Fotógrafos abraçam estética de revista e livros em obras contestadoras

DAIGO OLIVA

O texto abaixo foi publicado no site da Folha em 20/5 por Silas Martí. A ideia da pauta surgiu a partir de uma conversa entre uma das metades do blog com o ótimo repórter da “Ilustrada”. Ainda nesta semana, o Entretempos posta aqui uma análise sobre esta onda de simulação da estética de revistas e livros clássicos dentro da fotografia contemporânea.

Nas páginas de “Kalas”, uma réplica um tanto subversiva da revista “Caras”, a marca de cosméticos Clinique vira Cronique e Louis Vuitton se transforma em Luis Votton em anúncios que em nada lembram a ideia de glamour.

Também saem de cena as celebridades para dar lugar a gente que vive na periferia do balneário colombiano de Cartagena, da massagista da praia a cabeleireiras e o rapaz que cuida de uma granja.

Nuria Carrasco, artista espanhola, está por trás dessa transformação. Um dos nomes escalados para a primeira edição da Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Cartagena de Indias, que aconteceu de fevereiro a abril deste ano, ela passou duas semanas na cidade criando sua revista.

É um trabalho semelhante a outra obra que realizou num campo de refugiados na Argélia, em que retratou beduínos fugidos com a mesma ótica do tabloide “Hola!” -e toda superficialidade de praxe nesse tipo de publicação.

“Todas as sociedades dependem do esforço e do sofrimento de muita gente”, diz Carrasco. “Falar dessas pessoas que enfrentam um problema social muito grave nas páginas de uma revista que fala da alta sociedade me pareceu uma maneira de provocar uma reflexão sobre isso.”

No caso, é uma provocação ancorada no deslocamento, a ideia de subjugar o código de uma publicação conhecida, como a “Caras”, para sublinhar o que a artista considera absurdos cotidianos —”Kalas”, na língua dos quilombos de Cartagena, também quer dizer “rostos”, mas traz uma conotação crítica.

É a mesma ideia por trás de obras recentes de outros fotógrafos que vêm parodiando a lógica das revistas para dar nova leitura a suas séries.

O também espanhol Carlos Spottorno surrupiou o logotipo e a diagramação da revista britânica “The Economist” para criar a ácida série “The Pigs”.

Usando como âncora conceitual a sigla em inglês cunhada pela imprensa especializada em economia para os países mais afundados na crise econômica que varre a Europa há seis anos —Portugal, Itália, Grécia e Espanha-, Spottorno estabelece um paralelo com porcos, o significado literal de “pigs”.

“Esse jogo de palavras acaba virando um diagnóstico, como se esses países fossem porcos e merecessem essa crise”, diz o artista. “Talvez a revista até tenha razão e sejamos mesmo todos porcos. Passamos de impérios centrais à civilização europeia a países de segunda categoria. Alguma coisa deu errado.”

Spottorno brinca que isso tem a ver com o calor. Suas imagens dos países em crise foram todas feitas no verão, criando um panorama ensolarado de casas abandonadas e outros vestígios da ruína econômica no Mediterrâneo.

“Trabalhei sempre nos meses de verão porque esse mundo do sul da Europa se entende melhor no calor”, diz o artista. “Isso virou uma espécie de tragicomédia, com certo humor, mas nem tanto, porque a coisa é bem séria.”

IRONIA BARATA

Nesse mesmo tom, o fotógrafo britânico Martin Parr inventou uma revista que não existia para retratar a pobreza e falta de perspectivas da região inglesa chamada de Black Country, um dos berços da revolução industrial.

A publicação lembra exemplos mais baratos de revistas femininas, com receitas de bolo e editoriais de moda com mulheres reais das comunidades locais e roupas que compraram em pontas de estoque e supermercados.

Famoso por seus retratos irônicos da classe média britânica, em especial pelos flagras de famílias burguesas em férias nos balneários do Reino Unido, Parr usou textos da romancista Margaret Drabble, que também reflete sobre rachas sociais no país, para ilustrar seu exemplar de “Black Country Women”.

“Há um grande sentido de humor e ironia nisso tudo”, diz Parr. “Quis imitar o estilo dessas revistas femininas e ao mesmo tempo conquistar um novo público para essa autora. É a simples subversão daquilo que poderia estar numa revista”, afima o ícone britânico da fotografia contemporânea.

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Comentários

  1. Lindo esse “anúncio” de página inteira da Susan’s Hardressers; é uma ótima referência para criativos no mundo todo. A tesourinha vermelha desabará como uma revolução nas cabeças dos diretores de arte, algo como “porque eu não pensei nisso antes”

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