‘A Cosac foi muito mal administrada’, afirma diretora de arte Elaine Ramos

DAIGO OLIVA

Com o fim da Cosac Naify, anunciado nesta segunda (30/11), criou-se uma “clareira” no mercado. A opinião é de Elaine Ramos, 41, diretora de arte da editora, na qual trabalha há 15 anos. “É uma série de perfis de livros que não tem ninguém publicando aqui. É trágico.” Referência para títulos de design, fotografia e arquitetura, a Cosac fechará após quase 20 anos de existência.

Embora a editora tenha passado por um grande corte de 30% em sua folha de pagamento, em maio, Charles Cosac, fundador da casa, não atribui o encerramento das atividades a razões financeiras. A diretora de arte vai na mesma linha, mas afirma que a Cosac foi “muito mal administrada”. “É uma editora fruto do desejo de apenas uma pessoa, alguém que não tem como objetivo primeiro ganhar dinheiro. Acho que o objetivo do Charles era que a editora se pagasse, mas isso deu margem para muita má administração.”

Procurado pela Folha por e-mail e telefone, ele não foi localizado para comentar o caso. Confira abaixo a íntegra da entrevista com Elaine Ramos.

O que significa o fim da Cosac Naify para o mercado editorial?

O fim da editora abre uma clareira no mercado. É uma série de perfis de livros que não tem ninguém, além da Cosac, publicando aqui. Livros de arquitetura, história da arte, de fotografia, de teoria da fotografia, design… Isso é bastante trágico. Agora, eu acho também que é uma experiência que abriu caminhos. Hoje existem muitas editoras novas que têm um cuidado com o design, um cuidado que não existia há dez anos. Isso tem a ver com a Cosac.

Qual é a razão para ser a única que publica livros desse tipo aqui?

Acho legal falar que não vejo a Cosac como um fracasso financeiro. Não acho que seja. Acompanhei os números da editora ao longo de anos, sei exatamente o que vende de cada livro. O perfil da Cosac seria viável com concessões, não exatamente do jeito que era, mas com concessões pequenas do ponto de vista cultural da editora. A Cosac foi muito mal administrada. O fim da editora é como se esse perfil fosse inviável, e eu não acho que seja. Só acho que é um perfil que tem de estar aliado a um projeto cultural. Se o único objetivo é o de ganhar dinheiro, aí não é uma possibilidade. Teria sido viável dentro de uma equação de se pagar e de intervenção cultural, o que o Charles sempre quis.

Pode exemplificar que concessões seriam essas?

É difícil dizer. A Cosac possui um modelo que claramente é lucrativo para a editora, que é o de livros de domínio público com boas traduções e um bom design. Esse era um carro-chefe em termos de lucratividade, que conseguiria equilibrar alguns títulos que apenas se pagam. Acho que os livros de arte só são viáveis com patrocínio, eles não têm um mercado que pague a matriz, que pague o processo industrial envolvido em um livro no Brasil. Difícil elencar exatamente as concessões, porque elas são sutilezas. O Charles sempre foi uma pessoa muito generosa, e a Cosac sempre foi um lugar que abraçou e acomodou os projetos de muitas pessoas. Isso deu para a editora um espectro muito amplo de atuação, mas que é difícil de manter. E a editora tinha, até hoje, compromissos assumidos por pessoas que trabalharam lá há dez anos.
A Cosac sempre teve como perspectiva um dono cujo objetivo não era ganhar dinheiro, um dono às vezes presente, às vezes ausente, mas dentro de uma generosidade. Isso gerou desde pessoas que roubaram até aqueles que, na melhor das intenções, depositaram ali seus projetos. A soma de tantos trabalhos ao longo dos anos deixou a Cosac numa estrutura muito pesada.

Você está dizendo “roubar” no sentido literal?

Isso é um episódio insignificante, de um menino do site que desviou livros.

Entrevistando pessoas da editora, esse episódio é comentado ora como boato ora como verdadeiro. Qual foi o tamanho deste caso?

A gente não sabe o tamanho disso porque uma parte tem controle, tem registro, tem inventário, e uma parte, não. Os livros sumiam das mesas. Mas o fim da Cosac, de maneira alguma, pode ser atribuído a isso. Porque não é uma pessoa que roubou dinheiro, é alguém que roubou livros.

O Charles já havia ameaçado terminar com a Cosac várias vezes.
O que leva a crer que o fim da editora é para valer desta vez?

Ele está totalmente no direito dele de parar, de mudar de assunto. Ele cansou, foram muitos anos. Teve um passo que a editora deu, que foi a mudança de depósito, que deu errado, virou um problema grande, muito pesado para ele… O Charles abriu a editora por uma coisa voluntariosa, por um projeto, e agora fecha da mesma maneira, porque ele quer fazer outros projetos.

Ele já disse quais são esses outros projetos?

Não [risos]. Mas acho que é isso, a editora sempre teve isso em seu DNA, ela é uma editora fruto do desejo de apenas uma pessoa, alguém que não tem como objetivo primeiro ganhar dinheiro. Para o bem e para o mal.

Não ter como objetivo ganhar dinheiro levou à má administração?

Com certeza. Acho que o objetivo do Charles era que a editora se pagasse, isso estava muito claro. Agora, isso deu margem para muita má administração.

Existe mercado consumidor para uma editora como a Cosac Naify?

Olha, 2015 é um ano de crise, fato. Tem o impacto da queda das compras governamentais, que é um impacto para todas as editoras, algo que já atingiu 2014, mas 2015 não teve compra. Isso tem um impacto muito significativo nas finanças da editora. Fora isso, as vendas da Cosac sempre foram ascendentes, e a editora tem um faturamento, em 2015, que justificaria a sua continuidade. Só que tem uma energia para adequar uma estrutura com essa inércia, com esse acúmulo dos projetos ao longo dos anos, uma estrutura que é pesada. Nesse ano nós já fizemos um movimento para torná-la mais leve. Mas eu o entendo, ele tem direito de se dedicar a outras coisas, a fazer nada, se quiser.

Existia alguma pista que indicava o fechamento da editora?

A gente vem há alguns anos tentando se adequar. A Florência [Ferrari, diretora editorial] fez muito esse movimento de tentar combinar livros mais lucrativos com um rol cada vez menor de livros não lucrativos, além da procura de apoios, patrocínio e parcerias. Era o caminho de viabilidade que a gente acreditava até ontem. Mas o Charles sempre foi uma pessoa instável. Então, ele já havia demonstrado cansaço, exaustão, falta de vontade de fazer os ajustes necessários, porque são ajustes de fato dolorosos, em relação às pessoas, aos projetos. Para mim, não é uma surpresa.

Como você ficou sabendo da decisão?

Numa mensagem dele no domingo [29] e depois numa conversa na segunda.

Comecei a entrevista te perguntando sobre o que significa o fechamento da Cosac para o mercado. E, para você, pessoalmente?

Uma sacudida gigante, que pode ser boa. Eu estava há muito tempo ali. Agora, para a minha área, que é o design editorial, é trágico. Porque, embora existam editoras novas fazendo coisas mais legais do que há dez anos, a Cosac ainda era uma referência muito forte. Não só publicando livros de design, como no design dos livros. Espero que seja algo positivo, uma sacudida numa certa altura da vida. Considero missão cumprida, fiz o que eu pude, aproveitei o quanto pude, fiz coisas legais, tenho orgulho do que fiz. Tenho essa leveza.

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