Fotolivros com pequenas tiragens são aposta de editoras independentes
Em um encontro com artistas e interessados em fotolivros no MIS, em São Paulo, um fotógrafo falava empolgado sobre seu próximo projeto. Ao explicar detalhes do ensaio e o tipo de estrutura gráfica que imaginou para a obra, ele enfatizou uma meta: “Desta vez, agora sim, vou lançar mil cópias”.
O desejo por tiragens robustas vai na contramão de uma tendência cada vez mais comum entre editoras independentes de publicações de fotografia.
No lugar de milhares de cópias, que dificilmente se esgotam, pequenos núcleos gráficos apostam em um número reduzido de exemplares. Em média, as edições giram em torno de 50 peças –quase sempre reimpressas.
Em janeiro, as paulistanas Ivy Folha, 32, e Bianca Muto, 25, fundaram a editora Pingado-Prés. A estrutura e experiência na gráfica do pai de Ivy foi a base para o lançamento de 21 publicações –nove delas sobre fotografia. Em pouco menos de seis meses, a dupla editou títulos com tiragens de 40 cópias, como “Autotomy”, da pernambucana Adelaide Ivánova, e outras quatro dezenas de “Amulet World”, com retratos do tailandês Miti Ruangkritya.
“Não tínhamos ideia da quantidade que venderíamos, pois ninguém nos conhecia, e a curadoria foi feita a partir do nosso gosto pessoal, por isso não podíamos arriscar em grandes quantidades”, justifica Ivy. “Outro fator é que bancamos todos os custos de produção. Como o próprio nome da editora diz, as tiragens devem ser pequenas para viabilizar mais trabalhos”.
“Autotomy”, sobre garotos transexuais, livro da Pingado-Prés
A exceção da editora foi o livro do mineiro Gui Mohallem. “Tcharafna”, lançado em abril, teve sua primeira edição publicada com 400 cópias. A dupla diz que o número só foi possível por causa da experiência do fotógrafo com publicações independentes e o interesse prévio de compradores.
Para o segundo semestre, a dupla prepara o primeiro fotolivro do paulista Breno Rotatori. A previsão para “Do Que é Objeto” é voltar à tiragem ao redor dos 50 exemplares. Segundo Rotatori, uma produção com acabamentos que não poderiam ser realizados facilmente em larga escala, tornam o número de cópias ideal. “Prefiro que tenha um cuidado quase artesanal em cada publicação. Penso em uma tiragem pequena para que o trabalho manual tenha espaço, como a construção de um envelope”.
O argumento de Rotatori é reforçado por Guilherme Falcão, 30. Embora já tenha produzido outras publicações em projetos anteriores, foi em 2013 que ele fundou a editora Contra. Desde então, o designer editou quatro fotolivros, todos com tiragens de 50 cópias. Sempre que esgotados, ele reimprime os títulos. Em “Interstício”, da paulistana Laura Gorski, o acabamento da obra é feito com costura manual. “Na medida em que você industrializa esse processo, ele sai caro. Mesmo para obras de grande escala e grande orçamento, um acabamento fino custa caro”, explica.
Mas faz uma ressalva. “Entendo que o cuidado manual faz diferença para o público, porque as pessoas criam a associação com o artístico e com o artesanal, mas é um pouco equivocado. Claro que há investimento de tempo, cuidado e paciência, mas muitas vezes o motivo é falta de grana para fazer fora. Não pode achar que, só porque é artesanal, é melhor”.
Em média, os títulos lançados pela Contra custam R$ 20. Para viabilizar a venda, ele diz contar com três caminhos: lojas on-line, uma loja física especializada em publicações independentes –a Tijuana, localizada dentro da galeria Vermelho– e eventos como a Feira Plana e a Pão de Forma. Segundo Falcão, as feiras são a melhor forma de vender as obras. Além da ausência de descontos intermediários, o contato com o público é decisivo. “Posso contar sobre a publicação, tirar dúvidas, isso cativa as pessoas”.
PLANOS E PÃES
Há três meses, a segunda edição da Feira Plana, no MIS, em São Paulo, recebeu cerca de 15 mil pessoas em um único fim de semana, segundo estimativa do museu. Inspirada na NY Art Book Fair, a feira reuniu 150 expositores de obras de fotografia, ilustração, colagem, entre outros suportes, selecionados a partir de edital. Para Bia Bittencourt, 29, criadora do evento e editora de vídeo da TV Folha, o sucesso da mostra também se deve ao contato com as publicações. “Lá, você pega no papel, sente o cheiro da tinta, descobre materialidades que nunca seriam descobertas pela internet”.
“E tem o impulso do momento. Um monte de gente junta que gosta de coisas parecidas, comprando loucamente. Aí você vai lá e compra também”.
Raquel Gontijo, 35, organizadora da feira Pão de Forma, no Rio de Janeiro, corrobora com a ideia de que as feiras humanizam a relação com o consumidor, pois o “público está de saco cheio dessa distância de quem produz“. Porém, vê nos eventos uma reação ao mercado editorial tradicional.
“Se você coloca uma publicação independente numa livraria grande, eles vão querer consignar o produto, depois vão pegar 50% do preço final. O mercado editorial, como ele é hoje, não é um espaço para que essas iniciativas se desenvolvam, é um espaço para manter o não-sucesso”.
Miguel Del Castillo, 27, da Cosac Naify, pondera as críticas de Gontijo. “Não posso avaliar totalmente porque não estou no boca do caixa de uma livraria, mas quando uma editora chega com uma quantidade grande de títulos, ela talvez tenha mais chances, diferente de uma menor. Mas é um espaço que poderia ser cavado, e essas feiras mostram que existe mercado”, explica o editor. Em 2013, a Cosac lançou mil cópias de “Belvedere”, de Bob Wolfenson, e outros 1500 exemplares de uma retrospectiva do fotógrafo German Lorca.
Livro de Haroldo Saboia, publicado pela editora Contra
Gontijo, que também toca uma editora, A Bolha, conta que a segunda edição da Pão de Forma, realizada em um final de semana de abril, reuniu 3 mil visitantes. Um aumento de público significativo em relação à estreia, em agosto de 2013, quando mil pessoas visitaram a feira em um casarão no bairro de Botafogo. Além dos eventos –a loja Tijuana também promove uma feira–, o Sesc Pompeia realizou no último fim de semana a segunda edição da “Feira de Publicações Independentes”, com banquinhas e oficinas.
Mesmo que os números de visitantes sejam impressionantes, tanto organizadores quanto editores afirmam que o sucesso de audiência ainda não se converteu em lucro. “Sobra zero para mim”, diz Bia, que ainda gerencia uma distribuidora de publicações, a Kaput Livros.
“Ninguém faz zine para ganhar dinheiro. Dá trabalho e você vende aos pouquinhos. E no fim, quando a gente faz uma publicação mais sofisticada, sai mais caro também”, diz Isadora Brant, fotógrafa da TV Folha e uma das quatro mulheres que integram o coletivo Vibrant. Ao lado de sua irmã, a designer Martina, e das fotógrafas Ju Nadin e Luiza Sigulem, a editora lançou oito obras, todas com tiragens de 50 cópias. “Minotauro”, um caprichado fotolivro com capa em papel craft, esgotou rapidamente e o coletivo produziu uma segunda edição, com o mesmo número de exemplares. Como em um círculo vicioso, para fazer as impressões, usaram a gráfica da… Pingado-Prés.
Uma das 50 cópias de “Novelo”, lançado pela editora Vibrant
“O custo de produção é muito variável, depende muito do projeto. Por termos a estrutura gráfica, conseguimos enxugar bastante esses valores, porém custos de matéria prima são caros. As publicações que já fizemos até agora variaram bastante, de R$7 a R$40″, explica Ivy, da Pingado. No site da editora, o livro mais barato, “Irashaimasse”, um guia divertido de botecos japoneses, de Clara Canepa e Flavio Seixlack, sai por R$ 15, enquanto o mais caro, “Tcharafna”, de Gui Mohallem, custa R$ 70.
Mas há, ainda, casos de editoras que lançaram títulos sem cobrar nem um centavo. A Criatura, do geólogo Andrei Dignart, 34, e da jornalista Elisa Freitas, 30, distribuiu cem cópias do fanzine “Influeza #1” gratuitamente.
O lançamento, uma das 14 publicações da editora, está obviamente esgotado e mistura fotos dos dois autores com imagens do começo do século 20 do norueguês Paul Stang. Além de fotografia –a Criatura já lançou uma interessante série de postais que mostram mulheres angolanas–, trabalhos de ilustração também estão no catálogo da editora criada em 2012.
“Uma vez, vi alguém falar que todo livro tem um público. Pode ser de uma pessoa, então você só vai imprimir uma cópia, como pode ser um milhão. Você tem que descobrir qual é o número de pessoas interessadas no negócio. Só não lembro quem falou”, diz Dignart.
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