Nas sombras de Pep Bonet
Refugiados de Zimbábue na África do Sul, um time de futebol formado apenas por amputados, um médico pediatra que gasta suas férias tratando recém-nascidos em Chad e transexuais espalhadas pelo mundo atrás de sua própria identidade.
A lista de dramas documentados pelo espanhol Pep Bonet é gigante. Ganhador de três prêmios World Press Photo, o fotógrafo conversou com o Entretempos logo após a mesa em que participou no Paraty em Foco.
Ali, falou sobre os trabalhos multimídias e as novas formas imagéticas de contar histórias. “As fotografias, sozinhas, pra mim, já são um pouco pobre”.
Um de seus projetos, em que retrata os imigrantes opositores ao regime ditatorial no Zimbábue que se refugiaram na África do Sul em lastimáveis condições de vida, se tornará um longa metragem de 75 minutos com previsão de estreia no festival de cinema de Sundance.
Leia abaixo a entrevista com Pep Bonet.
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Entretempos – O documentário feito em Chad tem imagens muito fortes que normalmente não seriam publicadas na mídia em geral. Você acha que a imprensa está caminhando para uma visão politicamente correta?
Pep Bonet – A imprensa é a maior porcaria que tem na Terra. Não estão aqui para contar o que acontece e como acontece… Por exemplo, na Espanha, os meios de comunicação são controlados pela publicidade. A publicidade quer colocar suas fotografias bonitas, e quanto pior for o conteúdo que publicam, melhor. Quanto menos impacto tiver isso, mais impacto terão suas fotografias publicitárias. Nunca trabalhei para a imprensa espanhola. Mesmo se for convidado, não iria. Tenho meus próprios projetos. Se querem comprar as imagens depois, ok, eu vendo. Mas produzo minhas próprias histórias.
ET – Mesmo sendo um conhecido e premiado fotógrafo, ultimamente você vem produzindo apenas multimídias…
PB – Os multimídias tem mais canais. Chegam a mais gente. Faço fotos, que é um mercado. Depois faço o vídeo, que é outro mercado, e depois tenho a combinação de foto e vídeo que é outro mercado. Que é o mercado de cinema e de festivais. E depois tem a instalação que é foto e vídeo em formato de exposição permanente. Se eu tivesse que escolher um, escolheria o multimídia. Fico com a grande tela, e não com uma publicação de 15 páginas em uma revista. A imprensa escrita está desaparecendo. Vocês sabem disso, né?! Vai morrer… Será tudo digital. Acabaremos todos vendo tudo em telas. Eu acho que é onde está o futuro. E estamos tentando adiantar esses acontecimentos, investigando, aprendendo, desfrutando. Conhecendo outras maneiras de contar histórias. As fotografias ali, sozinhas, pra mim, já são um pouco pobre.
ET – Vai abandonar a fotografia?
PB – Sempre farei foto e vídeo. Não só vídeo. E por quê? Por que o vídeo me dá o conteúdo e a informação, e a foto me dá a pausa e a reflexão. A fotografia segue tendo esse poder de sugerir… Esteja onde esteja. O que me interessa na fotografia é me meter nas histórias, super profundas, com uma visão, como vivi isso e que seja esteticamente inteligente e honesto. Não me interessa apenas uma imagem, e sim as histórias.
ET – Te incomoda o fato de alguém querer comprar uma dessas suas imagens de guerra e dor, simplesmente para colocar na parede como objeto decorativo?
PB – Não costumo vender imagens que fazem parte de séries de guerra, de pessoas amputados ou crianças prostituídas. As imagens dos travestis, acho que podem ser vendidas. Essas são mais aceitáveis… Não digo mais pornográficas, mas essas sim. Mas acho que vender imagens do sofrimento de outra pessoa não é ético.
ET – Durante a palestra você falou sobre a importância da invisibilidade no momento em que está fotografando. E, ao mesmo tempo, você é um tipo que chama atenção. Como você faz para ser invisível mesmo tendo essa estética super forte de muitas tatuagens, uma barba específica…
PB – Muito simples. Eles têm zero expectativas quando me vêem. Por muito pouco que eu faça e muito pouco que lhes dou, tenho portas abertas. A tatuagem, do mesmo jeito que fecha portas, te abre outras. No final, as pessoas te olham nos olhos e sabem quem você é. Você fala com as pessoas e elas sabem o que você quer. Tudo isso em mim é estética, essa é minha tribo. Assim como tantas outras. Sou quem sou. Não importa. ‘No pasa nada’. Por que sou assim e posso tirar isso pra fora, do que antes, que não podia ser quem era, não tinha culhões de me tatuar e mostrar quem eu era realmente.
Tirar isso tudo pra fora não muda minhas imagens, porque dentro sempre temos a intenção. Intenção de fazer o trabalho, de continuar. O que um mostra exteriormente é muito irrelevante. Uma coisa é sua estética, outra é seu trabalho. As pessoas quando me vêem trabalhando, me levam a sério e não ali, tomando uma cerveja, como uma “bala perdida”. Eu tento ser coerente no fim do dia e ter uma linha de trabalho sério. Faz anos que sigo com esses trabalhos, de histórias dramáticas, com um pouco de esperança.
ET – Você que já viu tantas coisas dolorosas, tem esperança no mundo?
PB – Tenho pouca esperança no mundo. É o que é. Eu não vou mudar as coisas. Acho que cada vez a raça humana se volta mais para o próprio umbigo. O mundo está uma merda. Eu acho que o grande problema é a religião. Se temos que acabar com algo nessa vida, primeiro as armas e a religião. E claro que, depois, tiraria todos os políticos corruptos, tentando fazer um mundo melhor. Mas eu sozinho, com o que penso, não vou mudar nada. Se não temos uma unidade no que queremos, nada vai acontecer. Temos uma visão do mundo de tanto faz. Uma visão mais animal do que humana.
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As duas metades do Entretempos são os curadores convidados do blog oficial do festival de fotografia Paraty em Foco 2013.
Durante o evento e o período que antecede sua realização, toda vez que você visitar nossa página e visualizar a vinheta acima, já sabe que quem fala aqui não é apenas o Entretempos, mas também os curadores do blog do festival.
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