Premonitório, livro de fotos de locais improvisados escancara islamofobia
Uma semana após o ataque que matou 12 pessoas na sede do jornal “Charlie Hebdo”, em Paris, é irônico pensar que uma obra sobre islamofobia foi a vencedora dos principais prêmios dedicados a fotolivros na França em 2014.
Ganhador do Photobook Awards, organizado pela feira Paris Photo junto a fundação americana Aperture, e do Author Book Award, promovido pelo festival de Arles, “Hidden Islam”, de Nicoló Degiorgis, documenta, no norte da Itália, espaços improvisados de adoração –lojas e armazéns transformados em templos para muçulmanos. Embora a Itália abrigue quase 1,5 mi de fiéis, o país possui apenas oito mesquitas. Trata-se da segunda maior religião local, só atrás do catolicismo, mas ainda assim não é reconhecida pelo Estado.
Vista agora, a obra parece uma premonição do tema que pautará a Europa
nos próximos anos. O atentado, justificado como uma reação à publicação
de charges satíricas sobre o profeta Maomé, provocou uma onda de ataques
a mesquitas na capital francesa e reacendeu o discurso da extrema-direita europeia, que se diz contrária ao fluxo de imigrantes e de muçulmanos ao continente. Assim, o preconceito ao islã no Ocidente deve se intensificar.
Em seu livro, Degiorgis fotografa as fachadas dos locais improvisados –numa tipologia em preto e branco ao estilo das construções dos alemães Bernd e Hilla Becher. Escondidos, em páginas dobradas da obra, ele revela os interiores dos espaços, em cores, com seus fiéis em momentos de oração.
“Qualquer ato terrorista em nome da religião afeta negativamente toda a comunidade. O islã vai atravessar um momento difícil em sua história, sendo explorado por ambos os lados, pelos fundamentalistas e pelos partidos de direita”, diz o fotógrafo em entrevista à Folha, por e-mail.
Degiorgis acaba de lançar uma espécie de apêndice de seu livro. Sem conter nenhuma fotografia, “Hidden Islam – 479 Comments” reproduz todos os comentários enviados a uma resenha publicada na versão on-line do jornal britânico “The Guardian”, que relatava o lançamento da obra anterior.
Sean O’ Hagan, autor da resenha, conta que o livro “gerou uma resposta animada, combativa e, às vezes, ofensiva”. “O primeiro comentário foi removido pelo moderador, o segundo simplesmente dizia que ‘a Itália é um país católico’. No entanto, o debate foi relativamente restrito a vislumbres
de respostas abusivas ou indignadas que uma peça sobre imigração e sobre o islã radical muitas vezes pode provocar.” Para o fotógrafo, a publicação do livro é justamente uma forma de “encorajar o debate sobre essas questões, deslocando-o da política para o campo sociológico”.
“Eu tento monitorar e documentar as reações que surgem na internet. Em alguns sites, comentários de diversas naturezas são publicados, mas eu vejo a discussão com um tom muito moderado, de forma saudável”, diz ele.
Segundo o artista, o que mais o impressionou durante a realização do trabalho foi a força da fé dos muçulmanos, algo que ele vê “desaparecendo entre os cristãos”. “A comunidade islâmica da Itália é composta por pessoas com a mesma fé, mas com um arco grande de nacionalidades. Eles ajudam uns aos outros em diversos aspectos quando imigrantes chegam a Europa, como conseguir uma casa ou os documentos necessários para trabalhar.”
Pesquisador de questões relacionadas a imigração desde 2009, Degiorgis não se arrisca a comparar o preconceito sofrido por imigrantes e islâmicos, duas linhas que, de alguma maneira, se cruzam na Europa. “Difícil dizer. Tudo depende do quanto a imprensa apura estes assuntos e da atmosfera política de cada lugar. Fobia não é fácil de quantificar e continua a ser um medo irracional por definição, o que dificulta as discussões em vez de resolvê-las.”
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