Um velho DVD sobre fotografia
O texto abaixo foi publicado na edição deste domingo (19) da Ilustríssima.
Alguém que tenha vivido entre o século 19 e a metade do 20 certamente testemunhou um mundo em rápida transformação. Nada comparável, porém, à velocidade dos avassaladores primeiros 15 anos do século 21.
A fugacidade com que conceitos e práticas foram criados ou abandonados neste período faz do primeiro dos três volumes da série “Contatos”, lançado agora no Brasil, em DVD, pelo Instituto Moreira Salles, não apenas um momento de nostalgia mas também uma peça de museu.
Criada no final da década de 1980 por William Klein, a coleção reúne depoimentos dos mais importantes nomes do fotojornalismo sobre suas folhas de contato –prática até então indispensável para a edição. Contra a mesa de luz, com lentes de aumento, os negativos eram dispostos na mesma sequência em que foram produzidos, e os artistas debruçavam-se sobre as imagens, marcando os quadros finais que seriam enfim revelados.
Hoje, as folhas de contato foram pulverizadas à força pelo digital. É comum encontrar jovens fotógrafos que nunca trabalharam dessa forma ou que até mesmo desconhecem o método –o que não denota ignorância, mas a marca de um período que solapou tradições como se nunca tivessem existido.
O lançamento da série no país acontece mais de 20 anos após sua concepção. Quando Klein concebeu os vídeos, portanto, a fotografia não estava tão próxima da avalanche digital. Assim, “Contatos” soa muito mais como uma homenagem às folhas de contato, e não como o resgate de algo já esquecido. Mesmo que banhado em certo anacronismo, este lançamento também serve como ponte para elementos da fotografia que ainda permanecem.
A análise dos negativos revela que imagens antes consideradas únicas não foram fruto de um simples golpe de sorte, mas da insistência numa cena ou história específica –nada distante do que ainda é praticado hoje.
TROCAR DE ROLO
Em todos os 12 minidocumentários que compõem o primeiro DVD da coleção, a câmera percorre os negativos, quadro a quadro, como se emulasse o olhar dos fotógrafos no momento da mesa de luz, até chegar à fotografia definitiva.
Esse caminho da câmera sobre os trabalhos de Henri Cartier-Bresson (1908-2004), Robert Doisneau (1912-94), Raymond Depardon e muitos outros nomes da lendária agência Magnum, exibe a repetição de um mesmo assunto até atingir a perfeição final. Diferente do que se imaginava, esses fotógrafos produziram uma enorme quantidade de imagens para alcançar poucas cenas, mesmo com as limitações impostas pelo número de poses de um rolo de filme –é angustiante imaginar Josef Koudelka ao ter de trocar a película em meio à invasão soviética nas ruas de Praga, em 1968.
Ao longo dos anos, essa prolixidade foi ampliada e banalizada brutalmente pela capacidade quase inesgotável oferecida pelos equipamentos digitais.
O que era minimizado muitas vezes como o fotógrafo que estava apenas no “lugar certo e na hora certa” dá lugar ao entendimento de que tudo parte da construção do olhar e da teimosia perfeccionista. Por outro lado, esse suposto dom de capturar cenas únicas de forma espetacular também conferiu a esses artistas um ar glorioso.
Visto desse ângulo, “Contatos” também desnuda fotógrafos tratados como seres sobrenaturais. Talvez essa seja a explicação pela qual Elliott Erwitt não goste de mostrar seus arquivos brutos e Bresson tenha definido a análise de suas fotos pela folha de contatos como uma ida ao divã.
Terapia essa que não se concentra apenas em seu tema central. Embora tudo gire em torno das folhas de contato, todos os entrevistados se dedicam a discorrer sobre o ato de fotografar. E escutar Helmut Newton, Mario Giacomelli e o próprio William Klein papearem sobre fotografia é atemporal.
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Tive o prazer de ouvir em um evento e papear rapidamente com William Klein há um mês. Esta bem senhor! Mas falou sobre sua obra e vida.
Que demais, Luiz. Gostaria muito de ter essa oportunidade.