Viver nas grandes cidades

DAIGO OLIVA

Quem está acostumado a pegar o metrô de São Paulo durante a semana por volta das 18h já sabe qual é o roteiro.

Assim que o trem chega, a multidão que espera na plataforma é arremessada para dentro do vagão. Os mais espertos deixam o corpo mole para serem colocados por osmose.

Até chegar na estação desejada, o calor infernal só não preocupa mais do que o plano para sair dali antes das portas se fecharem.

Assim como em São Paulo, essa rotina também acontece em Tóquio. Os corpos esmagados contra as portas de trens japoneses foi o tema da série “Tokyo Compression”, do fotógrafo alemão Michael Wolf, 59.

A qualidade de vida nas grandes cidades e a multiplicação de padrões urbanísticos questionáveis são temas recorrente no trabalho do artista. Além das imagens apertadas no metrô de Tóquio, Wolf também documentou os gigantes edifícios e o interior das minúsculas casas de Hong Kong.

O alemão está em São Paulo para participar de um dos debates do encontro “Cidade: Modos de Fazer, Modos de Usar”, hoje, às 19h, no Sesc Pompeia, parte da programação da décima Bienal de Arquitetura de São Paulo.

Ao lado do professor de sociologia John Logan, criador do conceito “cidade como máquina de crescimento”, o fotógrafo falará sobre como as políticas urbanas foram desviadas de suas intenções originais em favor do mercado, fazendo das cidades organismos voltados à obtenção de lucro.

O Entretempos aproveitou a passagem por São Paulo para conversar com o artista.

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Entretempos – Como as suas imagens podem ajudar na discussão sobre as metrópoles? Como você encara a forma como as pessoas vivem nas grandes cidades?

Michael Wolf As imagens podem ser mais poderosas do que as palavras. Uma série, ou até mesmo uma imagem extremamente visceral, pode transmitir uma ideia e fazer com que o espectador pense sobre a situação. Duas das minhas séries, “Architecture of Density” e “Tokyo Compression”, têm gerado uma enorme discussão sobre a qualidade de vida nas metrópoles. Qual é a qualidade de vida se a pessoa tem que ir ao trabalho todos os dias em um trem como uma sardinha? Qual é a qualidade de vida se a pessoa tem de viver em um edifício de 65 andares em um apartamento muito pequeno, juntamente com outras quatro pessoas?

ET – Eu não sei se o senhor já veio a São Paulo, mas certamente deve conhecer nossa fama de edifícios gigantes, colados uns ao lado dos outros. Mesmo distantes, a paisagem de São Paulo relembra muitas imagens feitas pelo senhor em Hong Kong. O que acha sobre a padronização das metrópoles?

MW Acho que a maneira como as metrópoles têm evoluído é muito negativa. De longe, as desvantagens superam os aspectos positivos. Parece que elas são construídas sem pensar na qualidade de vida do habitante, mas principalmente para maximizar o lucro. O sistema está quebrado se as preocupações do indivíduo desempenham um papel tão pequeno na arquitetura.

ET – Você fotografou diversas cenas desconfortáveis em Hong Kong e no metrô de Tóquio. O que mais te impressionou?

MW Que os seres humanos estão dispostos a viver desta maneira e aceitam essa má qualidade de vida sem cometer suicídio. Estou impressionado como os seres humanos estão dispostos a adaptar-se às condições de vida mais horríveis. É deprimente. Espero que em algum momento, as pessoas saiam às ruas e demonstrem, violentamente, se necessário. Parece que somente as ações muito fortes contra más condições de vida trazem mudanças.

ET – Em sua série “Back Door”, há vários registros de “adaptações” cotidianas. Quanto desta “poesia” do dia a dia você ainda encontra nas grandes cidades? Em qual nível as pessoas ainda conseguem produzir o seu próprio entorno de uma maneira particular?

MW Sim, estes são exemplos de cultura vernacular. Improvisações do dia a dia contra uma cidade anônima. Pode-se encontrá-las em todos os lugares se você tem um olho treinado. Esses pequenos sinais de individualidade são muito importantes para o meu entendimento da cidade. Sempre que passo por uma metrópole, estas são coisas pelas quais eu procuro e fotografo. Eu acho que essas imagens educam as pessoas sobre como a experiência de uma cidade não é apenas a chamada “alta cultura”, o que é interessante, mas também há a cultura de rua, o vernáculo. Em última análise, os seres humanos são muito resistentes e sempre encontram uma maneira de se expressar, mesmo diante de grandes adversidades. Essas improvisações revelam o caráter de seus habitantes. Sim, elas são poesia visual, embora quem os faça não se considerem poetas.

ET – Talvez seu trabalho mais famoso seja “A series of unfortunate events” [ensaio feito a partir de imagens do Google Street View premiado com a menção honrosa do concurso World Press Photo em 2011]. Qual é a razão para as pessoas temerem ser fotografadas por uma pessoa de carne e osso na rua ao mesmo tempo que há milhares de câmeras de segurança espalhadas pelas cidades e um carro do Google registrando tudo sem parar

MW Durante os últimos 10 anos, as pessoas se tornaram muito mais desconfiadas de serem fotografadas em espaços públicos. Acho que isso tem a ver com o fato de que a consciência pública do potencial uso indevido de imagens aumentou. Na década de 1970 e antes, havia uma confiança ingênua sobre a fotografia de rua. A forma como as imagens eram usadas validavam esta confiança. As fotografias eram, em sua maioria, muito positivas. Basta pensar em todo o trabalho maravilhoso que Henri Cartier-Bresson fez nas ruas da França. Ele ajudou a retratar o caráter do povo francês e sua cultura específica através de sua fotografia de rua. Agora a situação tornou-se muito pior, especialmente com o conhecimento da quantidade de informação que os governos e empresas estão se coletando todos os dias. É assustador. Todas as chamadas de telefones são gravadas, cada site visitado é registrado e armazenado, cada e-mail enviado ou recebido é arquivado. Querem que acreditemos que isso é para o nosso próprio bem, mas na verdade é tudo controlado. Os governos querem controlar as pessoas. Me tornei muito mais sensível para questões sobre privacidade e mais consciente sobre o que eu escrevo e que digo ao telefone, já que tudo é gravado e armazenado em uma base de dados inimaginavelmente grande que poderia ser usada contra mim. Mesmo essa entrevista poderia ser usado para me rotular como um criador de problemas. O mundo está se tornando um lugar mais escuro.

ET – Calma, senhor Wolf.

CIDADE: MODOS DE FAZER, MODOS DE USAR
QUANDO hoje, às 19h
ONDE Sesc Pompeia (Rua Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700)
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO livre

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Comentários

  1. Muita gente vivendo num só lugar(capital),descentralizar a população sempre será a alternativa ideal e correta, mas os interesses financeiro dos dirigentes não reflete neste sentido.

    1. Infelizmente Humberto, a ganância financeira não deixa que tal alternativa seja levada adiante, pois quando eles(donos do poder financeiro) executam a descentralização, não fazem os devidos investimentos para que tal área tenha um crescimento ordenado.

  2. Talvez a falta de opção de colaborar realmente intelectualmente com a sociedade, conduz esse profissional a flagar pessoas sofrendo, indo para o trabalho.

  3. lamentavelmente, jamais alguém de renome escreve sobre o lado positivo das metrópoles: tudo se encontra nela, a cultura, a privacidade mais preservada, os adorados shoppings. Tem que cair sempre no lugar-comum de criticar sem propor soluçoes.
    PAULO SERGIO MORAES LIMA

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