A imagem do garoto sírio está longe de violência gratuita ou sensacionalismo
Quão chocantes são as fotografias do corpo do garoto sírio de três anos que escancararam a tragédia de milhares de refugiados que tentam chegar à Europa? As imagens da criança, feitas por Nilufer Demir e divulgadas na quarta-feira (2) pela agência de notícias turca DHA, trouxeram à tona outra vez o debate sobre a publicação de imagens explícitas de violência.
Em uma das fotos, o corpo do menino —um dos 12 sírios que morreram após o naufrágio de dois barcos que navegavam em direção à ilha grega de Kos— está estendido na areia, observado por um policial. Em outra, ele é carregado pelo guarda. A imagem não mostra muito bem o rosto do garoto e, embora seja possível inferir que a criança está morta, isso está implícito. Na maioria dos jornais pelo mundo, incluindo a Folha, foi a segunda fotografia que ganhou destaque nas capas das publicações. O registro escolhido, porém, ainda que chocante, está abaixo da força simbólica que a fotografia do garoto estatelado, jogado e sozinho à beira do mar, sintetiza.
Ainda é precoce para colocar a foto do garoto sírio junto a imagens célebres como a da menina nua numa estrada de terra durante a Guerra do Vietnã, mas o que teria acontecido se a imagem de Nick Ut, em 1972, não tivesse a exposição que teve? Muito da atenção dispendida pela imprensa na época para o assunto vem do choque causado pelo registro dramático do vietnamita.
Fotografias como essa estão longe da violência gratuita. Expressam muito mais a explosão de uma situação insustentável, que leva milhares de famílias a se arriscar em travessias perigosas que sensacionalismo ou pura apelação.
Em abril, entrevistei a fotógrafa americana Lynsey Addario, que relatou em sua autobiografia “It’s What I Do” a carreira dedicada à cobertura de conflitos em Afeganistão, Iraque, Paquistão e muitos outros países. Questionei o argumento de muitos fotojornalistas que defendem a exposição de imagens chocantes como forma de mostrar a brutalidade da guerra ao mundo.
“Imagens têm que contar uma história ou contribuir com informações para relatar aquele caso. Não queremos entorpecer os leitores com violência ao ponto em que não se importem mais com nada. Ou que as imagens sejam tão gráficas que o leitor apenas vire a página sem perceber o que está olhando”, disse ela. De fato, a imagem do garoto sírio estraga o café da manhã de qualquer pessoa, mas, ao mesmo tempo, encaixa-se naquilo que Addario defende como uma imagem chocante que justifica a publicação. São imagens como essas que expressam o ápice negativo de questões complexas, que podem impulsionar ações reais e faz do fotojornalismo algo relevante.
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