Mais que a imagem em si, me interessa o motivo da foto, diz Joachim Schmid

DAIGO OLIVA

O texto abaixo é de Deborah Couto. Obrigado pela colaboração!

Obsessão é a palavra que Joachim Schmid usa para descrever sua relação com a fotografia. Embora o alemão goste de fotografar, sua fixação é colecionar e observar imagens. A mania começou nos anos 1980, quando deu início ao projeto “Pictures from the Street”. Desde então, coleta e cataloga retratos –ou fragmentos deles– achados em espaços públicos. As fotos são remontadas e arquivadas em pedaços idênticos de papel, numeradas, dispostas em ordem cronológica, datadas e sinalizadas com o local onde foram encontradas.

“Meu objetivo é identificar padrões nas figuras. Se alguém as rejeita, reutilizo-as com um novo significado, que passa do cotidiano à arte quando expostas em uma galeria, mas só porque me chamam de artista.” O que Schmid busca
é compreender a cultura através desse “lixo”. Compara o ato de descartar uma fotografia com vodus, como se membros do corpo fossem cortados para se livrar de memórias. “Há um forte sentimento ao se desfazer de uma foto. Com o digital, porém, esse ato se tornou mais simples e menos doloroso”, explica.
“Mais do que a foto, a relação do homem com a fotografia me interessa. O ato e a motivação de se fazer a foto são mais fascinantes que a imagem em si”.

O artista está em cartaz até janeiro de 2016 na mostra coletiva “Public Eye”, na Biblioteca Pública de Nova York. A exposição, cuja entrada ostenta um espelho em convite a uma selfie, traz um panorama de 175 anos de compartilhamento de imagens. Nela estão presentes fotografias da obra “Belo Horizonte, Praça Rui Barbosa” (2002), em que Schmid reproduz negativos de fotos 3×4 recolhidos do chão da praça da capital mineira, onde encontrou fotógrafos lambe-lambe. Os negativos catados das bordas das barraquinhas renderam material para dezenas de imagens, além de uma instalação.

HARMONIA BIZARRA
Em certa ocasião, Schmid recebeu um lote de negativos de médio formato. Quando abriu a caixa, no entanto, viu que todas as peças vieram cortadas ao meio no intuito de serem inutilizadas. Ele descobriu então que poderia emparelhar metades aleatórias para produzir composições bizarras, mas ainda assim harmônicas. Mesmo que os rostos não se encaixassem, a luz utilizada era posicionada de maneira igual para todas as fotos, e a câmera sempre estivera na mesma posição. Assim nasceu “Photogenic Drafts” (1991).

Recentemente, um dos passatempos favoritos de Schmid passou a ser zoar as milhares de imagens publicadas na plataforma digital Flickr e, partir disso, produzir um novo conteúdo. Por isso, inclusive, já foi acusado de fraude e de ladrão de imagens. Deixou de fazê-lo. “Há 20 anos trabalhava com imagens descartadas que conseguia em mercados de pulgas. Hoje, há um excesso ilimitado de fotografias –de ‘dejetos’–, o que muda radicalmente sua função. A foto não serve mais para gerar memórias, mas para compartilhar ações.”

“Não gosto de fazer avaliações para além do retrato em si, pois meu assunto é esse. Mas é claro que se você analisa essas redes sociais, vê que há pessoas que armazenam mais de cinco, dez mil fotos produzidas sem técnica alguma e que jamais olharão para elas novamente. A questão é com qual finalidade elas produzem esse ‘lixo’. Selfie é um saco. Absolutamente desinteressante. Todas são feitas do mesmo ângulo e sem ciência, num exercício de autoadmiração.”

Quando viaja, o artista faz como a maioria das pessoas: utiliza as fotografias para guardar recordações. “Sempre tentamos recriar a memória por meio da imagem. Alguns guardam pedras da praia, eu reúno fotografias. Minha coleção funciona para mim como uma caixinha de memórias.” Sua forma de fazê-lo, entretanto, revela o estilo Schmid de colecionar. “Na minha primeira viagem ao Brasil, não tirei nenhuma foto, mas trouxe um monte comigo”.

O trabalho “Souvenirs” (2010) traz uma montagem com fotos 13×18 cm de colherinhas de metal de diferentes companhias aéreas, cafés, restaurantes e hotéis, todas registradas em quase três décadas de viagens.

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