Em ‘Pense como um Artista’, Will Gompertz escreve interessante livro de autoajuda com verniz artístico
Acabou o acanhamento. Se você gosta de livros de autoajuda, mas nunca teve coragem suficiente para sair com eles em público, seus problemas acabaram. Depois de lançar “Isso É Arte?”, em que passeia com graça e leveza pela história da arte moderna até os dias de hoje, o jornalista e ex-diretor da Tate Gallery Will Gompertz publica “Pense como um Artista”, no qual extrai da trajetória de nomes como Marina Abramovic e Johannes Vermeer lições para “ter uma vida mais criativa e produtiva”. Nada como um verniz artístico para enganar até mesmo o seu amigo mais cínico.
Em 11 capítulos, o britânico discorre sobre autoconfiança, curiosidade, coragem e a importância do fracasso para que artistas entendam que erros são essenciais para atingir patamares mais elevados em suas carreiras. Engana-se, porém, quem acha que “Pense como um Artista” seja apenas um amontoado de frases motivacionais.
A partir de casos curiosos, o autor busca elaborar um discurso que coloca a criatividade como reação à vida digital, automatizada e avassaladora, que exige de nós atenção ininterrupta e obsessiva. Gompertz amplia seu discurso para ressaltar a necessidade de mudanças no sistema educacional e nas rotinas de trabalho. Por que não fazer com que todas as escolas sejam escolas de arte, com programas personalizados a cada aluno e com mais perguntas do que respostas? Os dispositivos para estimular a imaginação de novos projetos em seu emprego são os ideais?
Embora o britânico introduza o livro com o papo furado de que todo mundo pode ser, de alguma forma, um artista, é inegável que exemplos como o do americano Theaster Gates podem nos inspirar. Em 2007, ele realizou a exposição do “famoso ceramista Shoji Yamaguchi” em Chicago.
O público gostou da mostra, mas o mundo da arte só explodiu quando descobriu que a história do japonês que havia chegado aos Estados Unidos na década de 1950, morto durante a viagem que fez ao Japão para mostrar a terra natal à sua mulher, era só uma mentira.
Após ser reconhecido como um grande artista conceitual, Gates hoje usa a posição conquistada para melhorar o bairro em que vive, na periferia de Chicago. Comercializa trabalhos feitos com entulhos —tábuas de assoalho e pilares de concreto dispostos em suportes, por exemplo— e, com o dinheiro das vendas, ergue centros culturais na região. Trata-se de um Robin Hood.
Ao mesmo tempo, Gompertz também desconstrói a ideia romântica do artista que produz apenas por amor. Lembra tanto de Andy Warhol, caso mais óbvio da arte contemporânea, que se alimentou das marcas e do mundo pop para reproduzir o capitalismo, quanto das preocupações financeiras de Van Gogh para ressaltar a importância do empreendedorismo.
Engenhoso, Gompertz combina o exemplo de coragem e medo que motivou Michelangelo a fazer da Capela Sistina sua obra-prima com a habilidade da cantora Adele em se apresentar num estádio como se estivesse em um bar —modelo de artista que consegue pensar no “contexto mais amplo e, ao mesmo tempo, no detalhe mínimo”. Assim como em “Isso É Arte?”, a linguagem é fácil e bem-humorada, um alívio para livros sobre movimentos artísticos —Gompertz fez curso de comédia stand-up para conseguir contar 150 anos de história da arte de maneira mais atrativa.
Quando repete o esquema do livro anterior, com perfis de pintores, performers, músicos e filósofos, “Pense como um Artista” se torna uma leitura mais interessante do que divagações sobre como ser criativo. Se o leitor encarar a obra como um manual de instruções, dificilmente virará um Picasso. Mas se olhá-la como uma ode à imaginação e às mentes inquisidoras, eis um bom livro.
PENSE COMO UM ARTISTA
AUTOR Will Gompertz
TRADUÇÃO Cristina e Iara Fino
EDITORA Zahar
QUANTO R$ 31,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom ★
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