Obra de Geraldo de Barros é revista a partir da fotografia em mostra no Rio

DAIGO OLIVA

O texto abaixo foi publicado na Ilustrada de terça (28) por Silas Martí.

Num autorretrato, o rosto de Geraldo de Barros está quase todo no escuro, menos seus olhos, iluminados por um feixe de luz. Essa fotografia, uma fração de realidade enquadrada pela geometria, sintetiza como o artista, morto aos 75, em 1998, foi um entusiasta do construtivismo e de seus ângulos retos ao mesmo tempo em que se deixava atravessar por outras correntes estéticas.

Na base de todos os seus experimentos, como deixa ver a maior mostra já dedicada ao paulista –agora no Instituto Moreira Salles, no Rio, e a partir de março do ano que vem no Sesc Belenzinho, em São Paulo– está a fotografia.

Barros foi pintor, gravurista, designer e um dos pilares da arte concreta. Mas toda a sua produção, dos móveis que desenhou à fase em que criou enormes pinturas no estilo da arte pop, parecem surgir de suas pesquisas com a câmera –a potência da luz como alicerce de construções físicas.

Mesmo prédios de verdade, como a estação da Luz, no centro de São Paulo, parecem se transformar em planos de sombras e transparências sobrepostas, o que fez na famosa série “Fotoformas”. Vertente mais conhecida de sua obra, a série criada na virada dos anos 1940 para os 1950 transforma a arquitetura em quadrados, círculos e linhas, ocupando uma sala inteira da mostra.

“Essa é uma das fases mais maduras da obra dele, um presságio da arte concreta”, diz Heloisa Espada, curadora da mostra. “Ele ia girando a câmera para fazer algo abstrato, mas sabia prever o que acontece na fotografia. As pinturas dessa época ainda não tinham essa maturidade.”

De fato, foi só um ano depois que Barros mostrou suas “Fotoformas” no Masp, em janeiro de 1951, que os artistas concretos de São Paulo se reuniram no grupo Ruptura, movimento pautado pela pureza da geometria e a crença utópica no uso dessas formas na arte e no design como base do desenvolvimento do país. Barros aderiu à corrente, transpondo suas fotografias para pinturas precisas e matemáticas, mas não foi dogmático.

Enquanto artistas da época tentavam eliminar qualquer pegada orgânica de suas telas, com traços que imitam os das máquinas, Barros oscilava entre pesquisas distintas, indo além da geometria. Não é à toa que a maior retrospectiva já dedicada ao artista esteja agora no Rio, cidade que Barros visitou ao longo da vida, fazendo uma ponte com os neoconcretistas e os artistas internados no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro.

“Ele só era fiel à amizade”, diz Fabiana de Barros, filha do artista. “Se não fosse o seu contato com o Rio, ele não teria essa liberdade.” Isso explica como Barros, até então obcecado pela abstração austera da arte concreta, passou a intervir nos negativos de suas imagens, criando gatinhos e rostos com traços de criança, em diálogo com a arte informal então em voga na Europa.

GROTESCO

Outro ponto em que Barros fugiu da cartilha concretista é sua fase figurativa, em que realizou enormes pinturas sobre cartazes publicitários, deturpando imagens de casais, belas mulheres e até um homem que abraça um urso.

Uma ala inteira da mostra no Rio revê essa parte esquecida da obra de Barros, com pinturas na escala dos outdoors que abarrotavam São Paulo na década de 1960. “Tem um humor mais negro nessa fase. Os temas ficam mais pop, a pintura é mais suja, mais solta, chapada”, descreve Espada. “É o inverso da publicidade, em que tudo fica mais agressivo, grotesco, indigesto mesmo.”

No fim de sua vida, Barros voltou à figuração, mas num registro mais sutil. São imagens retalhadas, retiradas de seus contextos e reorganizadas em colagens expostas ao lado dos negativos. É a ala mais potente da exposição por escancarar um processo de trabalho interrompido por sua morte. “Tem um pressentimento aqui, como se a morte fizesse parte da obra”, diz a filha do artista. “Aqui ele deu um grande salto para a arte contemporânea.”

GERALDO DE BARROS
QUANDO de ter. a dom., das 11h às 20h; até 22/2/2015
ONDE Instituto Moreira Salles, r. Marquês de São Vicente, 476
Rio de Janeiro, tel. (21) 3284-7400
QUANTO grátis

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