PowerPoints de casamentos
O texto abaixo foi publicado originalmente no blog espanhol Cienojetes.
A tradução, feita por uma das metades do Entretempos, exclui algumas particularidades locais (e também geniais) do depoimento.
Se você é um estudante de portunhol avançado, não perca tempo aqui e vá direto para lá.
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“Que momento dourado da fotografia espanhola! Estamos ganhando muitos prêmios internacionais, mas minha afirmação tem um sentido mais amplo. Vejo fotografia madura por onde quer que eu vá.
Se têm algo que representa, sem nenhuma dúvida, que estamos em um ponto altíssimo de nossa expressão audiovisual, são as apresentações de casamentos em PowerPoint. Pude comprovar recentemente, quando tive a honra de ser convidado à boda do primo da minha mulher.
Para mim, esse dia marcou um ponto de inflexão.
Depois de comer frutos do mar, manchar a gravata com molho e tomar umas taças de vinho barato, veio o instante tão esperado da projeção de fotos sobre a vida dos noivos.
Quantos fotógrafos modernos gostariam de ter 300 pessoas assistindo a seus profundos audiovisuais?
Quero dizer bem alto e claro para que todo mundo entenda: as artes visuais alcançam seu maior grau de transgressão e confrontação com as apresentações em PowerPoint projetadas durante um jantar de casamento.
Exemplos da alta cultura exibidas apenas para alguns poucos privilegiados, círculos fechados de umas centenas de pessoas.
Durante os preparativos, eu até ia avisá-los que o tripé da tela estava ligeiramente torto e as fotos sairiam torcidas. Menos mal que minha mulher me deu uma cotovelada a tempo de me calar.
A dita deformação era nada mais do que um recurso visual perfeitamente estudado para dar uma cara de Star Wars para a apresentação.
Quanto ainda tenho que aprender sobre narrativas audiovisuais!
O que aconteceu depois me deixou ainda mais animado. Os fotógrafos modernos andam preocupados porque acham que as pessoas comuns não entendem seus trabalhos.
Eles realmente não estão cientes de que a linguagem -que eles acreditam quebrar- é muito difundida entre os plebeus.
Enquanto a autora do PowerPoint conectou seu laptop no projetor, todos puderam ver sua imagem de fundo do desktop: um close do rosto de seu cachorro pequinês com olhos vermelhos (eles eram muito vermelhos), devido ao flash de proporções bíblicas que foi aplicado sobre o vira-lata.
Julián Barón é um mestre por C.E.N.S.U.R.A? Não, ele apenas copiou a linguagem popular.
A garota que realizou o Powerpoint é certamente um exemplo claro da excelente formação em artes visuais no país. Acho que ela frequentou várias dessas escolas particulares de prestígio, pois sua linguagem era muito eclética.
Usando fotografias dos últimos 30 anos, outro exemplo claro de criação pós-fotográfica fontcubertiana, armou um discurso sólido sobre conceitos tão contundentes como o tempo, a família, o amor, a garrafa, a morte ou a alegria.
Combinava fotos de estética retrô com outras mais despreocupadas a lá Terry Richardson (aquelas imagens de festa com amigos), em um contínuo avançar e retroceder no tempo, igual fazia McFly.
E se algo se destacou na apresentação foi a unidade que tinha a narrativa de seu conjunto. Que melhor maneira de captar a evolução fugaz de vida através de transições intermináveis entre as imagens?
Fotos que se movem em espiral, imagens que deformam e desaparecem, imagens que chegam derrapando. Não se deixou nem um só efeito de animação de fora, todos em uma perfeita simbiose com as fotos que os acompanhavam.
Houve um momento em que cheguei a ficar tonto, mas não pensei que foi devido ao vai e vem das imagens, mas sim por conta da conhecida síndrome de Stendhal.
Me recuperei e, instintivamente, me levantei agitando meu guardanapo ao vento enquanto gritava “a autora, o autor, a autora, é excelente, como essa autora, não há igual!”
Arte. Arte com maiúsculas. Por que se muitos se empenham para definir a arte como uma forma de transmitir emoções profundas do ser humano, como método para provocar verdadeiras transformações internas que nos alteram para sempre, creio que esse PowerPoint cumpriu sua missão de longe.
Você sabe a quantidade de comensais que não puderam reprimir as lágrimas? Quantos riram com gargalhadas das fotos da comunhão?
Alguns tapavam a cara com o guardanapo e outros não puderam ter a mandíbula mais desencaixada. Estas expressões emocionais são difíceis de contemplar em outro âmbito, talvez apenas nas exposições de Takeshi Murata.
Ao terminar a projeção, me perguntei: “e se esse nível de prazer para os sentidos se produz em um casamento entre um segurança e uma juíza, imagine então nas bodas de fotógrafos artistas?”.
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