O selvagem da motocicleta

DAIGO OLIVA

Quem observa as fotografias de Alberto García-Alix, 57, espera encontrar um homem de poucas palavras preso em um universo pesado e extremamente particular.

Conhecido pelas imagens melancólicas de companheiras nuas, consumo de drogas e muitos rostos tristes, Alix é, na verdade, um artista de sorriso fácil e muita disposição para conversar.

O espanhol está no país para participar da versão brasileira do festival de fotografia PHotoEspaña, que acontece a partir desta quarta-feira (23), no Sesc Consolação, e se estende até o fim de janeiro.

O evento realizará palestras, leituras de portfólios e seis mostras, três delas espalhadas pelo centro da cidade.

“Autorretrato”, exposição dedicada à carreira de Alix, reúne 76 fotografias em preto e branco, em que o espanhol encarna diferentes personagens em registros de si mesmo e também de situações e lugares em que esteve durante os últimos 30 anos.

Tatuados, viciados em heroína, transexuais, prostitutas e tantos outros estereótipos da marginalidade documentados pelo espanhol formam também um denso perfil autobiográfico.

Alix não gosta de sorrisos em suas imagens. “Para mim as pessoas são felizes em suas vidas. Não quero que sorriam. O que quero é o peso, e não a estupidez que vem junto de um sorriso. Isso tira a tragédia”, reclama.

Aos 12 anos, o espanhol ganhou uma moto de seus pais. Sete anos mais tarde, recebeu uma câmera fotográfica de presente de Natal. Com a moto, uma câmera e buscas sem fim por diversão, o espanhol percorreu estradas, de bar em bar, sem nunca saber muito bem onde iria acordar.

A fotografia se tornou sua maneira de registrar amigos, amores e experiências.

“Eu documentava sem nenhuma consciência fotográfica. Não via livros, não conhecia fotógrafos. Fui autodidata”, explica.

Quase como terapia, sozinho em sua casa, ele passou a produzir autorretratos em que aparece em diversas poses ou injetando heroína, prática comum em seu círculo de amigos.

“A fotografia servia para me dar o presente de fazer parte deste mundo, de estar aqui. Não tinha nenhum pudor com a câmera”, relata.

Hoje, Alix se diz livre das drogas e com mais consciência de sua própria fotografia, mas mantém a melancolia de suas imagens em filmes e roteiros.

Desde os anos 80, apaixonado por cinema, o fotógrafo produz curtas-metragens para a tv espanhola.

Quando expôs no museu Reina Sofia, em Madri, onde recebeu uma grande retrospectiva de sua obra, fez questão de incluir a apresentação de um vídeo. No Sesc, há também uma obra neste formato.

“O que mais me custa é escrever. Preciso estar completamente isolado para transformar em palavras o que sinto”, diz o espanhol. “As fotografias já estão prontas, são disparos”, completa.

Atualmente, Alix vive em Lisboa com sua esposa, enquanto escreve sua primeira ficção. Seu novo projeto, até agora intitulado “Horizonte Falso”, conta a história de um grande amigo.

Se seguir a lógica de toda a sua obra, o novo texto também será mais uma peça na construção ininterrupta do autorretrato de García-Alix.

ALBERTO GARCÍA-ALIX: AUTORRETRATO
QUANDO de seg. a sex., das 7h às 22h; sáb., dom. e feriados, das 10h às 19h; até 25/01
ONDE Sesc Consolação (Rua Doutor Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
QUANTO Grátis
CLASSIFICAÇÃO Livre

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