Câmera lentíssima
O texto abaixo foi publicado originalmente na “Ilustrada” por Silas Martí.
Michael Wesely já armou seis câmeras, quatro analógicas e duas digitais, para fotografar um prédio na avenida Paulista. Mas a torre alvo dessas lentes ainda não existe. Diante de um imenso buraco onde será erguida a nova sede do Instituto Moreira Salles em São Paulo, o alemão calcula a altura que suas objetivas devem ficar para conseguir uma vista privilegiada da construção.
Mesmo faltando dois anos para o fim das obras, a fotografia já está sendo feita, com obturadores abertos em tempo integral, como se gravassem um filme ali. “É uma fotografia contínua, que leva anos para surgir”, conta Wesely. “Uso esses longos tempos de exposição para retratar o fluxo da vida.”
De fato, suas imagens revelam menos o movimento pontual de carros e pessoas nas ruas e mais as grandes mudanças estruturais na forma das cidades, prédios que sobem, casas que vêm abaixo e as linhas cravadas no céu –rastros do Sol e das nuvens. Sua primeira fotografia de longuíssima exposição foi a vista do escritório do diretor de um museu em Munique, feita há mais de 20 anos. Enquanto a arquitetura fica imóvel, com janelas e paredes em alta definição, o resto são vultos da mesa e passos perdidos.
“Tento capturar sempre a presença humana. Gosto de fotografar lugares cheios de gente”, diz Wesely. “Mas vi que às vezes a presença pode falar mais de uma ausência, ou a ausência aponta as presenças possíveis num lugar.”
Wesely, no caso, tenta explicar por que mesmo lugares movimentadíssimos, como a praça Potsdamer, em Berlim, surgem nas suas imagens vazios, já que o vaivém das pessoas é rápido demais para deixar contornos nítidos numa fotografia criada ao longo de anos. “Esse aspecto da fotografia me interessa muito mais do que um momento decisivo qualquer”, diz o artista. “É uma mudança de percepção. Essas imagens revelam mais questões antropológicas do que qualquer outra coisa, mostram camadas de tempo.”
Talvez daí a sensação de ver uma realidade estratificada. Enquanto prédios mais antigos aparecem com presença sólida nas imagens, as estruturas mais recentes vão surgindo por cima da paisagem como fantasmas arquitetônicos. “Quero expandir a fotografia, para que ela não entregue tudo de uma vez”, afirma. “O passado e o futuro estão sempre juntos nessas imagens.”
Wesely, que constrói suas próprias câmeras e usa filtros escuros para evitar que a imagem se queime em longas exposições, já documentou dessa forma as obras de expansão do MoMA, em Nova York, num trabalho semelhante ao que faz agora em São Paulo. No caso paulistano, com um terreno bem menor, é difícil prever como ficará a imagem e ele teme que a construção atrase, o que pode distorcer a luz da imagem final.
“É um projeto de risco. Não dá para saber o que vai acontecer”, diz. “Gosto que os tempos prolongados de exposição vão corroendo a imagem. No fim, ficam intervalos de tempo que você preenche com a sua memória do lugar.”
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