O boom dos fotolivros não é tão dourado assim, diz Jorg Colberg

DAIGO OLIVA

Em sua terceira edição, a Feira Plana, maior evento para publicações independentes do país, dedica seu tema à fotografia. Por isso, além de
reunir mais de cem editoras de zines e livros por meio de um edital, a feira
terá uma programação extensa com debates sobre fotografia.

Uma das mesas, mediada por um dos editores do Entretempos, trará o pesquisador alemão Jorg Colberg. Professor na Hartford School of Art, nos EUA, Colberg é o crítico de fotografia mais influente da atualidade. Em seu site Conscientious, criado há treze anos, ele publica resenhas de fotolivros
e textos que debatem o atual estado da fotografia contemporânea.

Para ele, embora a ideia de era de ouro da fotografia seja reproduzida por todos os lados, existe uma imensidão de trabalhos que não passam da camada superficial. “Burburinhos ressoam facilmente, enquanto refletir sobre seu próprio trabalho leva tempo. Tempo que as pessoas não têm ou não estão dispostas a gastar. E nossa cultura está mais rasa, em que o superficial e o entretenimento rápido é cada vez mais e mais importante.”

Confira abaixo a entrevista com Jorg Colberg para o blog. Sua palestra, seguida de bate-papo, acontece neste sábado (7), às 16h, no Auditório do
MIS, durante a Feira Plana. As informações completas estão no fim do texto.

Entretempos – Você é muito ativo no Twitter. Publica links, comentários e observações sobre fotografia. Recentemente, você postou uma aspa do [fotógrafo britânico] Stephen Gill. Ele diz que o problema na fotografia hoje é que tudo gira em torno de hype e pouco se fala sobre conteúdo. Por que isso vem acontecendo? 

Jorg Colberg – Não sei se existe uma resposta simples, ou se é possível apontar apenas uma razão. Mas, certamente, o fato é que há muitos fotógrafos hoje e que a cultura em geral se tornou algo muito superficial. Um grande número de fotógrafos significa que todos têm que criar o máximo de burburinho possível. Burburinhos ressoam facilmente, enquanto refletir sobre o próprio trabalho leva tempo. Tempo que as pessoas não têm ou não estão dispostas a gastar. E nossa cultura está mais rasa, em que o superficial e o entretenimento rápido é cada vez mais e mais importante. Talvez a internet, com a sua velocidade implacável, tenha sua parte de culpa.

Você acredita então que esta relação com a internet, em que todos buscam cliques e retorno imediato, é o maior entrave para a produção de trabalhos diferentes ou mais arriscados?

Há uma grande pressão e um grande senso de competição entre as pessoas atualmente. Por isso há muita gente produzindo trabalhos de fácil digestão, que são produzidos em cinco minutos. Mas ainda há muitas pessoas que acreditam naquilo que fazem, mesmo se suas obras não forem fáceis de digerir. Um dos problemas, claro, pode ser o fato de que passamos muito tempo vendo esses trabalhos na internet, trabalhos fáceis ou feitos por nomes conhecidos, que são o melhor alimento para cliques. Eu vejo isso no meu
site, em que as pessoas clicam muito menos em trabalhos de artistas menos conhecidos do que naqueles que são famosos. Eu quero permanecer um pouco otimista e acredito que sempre teremos trabalhos audaciosos por aí.
É sobre eles que nós estaremos falando daqui a 20 anos.

O boom dos fotolivros é muito festejado. Muito se fala sobre obras autopublicadas e que nunca se viu um período tão frutífero para fotógrafos e editoras. O universo dos fotolivros nunca esteve tão agitado como agora. Ainda assim, você tem uma visão pessimista sobre a fotografia hoje. Por quê?

Eu não diria que eu tenho uma visão pessimista sobre a fotografia. Há ótimos trabalhos por aí, incluindo livros, o que me deixa animado. Ao mesmo tempo, há também um monte de merda. E parece que esses trabalhos ganham mais atenção do que merecem. Obras facilmente digeríveis não precisam ser automaticamente superficiais. Mas elas também não mergulham muito abaixo da superfície e, no fim, nos apresentam soluções fáceis em vez de fazer perguntas difíceis. O que me deixa frustrado é que a fotografia é um suporte muito popular. A promessa da fotografia não se completa se a maior parte do que ganha espaço e atenção é tão fácil, tão simples. Se de fato hoje é um bom momento para editores, essa é uma pergunta que tenho dificuldade de entender. Estou trabalhando em um livro sobre fotolivros e muita gente com quem converso diz que o mundo editorial não está tão dourado assim.

Cada vez mais, os trabalhos mais experimentais vêm junto de longos textos. Muitas destas obras só podem ser compreendidas com ajuda de material paralelo, que você não encontra nas imagens. Ainda sabemos ler imagens sem o apoio de textos? 

Acho que depende do trabalho em questão. Trabalhos documentais podem vir com muito texto simplesmente porque fotografias não contam o mesmo tipo de histórias que as palavras contam –e vice-versa. Por isso, depende mais se a história necessita de texto. Eu não tenho preferência. Se o texto for necessário, tudo bem, mas ele precisa ser bom. Se o texto não for necessário, tudo bem também. Muitos artistas estão explorando como o texto pode ser usado junto com fotografias. Talvez isto seja um modismo que vá passar, eu não sei, mas nós precisamos estar aptos para ler imagens sem textos, independentemente se é preciso usar palavras para contar uma história. Talvez você esteja certo, textos podem ser uma muleta conveniente.

Você diz que está em busca de uma fotografia que fuja do óbvio, que seja mais do que reprodução de modismos, que atravesse a superficialidade. Ainda que seja um discurso bonito, é difícil produzir conteúdo original, que coloque questões para serem pensadas. Pode dar exemplos de quem faz isso hoje na fotografia?

Há vários trabalhos bons. Laia Abril fez um lindo livro chamado “The Epilogue”, sobre uma jovem que morreu de transtorno alimentar. Se você quer um livro sem texto, algo completamente diferente seria “Sequester”, de Awoiska van der Molen, uma apresentação muito contemporânea da fotografia clássica em preto e branco. Há também “Tranquility”, de Heikki Kaski, produzido numa cidade da California que leva o nome do livro, um trabalho desafiador que não é fácil de entender, mas muito bonito. Os três exemplos são do ano passado. Um dos bons aspectos dos fotolivros lançados hoje é que, muitas vezes, os editores entendem o seu público e sabem que se imprimirem apenas 750 cópias, isto será rentável. E assim as coisas vão bem, como no caso de Awoiska. A primeira edição esgotou e agora há uma segunda. Então você não tem mais que fazer 3.000 livros e torcer pelo melhor.

Os fotolivros atuais estão mais para objetos do que publicações.
A fotografia contemporânea é mais design do que fotografia?

Sim, há muito design. O clássico, o modelo básico do fotolivro, tornou-se antiquado para muitas pessoas. Um bom design realmente pode produzir um fotolivro fantástico. A obra de Awoiska é um grande exemplo. Mas o mais importante é que não pode ser apenas design. O mais importante são as fotos. Se você não tem boas fotos, o design não pode fazer muito pelo seu livro a não ser uma gracinha. No final, um fotolivro deve ser sobre imagens, independente do grande objeto que ele pode ser. Com tantos livros como há agora, claro que é uma tentação fazer algo sofisticado e na moda, com vários sinos, assobios e um design esperto. Mas eu não gosto disso. Tenho livros que não posso nem olhar porque são muito complicados. Não fazem sentido.

Imagem de Jessica Eaton, artista selecionada pela revista ‘Foam’ em sua edição dedicada ao novo formalismo

A moda atual é o novo formalismo. Parece-me que nesses trabalhos, o processo para fazer as imagens é, muitas vezes, mais importante do que o próprio resultado final. Recentemente, [o fotógrafo americano] Alec Soth disse que o caminho para a fotografia pode ser a performance, o que estaria de certa forma relacionado com o que é o novo formalismo. O que você acha? 

Há algum tempo atrás, Alec estava interessado em filmes. Agora é performance? Pessoalmente, eu posso ser um pouco conservador nesse ponto, mas é tudo sobre imagens. Se eu quero filmes, eu procuro por cineastas. Se eu quero performances, eu procuro por performers, se eu quero ir ao circo, então procuro por palhaços. Fotografia deve ser sobre fotografia, sobre imagens. Se o processo importa, pense em Daisuke Yokota, então as fotos precisam ser boas.  Acho que é como a pergunta sobre design dos fotolivros: o que vier para a fotografia deve ser um suporte para as imagens. Para mim, no fim, apenas uma questão importa: as imagens são boas? De verdade, eu não ligo para o processo desde que as fotos sejam boas. Um processo interessante é como um bônus. Mas se as suas fotos não são interessantes, então francamente, eu não me importo com o seu processo, quão divertido seja ele.

FEIRA PLANA – O QUE ESTÁ EM JOGO NA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA? – DEBATE COM JORG COLBERG
QUANDO
sábado (7), às 16h
ONDE 
Auditório do MIS, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
QUANTO
grátis
CLASSIFICAÇÃO
livre

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