Viviane Sassen exibe delírio de formas e cores em retrospectiva em Londres
A postagem abaixo é de autoria de Thais Gouveia. Obrigado pelo texto, Thais!
Imagens pouco reconhecíveis descem do teto em direção a um espelho. Este espelho as reflete na parede oposta. Neste mesmo fluxo, as imagens alcançam a sala seguinte, e ali ganham total nitidez, mas apenas por segundos.
Depois, voltam a cruzar uma das paredes para retornar ao estado ofuscado da sala anterior. Assim, seguem em movimento elíptico e constante. A tentativa do olhar é de paralisar cada imagem, mas a tarefa se revela impossível.
Quase num piscar de olhos ela já se foi.
Analema se refere ao termo astronômico usado para descrever uma curva em forma de oito que representa o posicionamento do Sol em relação a Terra. É uma espécie de circuito-fechado e, por isso, seu caminho segue inalterável, embora em constante transição. Utilizando esta simbologia para abordar o universo da moda, a fotógrafa holandesa Viviane Sassen apresenta em Londres, até 18/01, uma retrospectiva de sua obra na Photographer’s Gallery.
A mostra “Analemma: Fashion Photography 1992 – 2012” exibe uma única instalação composta por cerca de 350 imagens produzidas para revistas de moda como “Vogue”, “Dazed & Confused”, “i–D” e trabalhos para as marcas Stella McCartney, Adidas e Miu Miu, entre muitas outras. As fotografias exibem intrigantes cruzamentos entre a fotografia autoral e a de moda e direcionam o olhar mais para forma do que para narrativa. Mulheres com rostos quase cobertos, pintados ou ausentes; corpos que se confundem com a paisagem, contorcidos e enrolados, originando formas mutantes e surreais.
Esses elementos se unem a uma paleta rica de cores vibrantes e padronagens extravagantes, que confundem e instigam o espectador a compreender tamanha diversidade de formas. Cada imagem oferece um arranjo gráfico que guia o olhar através de contornos de silhuetas, volumes e linhas. Em alguns momentos, esquece-se que se tratam de modelos, roupas e produtos. A experiência é formalista, alternando entre o figurativo e o abstrato. Não à toa, ela já declarou que se vê mais como uma escultora do que como fotógrafa.
Esse imaginário retoma às primeiras memórias da fotógrafa, quando viveu no Quênia dos três aos seis anos, período em que seu pai, médico, trabalhou numa clínica local que tratava pacientes com poliomelite. Ela estudava e brincava com as crianças da região, algumas delas sofrendo os sintomas da doença. Por meio de seu olhar infantil, cresceu admirando a deformidade de seus corpos. Mesmo após retornar à Holanda com a família, a fotógrafa voltou a visitar outros países do continente africano nos últimos 20 anos.
Essas visitas renderam uma série de projetos na região que originaram os livros “Flamboya” (2008) e “Parasomnia” (2011). Os grafismos e a luz saturada, solar, com efeito de “meio-dia”, tão marcantes em suas imagens, também vêm dessas imersões no continente. O ápice luminoso que marca o momento em que o Sol atinge sua maior intensidade sobre a Terra, saturando cores e criando fortes contrastes, tornou-se o grande instante de Sassen.
As fortes influências africanas vieram guiar seu caminho no meio da moda, pela qual Sassen nutre uma relação ambígua. Uma mistura de amor e ódio. Ela chegou a trabalhar como modelo para a marca holandesa Viktor & Rolf, mas se entediou por considerar algo raso demais. Depois, percebeu que sua verdadeira expressão artística aconteceria justamente na fotografia de moda. Essa mistura de sentimentos se revela na presença do espelho, um dos componentes da instalação exposta em sua retrospectiva, como símbolo dessas divergências: por um lado, há a vaidade como criadora de ilusões que reflete o caráter transitório da beleza; por outro, o espelho está ligado ao universo feminino, à pureza eterna e aos universos possíveis.
Algumas comparações com o fotógrafo Guy Bourdin já foram feitas. E de fato é inevitável não lembrar de um dos maiores símbolos revolucionários da fotografia de moda do século 20. O francês ficou conhecido por colocar muito de seu estilo pessoal em seus trabalhos, pelo uso de diferentes suportes e por tratar o produto como algo secundário à imagem. Também utilizava elementos pop e figuras abstratas em composições corajosas, oníricas e provocadoras, assim como a holandesa. Mas a comparação se esvai ao notar que Sassen leva esses experimentos para um contexto mais formalista e intuitivo, enquanto Bourdin se concentrava em uma história visual.
“Para mim, é importante que as imagens me confundam ou me perturbem ou me arrebatem por um longo tempo. Nós vivemos em uma cultura onde há muitas imagens que estão sendo jogadas o tempo todo. Eu tento torná-las mais desafiadoras para os olhos e para a mente”, afirma. Neste grande sistema cíclico e fugaz de imagens que circunda não só o universo da moda mas a vida como um todo, Sassen não propõe críticas, julgamentos ou qualquer tentativa de discurso. Ela apenas as reúne numa dança de esculturas deformadas, geométricas e vibrantes captadas num relance. Instantes luminosos, transitórios que seguem seu movimento no espaço. Infinitamente.
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