Documentário sobre Sebastião Salgado encanta graças à força de seu narrador

DAIGO OLIVA

Poucas coisas são tão poderosas quanto a maneira como Sebastião Salgado fala sobre suas imagens. Sem recorrer a anotações, o fotógrafo rememora histórias com detalhes, descreve paisagens com poesia, relata o horror de guerras e conta experiências com voz calma, mas recheada de dramaticidade.

É a partir da força de sua narração que os diretores Wim Wenders e Juliano Salgado –filho do brasileiro– construíram “O Sal da Terra”, documentário indicado ao Oscar que chega aos cinemas do país na quinta-feira (26).

Durante duas horas, em um quase monólogo, o longa percorre a trajetória do fotógrafo, desde a infância em Minas Gerais até as viagens para regiões remotas do planeta para produzir “Gênesis”, seu último projeto. Registra também o casamento com Lélia Salgado, a curta experiência no mercado financeiro e detalhes de clássicos como “Trabalhadores” e “Êxodus”.

Ao mesmo tempo em que Sebastião relata passagens de sua obra, Wim Wenders comenta como conheceu o trabalho do brasileiro e Juliano faz uma espécie de terapia sobre a relação com o pai. Foi durante sua infância que a carreira do fotógrafo deslanchou –as longas viagens pela América Latina criaram uma distância que a realização do documentário tenta amenizar.

Mas se engana quem imagina o filme como um retrato íntimo do fotógrafo.
O nascimento do segundo filho, Rodrigo, portador da síndrome de Down –fato pouco conhecido da vida de Sebastião– é contado rapidamente, assim como a relação com Lélia, arquiteta que se tornou a grande editora de tudo o que ele produz. Embora a mulher seja citada por Wim e pelo filho durante algumas passagens, ela quase não fala no documentário. É pouco para quem tem um papel tão importante na vida do protagonista. Por outro lado, há ótimas imagens de arquivo, em que o brasileiro aparece de cabelos longos e barba ruiva, visual completamente diferente de sua careca tão conhecida.

Assim, em vez de descobrir novas facetas sobre quem é Sebastião Salgado, há um desfile de registros impressionantes acompanhados de relatos de como as imagens foram feitas. Seu estilo virou guia para a fotografia documental e nunca perderá impacto. Bastam os minutos iniciais, com cenas da Serra Pelada, para ter esta dimensão. Entregar-se à beleza de suas imagens é fácil.

Porém, o documentário não procura contrapontos sobre a vida de Sebastião. Não há nenhuma menção ao debate clássico sobre a estética da pobreza nem sobre sua saída da agência Magnum –que não é nem citada durante o longa– nem mesmo sobre os protestos que pediram boicote à exposição de “Gênesis” no Reino Unido por conta do patrocínio da mineiradora Vale.

Pior: a passagem sobre o Instituto Terra, que faz o reflorestamento da fazenda onde Sebastião passou a infância, ganha ares de filme publicitário. A mensagem ecológica é importante, mas o tom soa puramente comercial.

Ninguém deve duvidar das genuínas intenções ambientais do fotógrafo e de sua mulher, pois seus discursos e ações são convincentes. Mas um filme dirigido pelo filho e pelo amigo de seu protagonista ganharia ainda mais legitimidade se revelasse mais do que as idealizações de seus admiradores.

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