Mostra revela negativos centenários da modernização do Rio de Janeiro
O texto abaixo foi publicado na “Ilustrada” por Gabriela Sá Pessoa.
Foto 1: no centro, dois meninos, vistos de perfil, estão diante de uma câmera Kodak. Um deles finge que é o fotógrafo e posiciona um lenço sobre da lente. O outro espera pacientemente pelo clique, acomodado em uma cadeira. Foto 2: o menino sentado ergue os braços (toma um susto? festeja?), ao mesmo tempo em que o “retratista” saca seu lenço e deixa a luz entrar pela câmera.
O experimento metalinguístico com os próprios filhos, no começo do século 20, é um dos exercícios do fluminense Alberto de Sampaio (1870-1932), fotógrafo amador que ganha sua primeira exposição a partir desta quinta-feira (17) no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Cerca de 300 negativos
e alguns filmes produzidos por Sampaio repousaram por quase cem anos nos porões do casarão da família em Petrópolis, cidade serrana fluminense.
Eles foram doados em 1985 à Sociedade Petropolitana de Fotografia, mas só seriam descobertos em 1999 pela arquiteta Adriana Martins, curadora da mostra agora em cartaz. Ao realizar um curso no fotoclube, ela vislumbrou naquelas caixas, que “ninguém sabia o que era”, um valor artístico e histórico.
Eram imagens da vida familiar, das transformações no Rio de Janeiro após a reforma urbana do prefeito Pereira Passos no começo do século 20 e até mesmo selfies fazendo a barba, diante do espelho do banheiro. Advogado e de família de classe média, Alberto enveredou-se pela fotografia amadora numa tentativa de capturar o próprio tempo, que resolveu passar rápido demais.
Sua existência compreendeu viradas históricas: nasceu num mundo no qual andava-se de carroça; morreu em outro, em que automóveis circulavam por avenidas recém-abertas e zepelins traziam passageiros da Europa. Em 1930, Alberto de Sampaio filmou a chegada do primeiro dirigível alemão ao Brasil.
Amador, não fazia registros oficiais de eventos, como a inauguração da avenida Central, eternizados por fotógrafos como Marc Ferréz (1843-1923) e Augusto Malta (1864-1957). Preocupavam-lhe mais a vida miúda na cidade, um eclipse em 1907, os tapumes pendentes na inauguração da praça Mauá.
Para Adriana, a produção de Sampaio reflete não só “a empolgação com a imagem, própria da Belle Époque”, mas o desenvolvimento da linguagem fotógrafica. Se no princípio, conta, ele tentava emular a pintura numa espécie de “invenção posada” da realidade, o fotógrafo vai descobrindo o caráter documental de suas fotos –um suporte para a própria memória.
LENTES DA MEMÓRIA
QUANDO de terça a domingo, das 11h às 20h; até 1º/11
ONDE Instituto Tomie Ohtake, r. Coropés, 88, tel. (11) 2245-1900
QUANTO grátis
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