O conceito e a fotografia

DAIGO OLIVA

O texto abaixo foi publicado originalmente no blog espanhol Cienojetes.

Se você é um estudante de portunhol avançado, não perca tempo aqui e vá direto para lá. Esse é o segundo post no Entretempos da genial dupla espanhola –a quem agradecemos a gentileza de sempre autorizar a tradução de seus textos. Perdeu o primeiro? É só clicar aqui.

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Jesús Micó falou. E quando um teórico deste tamanho fala, temos que escutar, ainda que não diga nada de novo. Mas ele falou tão bem que o universo fotográfico balançou. Jesus disse que, para selecionar uma obra para a mostra “Kursala”, é preciso juntar “a qualidade estética ou formal e relativa à ideia e aos conteúdos do projeto, o que vem a se denominar o conceito“.

Mas o que ocorre quando um trabalho não contém “a excelência visual e conceitual”, como deve ser? E quando o conceito é excelente e as fotos parecem uma merda? Ou vice-versa: quando há uma poesia e originalidade nas imagens, mas elas não contam NADA (silêncio).

O que o fotógrafo pode fazer ante a esta descompensação fatal? Como pode se fazer escutar com tamanha contradição? Nestes casos, propomos aprofundar o discurso justificador. Recomendamos que, assim como quando você aprende uma língua, o fotógrafo em treinamento vá utilizando um vocabulário conceitual básico. Porque a fotografia, ainda que seja uma linguagem visual, precisa hoje, mais do que nunca, de um vocabulário esclarecedor para não ser incompreendido.

Portanto, se a citada descompensação é o seu problema e você não tem ideia de como mostrá-la para o público, o que você tem que fazer é dotar o seu trabalho (projeto, como dizem agora, como se sempre estivesse inacabado), seja do formato que for (livro, exposição, portfolio…), de um texto introdutório para conceituar adequadamente a sua fotografia, que dê corpo, que dê a sensação que falta. E vamos começar bem: introdutório.

É preciso insistir que esta seja a primeira coisa a chamar a atenção do espectador em vez das fotos. Trata-se de bombardeá-lo com vocabulário portentoso que faça sentir que ideia e fotos são poderosas, ainda que não transmitam nem contem NADA. Se as imagens se calam, fale você por elas!

Há uma exposição em Madri na qual você pode melhorar muito o seu léxico fotográfico: “Contexto Crítico”. Uma mistura que reúne o que há de mais emergente na fotografia espanhola. Faltam poucos dias para encerrar. Antes de ir, não esqueça seu caderno de anotações e de tomar algo para dor de cabeça. Vamos nos concentrar nas placas da exposição, pois são ouro moído.

Muitas delas poderiam ser resumidas em um ou dois parágrafos curtos, mas os autores não pouparam palavras e, generosamente, nos deram complexas e esclarecedoras explicações. O efeito narcótico das palavras é instantâneo, ajudado pela iluminação suave e a magia do edifício: o espectador antes de começar a ver a primeira imagem já está imerso em um deslumbre semelhante ao de Sthendal, que faz você acreditar que o que vê é leite.

Ángel Luis González, diretor da PhotoIreland, resumiu sua visita à exposição da seguinte forma: “Espaço: 10 pontos. Trabalhos: 7. Textos: terríveis!” Mas não, Angél erra. O que parece verborrágico, barroco e redundante são apenas tentativas bem sucedidas para que o conceito permaneça transparente.

Vou ser gente fina com vocês e economizar trabalho. Selecionei oito dos 20 autores da mostra (Guerrero, Paula Anta, Ali Hanoon, Salván, Tornero, Jesus Madriñán, Vanessa Pastor e Anna Huix). E com eles, algumas palavras e expressões usadas. Você vai ver como caem bem para seu propósito. Algumas delas se repetem, pois são palavras totêmicas. Coloque-as, mesmo que seja para encaixar na teorização do seu projeto, pois vai te dar sorte, você ficará mais perto do sucesso. Tome nota:

Projeto, síntese, olhar, estudo, busca, proposta, imaginário (coletivo), surgir, interagir, aprofundar, work in progress, ficar, entorno (pessoal), periferia, ausência, presença, conceito, identidade, honesto, subjacer, fragmentos de realidade, efêmero, eterno, explorar, memória (coletiva), esquecimento, referências, visão poliédrica e transversal, recorrido, paraísos artificiais, realidade mutante/dual, ética conjectural, dócil e dominado, traços do passado, transformação, catalisador global, interstícios, silenciosa e tranquila, calma e serenidade, binômio equidistante entre conflito, justaposição, materialização, imprevisto, abordagem intuitiva, atmosferas, articular, subversão, construção da identidade, contradição, magnetismo, discordância, simbiótica, inacabado …

Como exemplo, utilizaremos fotos de Alec Soth. Não são trabalhos completos, mas valerão para demonstrar que estas palavras são excelentes recursos para articular o conceito. Veja como pode ser válido para ambas as imagens:

“Esta mulher parece questionar sua identidade. Sua presença se torna efêmera. Ausente em uma realidade mutante, subjace em um entorno onde não se pode interagir, em um binômio equidistante, mas em contínuo conflito entre os traços do passado e um imaginário paraíso artificial. Mas seu olhar é honesto, eterno. E segue silenciosa e tranquila, com calma e serenidade, numa eterna busca por referências. Segue explorando e aprofundando com intuitiva aproximação em seu work in progress.

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Comentários

  1. hahaha, triste mas é verdade. Muito bom o texto indicado.
    Mas vocês não acham que isso é um fenômeno não só da fotografia , mas da arte contemporânea?
    abracos,

  2. Muito bons os textos mesmo. acho mais bacana ainda porque criticam e riem da cara de gente como os próprios autores do blog, e de autores/fotógrafos que eles adoram pagar pau por aqui, e os blogueiros nem percebem.

  3. Isso mostra que cada vez temos que separar o joio do trigo na fotografia e na arte contemporânea, tem muita coisa ruim embalada com texto pseudo-intelectual. Ainda bem que há trabalhos simples e belíssimos que estão escondidos e bem protegidos da euforia de sites e blogs que pretendem ser de vanguarda.

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