Câmera escondida
Alta, discreta, reclusa, calada, sozinha. Nariz alongado, roupas pesadas. Passos em marcha, semblante fechado, sempre com uma câmera no pescoço.
As características de um típico personagem de filme de suspense são, na verdade, parte da história surreal de Vivian Maier. Babá durante toda a vida, a misteriosa mulher deixou, em dezenas de caixas, um acervo inacreditável de fotografias de rua nos EUA e imagens de viagens por todo o mundo.
Em 2007, o corretor de imóveis John Maloof, 26, comprou um lote com fotos de Chicago. A ideia do americano era fazer um projeto sobre a história da cidade. Ao escanear os negativos, Maloof percebeu que os registros de Vivian Maier –única referência no pacote– tinham qualidade impressionante.
Retratos, autorretratos, cenas do cotidiano, ironia, geometria, domínio de sombras e a vasta quantidade de lindas imagens chamaram a atenção para o trabalho da fotógrafa, cujo nome era completamente desconhecido.
Nem mesmo o Google a conhecia. O jovem, então, colocou as imagens na internet e o retorno foi assustador, com um turbilhão de comentários.
Maloof foi atrás dos outros lotes com o nome de Maier do mesmo leilão em que adquiriu a primeira caixa e, a partir do obituário da fotógrafa, de 2009, teve acesso ao galpão onde seus pertences foram deixados pela última vez.
As dezenas de caixas revelaram uma pessoa obsessiva, que colecionava recibos, ingressos, jornais, chapéus e ainda havia deixado outros milhares de filmes sem revelar. Sem contar com a ajuda técnica e financeira de museus, Maloof iniciou a saga quixotesca que gerou o documentário “Finding Vivian Maier”, lançado no final de março nos cinemas norte-americanos.
Ao lado do produtor Charlie Siskel, o mesmo de “Tiros em Columbine”, o jovem começou a entrevistar pessoas ligadas à babá para desvendar as razões pelas quais a fotógrafa nunca havia ganhado o merecido reconhecimento.
Entre os depoimentos de famílias que trabalharam com Maier, há relatos carinhosos e outros um tanto quanto perturbadores sobre como ela tratava as crianças, mas todos são unânimes no comportamento misterioso da fotógrafa.
Ela dizia combinações diferentes de seu nome, falava com sotaque francês, mentia sobre sua origem, acumulava jornais com notícias de crimes horrorosos. Sem contato com a própria família, não casou nem teve filhos.
O documentário envereda para uma espécie de “True Detective” sobre a vida de Maier. Embora o mistério seja irresistível, Maloof e Siskel se esquecem de potencializar seu valor artístico. Em poucos e ótimos comentários de Joel Meyerowitz e Mary Ellen Mark, o trabalho de Maier ganha os contornos técnicos que a colocam no primeiro escalão dos fotógrafos de rua dos EUA.
Poderia haver mais espaço para outros fotógrafos e suas colocações.
Falta também contexto social ao filme. Uma mulher, solteira, independente, fazendo fotos sozinha pela cidade, ousando em autorretratos nas décadas de 50 e 60 deve significar algo. Saímos de “Finding Vivian Maier” sem saber.
Ainda assim, o documentário é muito divertido. Exagera em suposições, mas os depoimentos são engraçados e o esforço de John Maloof é fantástico. Graças ao agora diretor, as fotografias de Maier já foram expostas em galerias e seu nome pode ser facilmente encontrado em sites de busca. 😉
Tirou do ostracismo um trabalho que merece ser apreciado e estudado. Como ele mesmo diz em uma das reportagens exibidas no filme, sua missão é colocar Vivian Maier na história da fotografia. Já conseguiu.
ps. em uma das viagens que Maier fez pelo mundo, a fotógrafa passou por São Paulo. Seria incrível ver as imagens que produziu na cidade…
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