Fotografia é a principal ferramenta para o roteiro tenso e maniqueísta de ‘Sicario: Terra de Ninguém’
Em outubro de 2015, quando “Sicario: Terra de Ninguém” estreou nos cinemas brasileiros, o crítico Pedro Butcher escreveu na Folha: “O filme é como um frágil castelo de cartas, que depende fortemente de elementos como a fotografia e a música para não se desmantelar”. Quatro meses depois, o longa dirigido pelo canadense Denis Villeneuve, do ótimo “Incêndios” (2010), concorre apenas a prêmios técnicos no Oscar deste ano –fotografia, edição de som e trilha sonora.
Não se trata de uma obra sofrível, mas “Sicario” é mesmo uma trama esquemática e maniqueísta, na qual a protagonista, interpretada por Emily Blunt, faz o papel de uma policial da divisão anti-sequestros do FBI e que faz tudo dentro da lei. Mas ela se envolve numa operação sem muitos escrúpulos, que mistura interesses pessoais e públicos, para chegar a um chefe do narcotráfico mexicano. O espectador tarimbado já entende como o jogo funciona apenas com essa sinopse.
De todos os concorrentes a melhor fotografia, “Sicario” é o menos exuberante. Não é um filme que traz imagens absurdas, para deixar o espectador extasiado. Este também não é o objetivo de Roger Deakins, cinematógrafo do longa, que em uma entrevista à revista americana “Variety” disse que “seu trabalho não é criar imagens incríveis, mas criar imagens que tenham um propósito”. Deakins opera de uma maneira mais sutil –faz um filme de ação que, na verdade, parece um filme sem ação.
http://mais.uol.com.br/view/15515536A maioria das cenas do longa são filmadas numa tensão insuportável, como se fosse possível fazer uma “calma violenta”. A câmera passeia lentamente pelos locais e personagens, anunciando algo que vai ocorrer, mas que nunca ocorre. Em uma das passagens, a personagem de Emily Blunt aponta a arma para Benicio Del Toro por angustiantes e longos segundos. É interessante como a fotografia e o som funcionam como as principais ferramentas do suspense criado por Villeneuve.
Deakins não produz imagens lindas –funciona de maneira engenhosa. Discretamente, influencia a trama sem recorrer a malabarismos visuais o tempo todo. Há, no entanto, uma diferencial forte: o uso de infravermelho para a sequência do túnel na fronteira entre o México e os EUA. Percebe-se que há coerência ao colocar o espectador na mesma situação da polícia naquele local fechado.
Entre os cinematógrafos na briga pelo Oscar de 2016, ninguém disputou tanto a estatueta quanto Deakins, que está em sua 13ª indicação. Nos últimos quatro anos, foi lembrado todas as vezes, incluindo a primeira parceria com Villeneuve: “Prisioneiros”, de 2013. O coitado, porém, nunca venceu, mesmo em 2008, quando concorreu com dois filmes, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”, este último dirigido pelos irmãos Coen, com quem Deakins tem longa colaboração. Fez também a fotografia de “Fargo”, “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, “O Homem que Não Estava Lá”, “Bravura Indômita” e “Ave, César!”, o último dos cineastas. Tudo indica que ele não levará mais uma vez, pois Emmanuel Lubezki, de “O Regresso”, é überfavorito. Após “Sicario”, Deakins e Villeneuve farão a sequência de “Blade Runner” juntos. Quem sabe com uma refilmagem de um clássico o britânico enfim consiga ganhar?
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Esta postagem faz parte de uma série sobre os indicados a melhor fotografia no Oscar deste ano. Além de “Sicario”, falei sobre a estética de “Carol”, “O Regresso” e “Mad Max”. Na semana que vem volto para discorrer sobre os elementos visuais de “Os Oito Odiados”, de Quentin Tarantino.
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