Sem coerência, livros com embalagens pop e fru-fru só disfarçam fotos ruins

DAIGO OLIVA

A sisuda “The Economist” foi repaginada pelo espanhol Carlos Spottorno em “Pigs”, livro com imagens irônicas dos países europeus em crise.

A “¡Hola!”, publicação de celebridades, irmã da brasileira “Caras”, ganhou uma versão crítica batizada “¡Ahlan!” pelas mãos de Nuria Carrasco. Da mesma forma, o modelo de folhetins femininos também foi capturado pelo britânico Martin Parr em seu último trabalho, “Black Country Women”.

Mas a moda entre nomes importantes da fotografia não é apenas a reprodução da estética de revistas. Obras clássicas, como o livro vermelho de Mao Tse Tung e até a Bíblia, com marcador de tecido vermelho e tudo, também ganharam adaptações que simulam seus moldes originais.

A fotógrafa espanhola Cristina de Middel lançou recentemente, pela editora mexicana RM, o fotolivro “Party”. Calcado n’“O Livro Vermelho”, guia da Revolução Cultural chinesa nos anos 1960, o fotolivro brinca com as frases que sintetizam a ideologia comunista do então presidente asiático.

Com litros de corretivo líquido, o popular “branquinho”, a fotógrafa apaga parágrafos da obra até chegar em sentenças que combinam, de forma irônica, com as suas imagens. Por exemplo: ao lado da foto de uma garota oriental dançando, de Middel edita frases como “If there is to be a revolution, must be a party” (Se for uma revolução, tem que ser uma festa). O deboche com as traduções de “party” (pode ser tanto “festa” quanto “partido”) se arrastam pelas fotografias. A estrutura da publicação imita até mesmo o tamanho original e a textura da capa do livro vermelho.

Da mesma forma acontece com “Holy Bible”, da dupla sul-africana Adam Broomberg & Oliver Chanarin, editado pela Mack. Parte de uma trilogia, a bíblia dos artistas repete o esqueleto do livro religioso, mas insere imagens do Archive of Modern Conflict (Arquivo do Conflito Moderno), recheado de violência, e conecta com frases do escrito popularmente conhecido.

Em uma das páginas, a fotografia de uma mulher sendo arrastada e agredida por policiais é “colada” sobre a obra original. Na página ao lado, a frase “estranhos se levantam contra mim, e os opressores procuram a minha alma”, presente no texto original, é destacada com um fino traço vermelho.

Certamente, há outras obras anteriores que usaram publicações clássicas para resignifcar seu sentido. O que chama a atenção é a quantidade de livros deste tipo lançados ao mesmo tempo e a relevância dos nomes envolvidos.

A repetição, obviamente, não é tópico novo na fotografia. Além da obra-prima “O Instante Contínuo” (Companhia das Letras, 2008), do escritor britânico Geoff Dyer, que destrincha a frequência com que temas e modos de fotografar se repetem, uma simples observação nos fotolivros atuais já nos dá a certeza que certos recursos rapidamente se tornam modismos.

Em “Redheaded Peckerwood”, livro do americano Christian Patterson, lançado em 2011, o artista utiliza documentos, cartazes e mapas para contar a história de um crime. Junto às imagens, reproduções de cartas e recibos aparecem fisicamente e “soltos” pela obra, como registros tridimensionais. A preciosidade produzida pelo autor foi o gatilho para a disseminação da prática. Patterson pode não ter sido o primeiro, mas “Redheaded Peckerwood” se tornou símbolo do artifício.

Assim, outras obras passaram a incluir, cada vez mais, bilhetes, ingressos e outros tipos de memorabília. Algumas delas de forma muito inteligente, caso do lindo trabalho “Speaking of scars”, da canadense Teresa Eng. Outros, de maneira artificial, como em “I remember”, de Juan Santos, em que os objetos soltos apenas mascaram um livro mediano e mal fotografado.

Aí é que está o problema. A imensa maioria dos exemplos citados aqui exibem trabalhos com força e contexto que justificam as escolhas visuais empregadas. Quando há coerência, não importa se é moda ou não. Mas há sempre um oceano de livros que apenas reproduzem embalagens pop que nada acrescentam à leitura final. Elementos facilmente atrativos, recheados de fru-fru, que só disfarçam projetos ruins. São armadilhas que podem ser evitadas.

A desconfiança aparece quando o único ponto importante de uma obra é o seu formato e não o conteúdo que carrega. Uma grande evolução no universo dos fotolivros atuais foi o abandono do tratamento simplista de que uma publicação impressa é apenas um objeto bidimensional. Mas, independente do trabalho ser cheio de peças soltas ou a incorporação do projeto gráfico de uma publicação clássica, estes pontos precisam sempre ser instrumentos que auxiliam na experiência total da fotografia. Afinal, ainda são fotolivros.

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Comentários

  1. Confesso que pelo título esperava mais exemplos de livros ruins, mas boas dicas de livros em que o conteúdo justifica e enaltece a forma.

    1. você tem razão, fernando. mas também confesso que estou tentando citar menos obras ruins especificamente quando trato de um tema abrangente. abraço

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