteou com um exemplar de “Thanks for the view, Mr. Mies”, livro sobre a área residencial de Lafayette Park, em Detroit, cujos [muitos dos] prédios foram projetados por Ludwig Mies van der Rohe.

Se você, assim como eu, desconhecia o sujeito, van der Rohe foi um arquiteto alemão, professor da Bauhaus e criador da icônica poltrona Barcelona, símbolo de elegância e conforto. Geralmente, as cadeiras seguem uma lógica infernal: são bonitas ou confortáveis. A “Barcelona” junta os dois extremos e é a peça sucesso das salas de espera por aí.

Você pode até não conhecê-lo, mas já sentou no rapaz. 😉

No livro, do trio de designers Danielle Aubert, Lana Cavar e Natasha Chandani, o foco está nos moradores do Lafayette Park e suas relações com a arquitetura de van der Rohe.

Diferente das publicações que buscam entender as técnicas, os materiais e inspirações que levaram ao desenho e concepção de um espaço, o livro trata do ângulo de quem vive o lugar.

Construído nos anos 60, os prédios de van der Rohe no Lafayette Park são símbolos da arquitetura modernista. Repleto de vidro do chão ao teto, não é o tipo de construção que se espera encontrar nos Estados Unidos.

O ambiente comunitário, em que a transparência parece incentivar a convivência e a política do ver e ser visto entre vizinhos, contrasta, principalmente, com o atual estado de Detroit, devastada pela crise econômica e praticamente abandonada por seus moradores.

A diversidade reunida no Lafayette Park surpreende. Diferentes níveis sócio-econômicos e perfis profissionais, diferentes usos e interpretações sobre o que é o bairro para uma sociedade tão individualista como a americana e diferentes tipos de pássaros que habitam a área.

O mais legal do livro são os índices de coisas aparentemente bestas. Tem esse capítulo para pássaros, outro para cachorros, um para os famosos que já viveram lá (uns zé-ninguéns como Madonna, Diana Ross e Stevie Wonder) e até uma coletânea com anúncios de venda de prédios do Lafayette. Tudo isso com várias entrevistas de moradores em volta. Divertidíssmo.

É como se a gente pegasse o Copan e falasse menos de Niemeyer e mais sobre o travesti que morou no edifício durante os anos 70, da atriz badalada que não abre mão de viver no centro num apartamento de 200m2 e o estudante de Santa Pirapora de Jesus que chegou em São Paulo para fazer faculdade de propaganda e marketing e vive numa kitnet de menos de 40m2.

Tudo isso com interconexões com a arquitetura que ronda essas histórias. Os arquitetos erguem construções, pensam relações. Mas um lugar só se torna o que é por conta de quem mora lá. Obrigado pela vista, mr. Mies.

Agora deixa que a gente toma conta.

Ainda nesta terça-feira, o Entretempos publica um guia do Paraty em Foco 2013. O que ver e porque ver as atrações do festival que começa amanhã.

Enquanto isso, vou conversar com a minha arquiteta para curar a ignorância.

Até!

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