Mostra no Rio de Janeiro revela fase pré-ianomâmis de Claudia Andujar
O texto abaixo foi publicado na “Ilustrada” de quarta (22) por Silas Martí.
“Quando cheguei ao Brasil, não sabia que ia ficar por aqui”, diz Claudia Andujar. “Não é que São Paulo fosse maravilhosa, grande e cosmopolita como é hoje. Fiquei pelo povo brasileiro,e a primeira coisa que eu fiz foi pegar uma máquina fotográfica para me aproximar desse povo.”
Da sala de seu apartamento no 20º andar de um prédio na avenida Paulista, a artista, que faz uma retrospectiva agora no Instituto Moreira Salles, no Rio, relembra sua história diante de uma visão panorâmica da cidade.
Mas foi numa escala mais íntima, no corpo a corpo com os índios, os pescadores e famílias de classe média nas grandes cidades brasileiras, que Andujar construiu um dos retratos mais contundentes do país desde os anos 1950, quando veio encontrar a mãe fugida da Segunda Guerra em São Paulo.
Nascida na Suíça e criada numa parte da Romênia que agora pertence à Hungria, Andujar, 84, perdeu o pai para os campos de concentração, passou uns anos em Nova York, onde estudou e sobreviveu como vendedora da loja de departamento Macy’s, até trocar seu quarto alugado no Bronx por uma quitinete na praça Roosevelt.
Nesse primeiro embate com São Paulo, Andujar conheceu o antropólogo Darcy Ribeiro, o primeiro a sugerir que ela fotografasse os índios do país. Mesmo famosa por suas séries extensas sobre os ianomâmis e outras tribos, é uma fase “pré-índios” de sua obra que está agora na mostra carioca.
E esse é um momento que não deve nada ao que veio depois. Numa série para a revista “Cláudia”, que acabou não sendo publicada, a artista fotografou quatro famílias brasileiras. Do interior da Bahia, onde retratou a casa de um fazendeiro abastado, veio uma das sequências mais fortes.
“Era uma família rica, com plantações e uma casa grande e luxuosa”, lembra. “Todo o trabalho braçal era feito pelos negros ali. Isso revelou muito do Brasil para mim.” Outra revelação foi a religiosidade e suas várias faces no país. Depois de publicar seu primeiro ensaio, sobre os índios carajás, na “Life”, bíblia do fotojornalismo americano, Andujar chamou a atenção da extinta revista “Realidade”, que a contratou para fotografar os rituais de cura do médium mineiro Zé Arigô.
“Fiquei hipnotizada com aquilo”, diz Andujar. “Ele pegava o paciente, encostava na parede e enfiava uma faca no olho para tirar uma catarata. Logo depois, o cara nem sentia dor. Era chocante mesmo.”
No início, Andujar também chocou editores de revistas como “O Cruzeiro”, que não quiseram publicar suas imagens. “No Brasil, a ideia de mulher fotógrafa ainda era coisa desconhecida”, diz a artista. “Voltei a NY para mostrar meu trabalho e só lá tive aceitação. Isso me abriu um mundo novo.”
Também era lá que Andujar queria ficar. Mas, depois de conhecer o futuro marido, o fotógrafo George Love, ela retornou para São Paulo. Ele veio atrás e foi trabalhar com ela na “Realidade”.
Foi por influência dele, aliás, que Andujar fez uma de suas séries mais destoantes do conjunto de sua obra -imagens criadas com filme infravermelho e dupla exposição de uma modelo que costumava fotografar para uma revista de moda. “Fazia amizade com as modelos”, conta Andujar. “A Sônia era uma delas. Um dia ficamos sozinhas no estúdio e fizemos as fotos.”
Mais tarde, Andujar usou essa mesma estratégia em seus retratos de paisagens, florestas e aldeias indígenas.”Na minha cabeça, tudo isso está ligado à pesquisa sobre o ser humano”, diz Andujar. “Às vezes, precisamos de uma linguagem diferente.”
CLAUDIA ANDUJAR
QUANDO abre no dia 25/7, às 16h; de ter. a dom., 11h às 20h; até 15/11
ONDE Instituto Moreira Salles, r. Marquês de São Vicente, 476, Rio, tel. (21) 3284-7400
QUANTO grátis
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