Modelo do ‘Paraty’ torna festival pouco participativo para o público

DAIGO OLIVA

Aconteceu no ano passado e volta a se repetir em 2014. A formatação da maioria das mesas do festival Paraty em Foco promove longos monólogos de artistas e pouca participação do público. Ao menos quatro palestras deste ano seguiram um roteiro pouco convidativo para a audiência que acompanha o evento e que vem enchendo a Tenda Multimídia.

Após uma breve apresentação feita pelos mediadores, o fotógrafo convidado assume o microfone para explicar sua obra e, sem interrupções, segue uma jornada solitária e monótona, sem a dinâmica de perguntas, confrontos e dúvidas que podem surgir durante a explanação.

Ao terminar a fala –de 20 minutos, em média– a palavra volta ao mediador, que faz comentários e perguntas, para enfim, passar a vez ao público. Nas mesas em que o blog esteve presente, muita gente deixou o lugar antes mesmo do final da explicação dos artistas. Quem ficou, pouco perguntou, o que torna a plateia um mero espectador.

Na quinta (25), os trabalhos dos excelentes Rodrigo Braga e Pedro Motta foram mostrados quase como uma apresentação de portfolio. O público sai da palestra sabendo descrever a obra dos artistas, mas sem uma reflexão do que ela significa, em que contexto se insere, nem o que as pesquisas realizadas por eles podem representar no futuro. Um desperdício ter fotógrafos tão articulados e usá-los apenas para descrever um arquivo com seus trabalhos.

Já na tarde de sexta (26), a paulista Sofia Borges realizou uma fala teatral em que distribuiu advertências sobre sua obra para o público –num tom levemente infantil–, reclamou de um galerista que a tolheu numa exposição em Los Angeles e desfilou aspas pouco compreensíveis como “meu trabalho tenta abarcar o inabarcável”. Quem não conhece sua obra, impressionante e perturbadora, saiu perdido em meio ao discurso empolado da artista.

Grande parte do problema está na configuração que deixa o artista solto, sem direção, falando o que quiser –e sem contestação, sem a presença de outros pontos de vista. As palestras parecem celebrações da obra do convidado em que ele mostra imagens e todo mundo bate palmas. Enquanto a formatação e a escalação do festival continuar sem a intenção de provocar o debate, o público vai continuar cheio de repertório visual, mas vazio de reflexões sobre o que está acontecendo na fotografia contemporânea.

Por outro lado, o melhor do evento está na Casa Paraty em Foco. Desde quinta (26), a livraria montada no espaço vem recebendo atividades ligadas ao universo dos fotolivros e com muita participação do público.

Na noite de sexta (26), o fotógrafo belga Max Pinckers –cuja ausência na programação principal do Paraty em Foco é incompreensível– falou sobre seus livros “The Fourth Wall” e “Will They Sing Like Raindrops or Leave Me Thirsty” e sobre o que considera essencial na construção de um fotolivro. Respondeu a perguntas e discutiu outras obras. A mesma situação aconteceu com a seleção de fotolivros do Dummy Award, com muita gente manuseando as obras e Walter Costa e Fabio Messias, da Trama, explicando detalhes das publicações. Neste sábado (27), o holandês Niels Stomps repetirá a atividade.

Formatos mais soltos trariam o público interessado para dentro do festival. É o contato direto com os artistas para tirar dúvidas –ou só tietar mesmo– que fariam do festival uma experiência diferente para quem o frequenta.

O jornalista DAIGO OLIVA viajou a convite do festival.

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