Procuram-se leitores para fotolivros

DAIGO OLIVA

A reportagem abaixo, de autoria da jornalista italiana Valeria Saccone, foi publicada no site da revista espanhola “Yorokobu”. Nosso muito obrigado à Valeria por ceder o texto ao blog. Para ler a versão original é só clicar aqui.

Desde o verão passado, quando o PhotoBookMuseum, em Colônia (Alemanha), foi inaugurado, Markus Schaden tem dedicado todas as suas sextas, sábados e domingos para guiar até cem pessoas pelas mostras de livros de fotografia exibidas em suas instalações. Um privilégio aos visitantes deste novo museu, único no mundo e pensado com a vocação de ser itinerante.

Não é comum que um homem como ele –que já foi editor, livreiro, curador, professor e membro de prestigiosos júris de fotografia– se encarregue pessoalmente de mostrar a um público novo as joias ocultas nos fotolivros. Mas ele tem uma missão: conseguir mais leitores para o formato.

“Necessitamos de mais pessoas capazes de desfrutar um fotolivro, assim como acontece com a literatura. Não precisam ser fotógrafos ou colecionadores. Estou convencido de que existe um potencial muito amplo para o fotolivro”, afirma Markus. Para endossar sua teoria, cita seu exemplo preferido: “Paloma al Aire”, de Ricardo Cases. “Quando ainda tinha a loja Schaden, este era um dos livros que mais chamava a atenção”, diz ele.

Em sua obsessão para atrair mais público, Markus não poupou criatividade. Ele recriou no local o Café Lehmitz, de Anders Petersen, para que os visitantes possam se sentir parte deste mítico fotolivro. Como resultado, os esforços estão sendo recompensados. Mais de 15 mil pessoas já foram ao museu em quatro meses, uma conquista notável se tivermos em conta que o projeto foi feito com investimento de 20 mil euros e um ano de preparação.

“Não eram profissionais do setor. Dois terços dos visitantes são pessoas com um nível de cultura médio, que gostam de fotografia, mas não estão especialmente familiarizadas com livros do gênero”, conta. Seu objetivo é desenvolver uma cultura de fotolivro em um espaço onde qualquer um possa folhear essas obras. O caso do PhotoBookMuseum é uma mostra da maturidade que o suporte vem alcançando nos últimos cinco anos. Uma nova geração de fotógrafos e editores parece empenhada em tirar de vez as fotografias das paredes para colocá-las em sequências impressas. Trata-se de uma nova narrativa visual, cujos cânones ainda estão por se estabelecer.

UNIVERSAL
“O fotolivro é um meio universal que está próximo da literatura e do cinema, com a grande diferença de que não necessita de tradução. Por isso, é ainda mais universal”, sinaliza André Príncipe, cofundador da editora portuguesa Pierre Von Kleist. “É literatura em imagens”, resume Markus Schaden.

“Comparo o fotolivro com as revistas ilustradas como a ‘Life’. Teve um momento em que o mundo foi descoberto por meio destas publicações. E foi tão forte que gerou desencanto e perda de interesse por como nos contavam as imagens. O passo seguinte é entender o mundo de uma forma pessoal e como os autores contam a aproximação com o que registram”, diz Claudi Carreras, curador catalão especializado em fotografia latino-americana.

Este auge está sendo correspondido pela consolidação de eventos como a Fiebre, que realizou sua segunda edição na escola madrilenha Blank Paper em dezembro. É a única feira especializada em fotolivros na Espanha. Um evento ainda incipiente se compararmos com os da França, mas que está em alta. De um ano para o outro, o número de editoras convidadas cresceu 50% e há autores que vêm a Madri apenas para apresentar seus trabalhos.

Neste ano, fotógrafos veteranos como Cristóbal Hara, que lança “Los Ensayos Banales”, dividiram espaço com autores que lançam seus primeiros livros, como Toni Amengual (“PAIN”) e Ana Galán (“Vivr(e) la Vie”). “A ideia é publicar entre sete e dez ensaios”, explica Hara, que para seu último trabalho escolheu a Ediciones Anómalas, uma editora independente e muito menor que a mítica Steidl, que já publicou suas obras. “O tamanho não é importante, o que interessa é se a editora tem repertório e se ela pode ajudar o autor a realizar a melhor obra possível. Nunca tinha publicado um livro com uma editora em que não fosse possível controlar todo o processo. E a Steidl também não é a típica editora grande. Seu foco não é dinheiro, mas publicar livros bem produzidos, sem ter que morrer por isso.”

Já Amengual optou pela autopublicação em seu primeiro livro.“‘PAIN’ é um conjunto de 120 retratos de pessoas na rua em que, na minha forma de ver, está presente a dor existencial. É um documento de um momento”, explica. O desenho provocador e o conceito inovador da obra, com a ideia da bandeira espanhola e uma costura japonesa, que obriga a romper as páginas para ver o conteúdo, suscitou muito debate assim que foi publicado.

“Queria que o livro fosse um documento do mal-estar e da dor das ruas nos dias de hoje. Queria fazer no formato de um romance, tinha como referência as pulp fictions. E o título devia aproveitar que a palavra ‘pain’ [dor em inglês] está contida em ‘Spain'”, explica Amengual. Em 2013, ele lançou seu livro no concurso da editora catalã-mexicana RM e ficou a um palmo de conseguir o prêmio. “Tive a sorte de ficar entre os finalistas, e ainda mais sorte de não ter ganho, porque isso me obrigou a coordenar e supervisionar todo o processo. Durante um ano, aprendi sobre materiais, costuras, formas de impressão… Esse aprendizado é a parte de que mais gosto.”

A RM é, sem dúvida, um ator importante para a criação e difusão do fotolivro, não só na Espanha, mas em toda a região ibero-americana. O caso de Toni Amengual demonstra que seu impulso vai além de prêmios e apoio para a publicação de autores consagrados. O aval de ser selecionado por grandes nomes da fotografia, como Martin Parr, Alec Soth ou Daido Moriyama –juízes do concurso promovido pela editora–, termina tendo um efeito bumerangue, que contribui para que se publiquem mais livros.

SATURAÇÃO
Apesar do otimismo, começam a surgir algumas preocupações para esses editores: o mercado está cada vez mais saturado. Dentro da febre por reviver este suporte, a oferta está superando a demanda. “O fotolivro agora passa por um boom enorme. Os fotógrafos estão entendendo que o melhor investimento é uma publicação, porque a difusão de seu trabalho é maior do que com uma exposição”, explica Ramón Reverté, da editora RM.

“Mas estão publicando muitas coisas que não deveriam ser publicadas. Não há tanto talento para fazer tantos livros. Neste momento, há muitas obras e muita gente sem critérios para saber o que é bom e o que é ruim”, completa.

Michael Mack, considerado um dos editores de fotolivros mais reconhecidos do mundo, crê que só se deve publicar um livro se a obra exige. Em outras palavras, nem toda fotografia é suscetível de terminar emoldurada em uma parede ou impressa na forma de um fotolivro. “O critério a seguir deveria ser se a obra é apropriada para este formato. Um trabalho tem que levar a algo mais congruente para se converter em um objeto”, diz Mack em uma conversa por Skype, de Londres. Por outro lado, ele reconhece que hoje existem boas editoras, que trabalham bem e com altos níveis de qualidade.

“Produzem livros muito rápido e, muitas vezes, apenas para as listas de melhores do ano. Nós somos mais clássicos, preferimos fazer livros com mais tempo”, nota André Príncipe, da Pierre von Kleist. Este jovem português representa uma nova geração de editores que está muito mais interessada no autor e na sua visão de mundo do que em publicar para figurar nas listas.

Como disse André, entre risadas: “Nossa aspiração é fazer grandes livros, livros do caralho”. E completa, mais sério: “Quero fazer aqueles livros que não foram feitos nos anos 1970 e 1980, quando havia muitos fotógrafos incríveis. Naquela época, não havia editores que soubessem entender o trabalho destes fotógrafos. No Japão, ao contrário, os editores sempre estiveram à altura: Moriyama fez 200 livros, Araki, 300”.

Criada em 2009, a editora de André tem em seu catálogo 19 títulos publicados. “Há cinco anos, quase ninguém no sul da Europa produzia fotolivros. Nem sequer havia feiras de fotolivros”, recorda José Pedro Cortes, cofundador da Pierre von Kleist. “Fomos os primeiros daqui a ir à Offprint”, ressalta André Príncipe, em referência à feira paralela a Paris Photo, cuja primeira edição aconteceu em 2010. Neste ano, eles são os únicos estrangeiros na Fiebre, ainda que reclamem o papel de vizinhos e ibéricos.

MEDÍOCRE
“Há tanta competência neste momento, que se você faz um livro medíocre ou apenas bom, não é suficiente. Tem que ser muito bom,  ou então não tem nenhuma possibilidade de sobreviver no mercado. O público sabe cada vez mais e está cada vez mais exigente”, afirma Reverté. Para ele, a longo prazo começarão a publicar menos, mas com mais qualidade. Neste sentido, a autopublicação entra no risco de se converter, às vezes, em um bálsamo para o ego mais do que uma ferramenta de controle da produção de um fotolivro.

“Não creio que possamos dizer que um livro tenha sido publicado se o autor limitou-se a colocá-lo no Blurb e pediu a seus amigos para comprá-lo. No ano passado, a Blub publicou 1,2 milhão de livros. Mas isto é fazer cópias graças a uma plataforma on-line, não é publicar. Publicar tem a ver com encontrar público e que o trabalho seja visto de forma exaustiva”, diz Mack.

Um caso a parte representa a Ca L’Isidret, um modelo no meio do caminho entre editora e autopublicação. “Somos três amigos que compartilham a preocupação de que nossos livros sejam publicados da forma que gostamos. Então fundamos uma editora e que só íamos publicar nossos próprios livros”, conta Aleix Plademunt. Em dois anos, lançaram sete títulos.

“Já temos uma nova geração de fotógrafos e editores. Seria bom se aparecesse uma nova geração de curadores e de distribuidores. O fotógrafo já tem muito trabalho pensando no projeto, fazendo o livro, indo até as feiras para vendê-lo… Ele não pode fazer tudo sozinho. Ao final, nós não teremos tempo para fazer fotos, primeira intenção do autor”, diz Plademunt.

Michael Mack se mostra preocupado com outro fenômeno ligado aos fotolivros: os movimentos especulativos. “Há muita gente que está ganhando dinheiro com este boom, mas muitos artistas não estão recebendo nada.” “Muitos editores supostamente confiáveis pedem ao autor para que paguem para fazer sua publicação. Acaba sendo uma autoedição que na verdade não é. Nós tentamos oferecer um contrato ao autor que inclui pagamento de royalties, uma vez que todos os custos foram cobertos”, completa.

Para Mack, o mundo editorial cruzou uma fina linha vermelha e agora se mostra indignado com empresários que exigem dinheiro dos autores em troca de visibilidade. “Essa é a razão para ter tantos fotolivros no mercado neste momento. Existem muitos autores e editores dispostos a jogar este jogo. Como editores, é nossa obrigação ser uma plataforma para criar um público para novas ideias e obras. É o que oferece uma editora como a nossa.”

Cabe destacar que o fotolivro é, ao menos neste momento, um fenômeno europeu, norte-americano e japonês. Com exceção do trabalho da RM no México e de poucas editoras pequenas em países como Peru, não há um grande movimento em torno do fotolivro, ainda que se possa considerar São Paulo como baluarte deste meio na região. Aqui, o Estúdio Madalena criou uma livraria especializada e uma editora para impulsionar o fotolivro no Brasil. Distribuem obras de Mack, Aperture, autoedições e livros europeus.

SÃO PAULO
Fundada em 2012, a Editora Madalena é fruto da associação do catalão Claudi Carreras com o curador brasileiro Iatã Cannabrava. “É uma editora que surge da necessidade. Sempre criamos no mundo editorial como uma forma de viabilizar trabalhos e gerar discursos próprios. Pelo caminho apareceu a Claudia Jaguaribe, uma artista do Rio de Janeiro que vive em São Paulo. Estava preparando o livro ‘Sobre São Paulo’, que acabou sendo o primeiro trabalho que publicamos. Ficamos encantados com o projeto e funcionamos tão bem juntos que ficamos sócios”, conta Carreras.

Em dois anos, publicaram sete livros. “O problema na América Latina é que há talento para a fotografia, mas ainda não existe uma educação visual para o fotolivro. Os designers latino-americanos ainda não entenderam este conceito. Por isso, as propostas que fazem para os livros são muito soltas”, explica Ramón Reverté. “Isto também se explica porque são mercados muito fechados. Na Venezuela não entra nada de fora, na Argentina ocorre o mesmo. Os livros que vêm de fora são caríssimos e tampouco o mundo dos clubes de fotolivros se desenvolveu. Conclusão: as pessoas não têm acesso às novas publicações que estão sendo produzidas. Estão 20 anos atrás.”

Claudi Carreras está convencido de que os autores latino-americanos pouco a pouco se entregarão ao formato. De fato, alguns já se entregaram. “É um processo ainda embrionário, que vai ser muito interessante nos próximos anos.”  Para se manter em nível internacional, a Editora Madalena foi pela primeira vez para a última edição da feira Paris Photo. A recepção foi muito boa. “Há uma lista de espera muito grande, mas nos aceitaram porque não há livrarias da América Latina. Decidimos levar não só os nossos livros, mas uma seleção de obras latino-americanas. E fomos muito bem. Em Paris, nosso olhar fresco e diferente foi valorizado. Há muito interesse para ver o que está sendo feito no Brasil”, conta Carreras. Mas quase os livros foram retidos na alfândega e eles ficaram sem feira. “Quase tivemos um infarto. É um nível de logística complicadíssimo trazer livros da América do Sul.”

A esta altura do campeonato ninguém duvida de que a fotografia espanhola esteja vivendo seu momento de glória. E não apenas porque o “British Journal of Photography” disse. Um ano depois de publicar “Casa de Campo”, de Antonio Xoubanova, Michael Mack acaba de lançar o último livro de Ricardo Cases, “El Porqué de las Naranjas”. Ele revela que para o ano que vem está trabalhando com outro autor espanhol, Txelma Salvans, e assegura que o país, junto ao Japão, faz os melhores e mais cuidadosos bonecos de fotolivros.

“Os autores espanhóis se interessam pelo design, pelo tipo de papel e o tipo de encadernamento… Isto é resultado do trabalho comum de vários coletivos que produzem juntos, editam juntos e se apoiam mutuamente”, conta o britânico. Para ele, a situação econômica atual contribuiu para que os artistas locais mergulhem em uma introspecção, que se mostrou muito proveitosa.

Markus Schaden, que também atribui parte deste êxito ao cenário de crise econômica, também não passou imune ao feitiço espanhol. “Tivemos três espanhóis no museu neste ano: Carlos Spottorno, Cristina de Middel e Ricardo Cases. Isso diz tudo sobre a boa saúde da fotografia espanhola.”

Hoje, questionamentos se fotolivros seriam uma moda passageira ficaram para trás. Agora o debate mudou e a pergunta do milhão é: quanto tempo vai demorar para cinéfilos, amantes da literatura e da cultura em geral se darem conta de que essas publicações existem? “Dez anos”, afirma Schaden. “O boom do fotolivro tem dez anos e está impactando novos fotógrafos. Mas pouco a pouco vai se infiltrando nos que estão interessados em linguagem visual, em arte e fotografia. O que falta agora é que esses livros entrem nos museus, algo que já começou. Para que cheguemos até aqui, o fotolivro teve que se converter em um objeto de arte”, reflete Ramón Reverté.

“Se uma banda de rock independente produz 5.000 álbuns ou se um filme independente consegue 10 mil espectadores, por que um fotolivro não pode ter uma tiragem de 4.000, 5.000 exemplares?”, pergunta André Príncipe. “Temos que lutar para que o público se sinta interessado pelas histórias contadas por meio de fotografias”, completa Claudi Carreras.

“Se algo é realmente bom, ao final encontra o seu caminho”, assegura Mack. “Se um livro é inteligente, se está bem-feito, se é convincente, se tem excelentes fotografias e um design excelente… Se todos estes elementos confluem, não é uma coincidência que o livro se converta em êxito”, conclui Mack. Um êxito que em breve poderia passar a ser sinônimo de muito público, e não apenas de prêmio e menções de honra.

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