Teju Cole faz saga em São Paulo para encontrar local da foto de René Burri

DAIGO OLIVA
‘Men on a Rooftop’, foto de René Burri feita em São Paulo, em 1960

No topo de um edifício, quatro homens engravatados desfilam suas sombras alongadas ao fim da tarde. Ao lado do prédio de linhas retas, uma avenida onde corriam bondinhos rasga a fotografia em preto e branco. As silhuetas dos pedestres na via parecem miniaturas das famosas esculturas de Alberto Giacometti, comparou o escritor e fotógrafo americano Teju Cole, em artigo publicado na quarta (19), na versão on-line da revista do “New York Times”.

Os engravatados, por sua vez, bem poderiam lembrar os personagens da série “Mad Men” ou os gângsteres de “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino. Mas é a obra de outro artista, suíço como Giacometti, que se tornou a obsessão
de Cole, 40, autor do romance “Cidade Aberta” (Companhia das Letras).

Em 1960, o fotógrafo René Burri veio a capital paulista para produzir uma reportagem para a revista alemã “Praline”. Autor de retratos clássicos de
Che Guevara e artistas como Picasso e Yves Klein, o membro da lendária agência Magnum visitou, desde o final da década de 1950, Rio, Salvador, Brasília e São Paulo, cidade que lhe ofereceu uma de suas imagens mais emblemáticas, “Men on a Rooftop” (homens em um telhado, em português).

Quando Burri morreu, no ano passado, aos 81, Cole vivia em Zurique, local
de nascimento e morte do fotógrafo. A coincidência reacendeu no escritor a admiração que tinha pela fotografia do telhado e transformou esse fascínio em investigação. Em março, ele então veio ao Brasil tentar descobrir de que lugar Burri havia feito o registro. “Tivemos um inverno muito pesado em Nova York, e eu precisava desesperadamente de uma pausa”, explica o autor de origem nigeriana à Folha. “Em vez de uma praia ou um resort tropical, comprei a passagem para São Paulo e entrei na fase mais forte da obsessão.”

Cole sabia apenas que a foto havia sido feita na capital paulista, cidade que visitou há três anos quando veio ao país como convidado da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). No site da Magnum, conseguiu a reprodução do verso da imagem original, que não serviu para muita coisa.

HOMENS DE NEGÓCIO
Ali, apenas as palavras “Brasil”, “homens de negócio”, carimbos e alguns números. Ao desembarcar na cidade, procurou o curador Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles, cuja sede local fica na avenida Paulista. Avenida Paulista? Rua da Consolação? Avenida da Liberdade? Burri teria fotografado a partir do edifício Martinelli? Ou do Copan? O Edifício Itália também poderia ser uma boa opção.

Foto feita pelo escritor americano Teju Cole do alto do Banespão

Nada. Durante nove dias, Cole subiu no topo destes e de muitos outros prédios. Sem falar português, mostrava quando necessário uma carta escrita por colegas que trabalham –ou trabalharam– na editora que publicou seu livro no Brasil. Nogueira então apelou. Indicou Cristiano Mascaro, 70, um
dos maiores nomes da fotografia brasileira, cujos registros geométricos, cheios de sombras e linhas, dissecam com elegância a arquitetura paulistana.

Sem vacilar, Mascaro reconheceu a avenida São João, no centro da cidade, tema de seu mestrado e local que concentrava as salas de cinema de rua de sua adolescência. Daquele ângulo, Burri só poderia ter feito a foto a partir do edifício Altino Arantes, o popular Banespão. Cole foi ao prédio, hoje fechado para reforma, fez algumas fotos com sua lente de curto alcance e foi embora desanimado, sem encontrar a cena. Achou que, de novo, era o local errado.

Mascaro insistiu. “Eu já havia subido no Banespão em 1986, e a foto do Burri é manjada, todo o mundo conhecia. Eu não tinha dúvida, era lá”, justifica. Já o escritor se lembrou de uma entrevista em que Burri contou detalhes da foto misteriosa. Naquela época, Henri Cartier-Bresson, um dos fundadores da Magnum, proibia o uso de lentes de longo alcance por fotógrafos da agência —o escopo permitido era de 35 a 90 milímetros. O suíço se rebelou e usou uma lente de 180mm. “Ali eu rompi com meu mentor”, disse o suíço na entrevista.

Cole então conseguiu com Nogueira uma objetiva de maior alcance, de 85mm, e correu para refazer a imagem que o perseguia. Com uma lente mais próxima daquela usada por Burri, enfim encontrou a mesma cena, embora ainda em um enquadramento mais aberto. Do alto do Banespão, viu a avenida São João muito diferente daquela dos anos 1960. Em vez de bondes, apenas ônibus, carros e pedestres. Os homens engravatados estavam, na verdade, não no topo, mas num terraço do edifício do Banco do Brasil da rua Líbero Badaró.

Era véspera de sua volta aos EUA, e Cole ainda tinha de devolver a objetiva emprestada. No dia da partida, tentou deixá-la na portaria do Instituto Moreira Salles, sem sucesso. “Foi uma cena cômica com os porteiros: ‘Não’, eles diziam. ‘Por favor’, eu replicava. ‘Não’, eles diziam”, relembra o escritor. “E eu tentando convencê-los de que aquilo não era uma bomba. Mas quando é não é não.” Levou então a lente consigo e, no caminho para o aeroporto, colocou o recepcionista do hotel onde se hospedou em contato com o taxista.

Assim o instrumento-chave para viabilizar sua descoberta não foi levado para Nova York. As imagens realizadas do alto do Banespão, feitas em película, porém, só foram reveladas nos Estados Unidos. “Uma história maluca a desse rapaz, pena que ele fez uma foto bem ruinzinha”, brinca Mascaro.

PROCURA-SE
“Eram gângsteres? Eram banqueiros?”, pergunta o escritor Teju Cole sobre os personagens que aparecem no terraço do edifício na fotografia de René Burri. O autor norte-americano encontrou o prédio registrado na imagem, mas os engravatados no telhado seguem anônimos. Se você sabe algo sobre eles, envie informações para o e-mail ilustrada@grupofolha.com.br.

Curta o Entretempos no Facebook clicando aqui.