Saul Leiter, sem pressa

DAIGO OLIVA

Em 1976, John Szarkowski, então curador do MoMA, em Nova York, exibiu pela primeira vez as fotografias de William Eggleston no museu.

A mostra, apenas com imagens coloridas, foi considerada uma das piores daquele ano. Hoje, o artista é consagrado como pioneiro da fotografia em cores e Szarkowski um dos maiores curadores de todos os tempos.

Duas décadas antes da exibição no MoMA, o fotógrafo americano Saul Leiter já produzia imagens coloridas de vanguarda, mas, diferente de Eggleston, viveu grande parte de sua vida no ostracismo. A predileção pelo enquadramento vertical e o registro de cenas cotidianas de forma subjetiva —além da combinação com elementos da pintura— o diferenciavam à época e poderiam ter conferido a Leiter o título de cânone da cor na fotografia.

Durante três anos, o diretor inglês Tomas Leach, 35, entrevistou o fotógrafo em seu estúdio em Nova York. A reunião dos encontros gerou “In No Great Hurry – 13 Lessons in Life With Saul Leiter”, documentário lançado em janeiro nos EUA, sem previsão de estreia no Brasil.

Nos depoimentos espirituosos do fotógrafo, em 13 capítulos, Leiter filosofa sobre o período como fotógrafo de moda, a relação com a família judia e, em repetidas vezes, exagera na modéstia ao falar sobre seu trabalho. O título de pioneiro, para ele, não fazia a menor diferença.

Em 1953, Leiter fez parte da exposição “Always the Young Strangers”, no MoMA. A modéstia em demasia talvez tenha tornado Leiter um nome esquecido na fotografia colorida. O blog conversou, por e-mail, com o diretor.

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Entretempos – Uma das coisas mais curiosas sobre Saul Leiter é seu humor peculiar. Mesmo quando está falando sobre algo muito sério ou triste, Leiter arruma um jeito de encaixar uma piada. Como você o define a partir de seu senso de humor?

Tomas Leach – Seu humor era absolutamente essencial. É tão entrelaçado com a maneira como enxergava o mundo que é até difícil definir. Talvez possamos dizer que essa característica mostra como ele conseguia ver humanidade em tudo que é admiravelmente estranho, e como levar tudo tão à sério pode diminuir isto. Também acho bonito o quão modesto ele é. Se ele podia rir de tudo no mundo, como poderia se levar à sério?

ET –  Você acha que essa modéstia em excesso o protegeu de se tornar um fotógrafo de grande sucesso?

TL – Certamente, mas era mais do que isso. Foi uma combinação de escolha, oportunidade, “timing” e teimosia. Há diversas razões que explicam por que Saul não foi considerado um grande nome na fotografia antes. Para não dizer que não foi um artista de sucesso, durante os anos 60 e 70 seu trabalho de moda era muito popular.  Não foi o status que ele poderia ter alcançado –e que aos poucos vem alcançando– como um dos fotógrafos mais importantes que trabalharam com cores.

ET – Em um momento do documentário, Leiter brinca e diz que, talvez, não desse a permissão para fazer o documentário. Ao final, ele assiste a uma passagem e gosta. Você acredita que o filme é o retrato imaginado por ele sobre seus últimos anos de vida?

TL Quando ele assistiu ao filme, riu muito. Adorou suas próprias piadas, completava as próprias frases e chamava a si mesmo de despirocado. No final, me disse: “Não posso reclamar, sou eu mesmo”, o que foi um grande elogio. Ele gostou da escolha das imagens, como foi filmado e da trilha.

ET – O título do documentário fala sobre o “devagar”. Qual a importância desse elemento para a fotografia de Leiter?

TL – Saul nunca viu a necessidade de se apressar. Ele gostava de viver na sua paz e ritmo. Eu acho que há algo muito bonito nisso. Encarar o mundo em seus próprios termos.

ET – Ele foi um pintor também, mas quase nada é falado sobre suas pinturas. Que relações você faz entre suas fotografias e pinturas? Você acha que é possível considerar todos seus trabalhos de uma só maneira?

TL – Há muito a ser dito sobre Saul e sua vida, só não havia muito espaço para entrar em detalhes sobre as pinturas. Ele fala um pouco sobre no filme e é possível ver muitas delas durante as cenas, mas não em profundidade. Estão claramente relacionadas, afinal são a mesma pessoa, alguém que vê o mundo de uma certa maneira. Mas eu não acho que você pode considerá-las uma coisa só, eu acho que você pode classificá-las como produto de uma mente curiosa, com um particular amor pela cor.

ET – No filme, uma menina chamada Magrit ajuda Leiter a organizar seu acervo. Você sabe em que situação seus arquivos se encontram atualmente, após a sua morte?

TL – Me desculpe, mas devido à natureza sensível de seu espólio e o que aconteceu com isso eu não posso comentar sobre.

ET – Por que Leiter vivia naquela bagunça? Qual a sua teoria para aquela “confusão prazerosa”, como ele mesmo define?

TL – Como ele diz no filme, nem sempre viveu assim, o lugar já foi muito arrumado. Mas a vida em si e uma vida inteira de trabalho fez com que as coisas se empilhassem em torno dele. Surpreender-se pela sua arte e sua maneira de fazer –câmeras, pinturas, materiais– é, talvez, algo natural para um artista. Essa “confusão prazeirosa” é um espaço onde há muitas coisas legais, mas nada é tratado à sério ou com grande importância.

ET O espaço era apenas o estúdio dele ou a casa também?

TL – Saul vivia ali. Viveu com sua parceira, Soames, que morreu em 2002, desde 1952. Era sua casa e era muito confortável.

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Comentários

  1. O trailler é demais e te deixa muito curioso. Pena que ainda não saiu no Brasil (ou saiu?). Vai ter quer rolar um cine torrent.
    Parabéns pela entrevista.

    1. Oi Caio, tudo bem? Quanto tempo, bom ver um comentário seu por aqui. O Tomas me disse que não há planos de exibição no Brasil, mas que, claro, adoraria receber um convite. Por enquanto é isso mesmo, só no “cine torrent”. Abraço, Daigo

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