Experiência Abramovic

DAIGO OLIVA

Uma das metades do blog está morando na Armênia para realizar um projeto pessoal. Em uma rápida passagem por Londres, essa metade decidiu ser a psicopata das galerias e planejou visitar seis delas em apenas um dia.

Sempre ouvimos falar sobre performances de artistas renomados. Mas é muito diferente participar de uma delas para entender e sentir na pele como é a experiência. Meu roteiro de exposições começaria pela Serpentine Gallery, no Hyde Park, onde acontece a obra “512 hours”, de Marina Abramovic.

Confesso que não sabia o que esperar, já que andava alienada dos detalhes do mundo da arte em minha estada na Armênia. Depois de uma caminhada pelo parque, cheguei até a galeria, onde uma fila relativamente grande e muitos homens de preto, todos “modernetes”, davam instruções na porta.

A fila pode demorar bastante. Cheguei pela manhã e esperei por 40 minutos até entrar, mas é irregular. Como não há tempo limitado para acompanhar a performance, se você quiser, pode passar quanto tempo quiser ali dentro.

A artista sérvia Marina Abramovic em foto de Raquel Cunha/Folhapress

Ao entrar no espaço, um carimbo com o nome da obra é estampado nas mãos de todos os visitantes. Há também um armário para guardar os seus pertences –é obrigatório deixar tudo, inclusive relógios de pulso, o que fez sentido depois que você está “dentro” da obra. De repente, alguém passa em silêncio e entrega um fone que te isola do mundo. Liga o público apenas à sua própria respiração e à observação dos passos alheios.

Em um dos espaços da performance, uma sala grande, toda branca, há assentos de madeira espalhados pelo local. Bem no meio, mesinhas e cadeiras com grãos pretos e brancos, uma folha de papel e lápis para cada um fazer o que bem entender. Há gente sentada, deitada em macas com cobertores verdes e laranjas e plataformas de madeira, em que as pessoas permanecem imóveis. E mais “men in black”. São assistentes de Marina.

Seis dias por semana, das 10 da manhã às 6 da tarde, até o final de agosto, Abramovic caminhará pela galeria junto com o público. É a presença da artista e sua relação silenciosa com os visitantes que constitui a performance. Pioneira no uso do corpo como expressão artística, dessa vez ela convida os visitantes para formar uma única unidade.

Caminho em silêncio e, depois de alguns minutos olhando para as outras pessoas ali, parei para me perguntar: “Afinal, cadê ela?” Entro na outra sala e a vejo toda de preto, um tênis Nike nos pés e uma trança longa no cabelo. Seus passos lentos guiavam os visitantes. Foi emocionante, não vou mentir.

Eu fiquei com vergonha de me aproximar. Minha mãe, que me acompanhava, estava louquinha para que ela encostasse na gente, mas não aconteceu. Vi pouquíssimas vezes Marina falando no ouvido de algumas pessoas.

Pronto, relaxei e entrei no clima. Fiquei deitada em uma das plataformas de madeira por bastante tempo, com os olhos fechados e sem nada na cabeça. Não dá vontade de sair dali. Você se isola do mundo, quase como quando se tenta meditar. Sua respiração é a única coisa que importa de fato.

O comportamento humano é incrível. Um casal de uns 70 anos deu as mãos e começou a caminhar com os olhos fechados. Um tanto de gente se juntou a eles e começou uma caminhada em câmera lenta, enquanto outros estavam parados de frente a uma parede branca com os olhos abertos…

Depois de uma hora, mesmo querendo ficar ali por muito mais, decidi sair para completar o plano de conhecer outras cinco galerias naquele dia.

Mas é claro que a ideia falhou. Ainda bem. Depois que entreguei o fone de ouvido aos homens de preto, o barulho do mundo voltou e foi estranho.

Precisei de um tempo sentada na grama do parque tentando entender ou assimilar aquele momento. Eu parecia uma tonta, mas ao mesmo tempo com vontade de continuar em silêncio, conectada à minha respiração, agora no mundo real e não no universo paralelo criado pela artista.

Deitei e fechei os olhos, para só depois dar um Google em absolutamente tudo o que significava aquela performance. Descobri uma página com mensagens dos visitantes após a experiência e um diário da Marina em que ela relata como a performance acontece dia após dia.

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