‘O Vazio É um Espelho’, de C. Wallauer
‘O Vazio É um Espelho’, de Carine Wallauer (autopublicado) –
Uma linha torta divide os trabalhos que se conectam aos seus leitores e os
que são anódinos para aqueles que os leem. Em muitas vezes, tramas pouco familiares seduzem pela forma como são contadas. Em tantas outras, uma série de imagens soa como algo que só faz sentido na cabeça de quem a concebeu. A fotografia é um embate interessante justamente porque, embora seja ligada ao registro do real, opera em níveis muito subjetivos. “O Vazio É um Espelho”, de Carine Wallauer, é uma peça delicada. Embalado em papel arroz, o trabalho tem costuras que atravessam o fotolivro, desde o título na capa até as últimas páginas, unidas por uma linha preta. Ainda que seja produzido de maneira artesanal, foge do padrão de publicações que deixam um aspecto desleixado, tosco. Segundo a autora, a obra é “um exercício sobre o modo como nos projetamos em outras pessoas”. “A resistência em confrontar o próprio vazio. Autorretrato em espelho, através dos olhos de um outro.” Não me parece uma tarefa simples. A estratégia de usar uma outra pessoa para fazer uma autorrepresentação, embora não seja original, é formidável. Trabalha com o jogo de espelhos do retrato. Para isso, Carine recorre ora a quadros bem abertos, de paisagens áridas e delirantes, onde uma mulher aparece nua, ora a uma sucessão de fotos de um mesmo rosto. A maior parte de “O Vazio…” está nesta suposta repetição, já que as fotos não são iguais, algo que poderia sugerir ao livro a estrutura de um flipbook. A repetição de imagens é um recurso fantástico, que dá ritmo à edição, reforça argumentos, une pontas soltas que se encontram em algum momento. Nesse caso, no entanto, seu uso foi excessivo, principalmente porque este é um fotolivro curto, de apenas 30 páginas. Aqui, a repetição fez com que a obra ficasse presa a uma ideia que não decola. O espelho se tornou um vazio.
Avaliação: regular
Haikai: em críticas curtas, o blog comenta fotolivros lançados neste ano.
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Em um diálogo com Jorge Menna Barreto, em um curso que ele deu em Recife, ele nos sugeriu pensar a ideia de vazio não como um espaço desprovido de potência, mas que fosse mais próximo da ideia de vácuo. O vácuo seria aquele espaço disponível e pleno em energia que teria força suficiente para puxar para dentro aquilo que esteja em seu entorno. No caso, desejos, projeções ou o que o nosso entorno escolhe oferecer. Prefiro pensar no trabalho de Carine dessa maneira, como um vazio que é vácuo e esse livro é apenas parte dessa trajetória que ela vai construir.
bacana, ana, embora eu tende a achar que esses conceitos superabstratos aceitam e justificam qualquer ideia. é preciso ter cuidado para que o trabalho não seja algo que faça sentido apenas para o seu criador. obrigado pela sua mensagem.
Daigo, o grande problema é que estamos em lados opostos desse debate. Eu acompanho Carine há uns quatro anos. Tenho visto quase tudo o que ela publica e entendo para onde ela está caminhando. Esse livro, para mim, não se desconecta do percurso que ela vem fazendo com seus outros trabalhos. Ele tem um diálogo que vem antes e vai além. A visão que eu tenho desse processo nunca vai ser contemplada por essa crítica que vocês desenvolvem em 25 linhas e a marcação “regular” no final. Até porque, em 25 linhas, a gente tende também a generalizar e abstrair muita coisa. O risco que ela corre é o mesmo que o seu. Eu só penso que a produção crítica tem exigido algo dos fotógrafos que sequer consegue oferecer em termos de retorno de texto e reflexão. Ainda mais em um espaço curto como esse. Vou continuar defendendo que a gente faça mais crítica de processo e acompanhamento do que crítica de produto. O tempo vem passando e a gente continua desenvolvendo nos jornais o mesmo sistema de produção e julgamento de conteúdo de 20 anos atrás. Acho bem lamentável. Desejo formatos melhores para nossas reflexões.
Ana, não há problema algum em estarmos em lados opostos do debate. Normal. O formato proposto por esta seção é que sejam críticas curtas, algo muito comum ao jornalismo. Carine enviou o livro ao blog e sabia que estaria sujeita a um texto neste modelo. É do jogo. Existem outros formatos que contemplam aquilo que você diz procurar. Sobre “críticas do processo”, não vejo como excluir o produto final. Por que chegar ao produto final se o que importa é o processo? Vamos avaliar as filmagens de um longa, e não o longa? Vamos avaliar as viagens que um escritor faz para produzir seu livro, e não o livro? Ficaremos colados a um fotógrafo durante sua jornada para então abstraírmos, como você mesma diz, o livro que resulta desse processo? Desejo, assim como você, formatos melhores para as nossas reflexões.