Felipe Russo percorre região central ao amanhecer e registra SP adormecida
O texto abaixo foi publicado originalmente na “Ilustrada” em 24/1.
Felipe Russo precisou ir até o rio São Francisco, no Nordeste do país, para entender como deveria percorrer o centro de São Paulo. De carro, o fotógrafo seguiu o curso das águas do Velho Chico para realizar um projeto. Não rolou.
Sem saber para onde apontar sua câmera, ele percebeu que só caminhando pelo mesmo lugar diversas vezes conseguiria entender o espaço. Formado em biologia, Russo, paulistano de ascendência italiana, encontrou na repetição e na minúcia seus métodos fotográficos.
No final do ano passado, após três anos visitando a pé as zonas do Pátio do Colégio, da praça da Sé e da República, ele lançou o livro “Centro”, em que explora a região nas primeiras horas da manhã.
Diferentemente de sua imagem mais conhecida, essas áreas da cidade aparecem vazias e silenciosas. O fotógrafo ignorou as poucas pessoas que circulam no fim da madrugada e registrou arquiteturas singelas, como um antigo viaduto que corta o bairro da Bela Vista, além de objetos abandonados pelas ruas, que se tornam quase esculturas involuntárias.
Segundo Russo, 35, ao limpar os transeuntes das fotos, é possível refletir sobre a vida dessas pessoas apenas observando o espaço em que habitam. Assim, fotografias de caixotes de feira, empilhados de maneira sutil, e de um ônibus estacionado, imponente sobre a avenida Nove de Julho, funcionam como pegadas e pistas de moradores e passantes da cidade.
“É muito diferente percorrer esses espaços a pé. Tem uma coisa no centro que é o cheiro, a temperatura, têm coisas que você só percebe caminhando”, defende ele. “Você vai às 5h, vê tudo adormecido e dá de cara com o caminhão-pipa da prefeitura lavando as ruas. Uma coisa que me marcou foi o cheiro de creolina.” Mas se a atmosfera é oposta à do turbilhão de pessoas e de cores dos ambulantes, a paleta cinza de São Paulo continua presente.
PASTEL
Nos prédios, calçadas e também no céu, Russo procurou anular a profundidade e a saturação das imagens, como um filtro que planifica a paisagem. “Se você olhar a 25 de Março, a maioria das cores ali é forte. Mas a cidade joga uma camada por cima que deixa tudo meio pastel.”
Embora esse tom dê ao livro um certo ar de melancolia, o fotógrafo se recusa a entender o trabalho desta maneira. Ele enxerga nas aparentes ruínas que registrou a possibilidade de reconstrução. Não por acaso, a fotografia de um piso de pedras portuguesas, todo quebrado, marca o final de “Centro”.
“O [fotógrafo] Arnaldo Pappalardo disse, ao pegar o livro, que vê ali a chance de a cidade ser remontada. Aquelas pedras podem ser retiradas e isso vai ser um solo novo”, explica. “Incomoda essa coisa da inevitabilidade. No fim, a areia é a estrutura básica da pedra, então a pedra vira areia quando se desfaz.”
Logo após ser lançado, “Centro” ganhou atenção de artistas cultuados. O britânico Martin Parr, ícone da fotografia contemporânea, selecionou o livro como um dos melhores do ano passado na lista da revista “Time”.
Assim como ele, o companheiro de Parr na agência Magnum, o norte-americano Alec Soth, também se derreteu em elogios. No Brasil, Guilherme Wisnik, curador da última Bienal de Arquitetura de São Paulo, não só gostou da obra, como escreveu o texto presente na publicação.
Para ele, as imagens de Russo funcionam “como metáfora de um desejo lúdico latente sob as ruas da cidade, prestes a emergir”. O fotógrafo concorda. “Eu não sei se a minha visão é otimista, mas acho que ela entra num buraco entre a aceitação e um ‘eu ainda acredito’, sabe?”
CENTRO
AUTOR Felipe Russo
EDITORA independente
QUANTO R$ 70 (64 págs.)
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