Fotógrafo André Penteado reúne trabalhos sobre suicídio em exposição no Centro Cultural São Paulo
Uma vez por mês, durante três anos, André Penteado reuniu-se com um grupo de desconhecidos. No fundo de uma igreja presbiteriana em Londres, onde morou por quase sete anos, ele se sentava ao lado de alguém que, por ventura, contaria uma história. Quem quisesse narrar uma passagem de sua vida, no entanto, tinha que seguir uma regra: primeiro era preciso dizer o próprio nome, que familiar havia perdido e há quanto tempo isso havia ocorrido. O motivo todos sabiam.
Entre lembranças e casos de pessoas que temiam a chegada das festas de final de ano, André, 46, demorou meses para contar sua história. Um ano antes, perdia o pai. Nesse período, fez terapia, mas percebeu que precisava procurar outra alternativa. Embora no grupo de apoio a familiares de suicidas não houvesse psicólogos nem a necessidade de falar algo, o fotógrafo lembra que ali havia a sensação de pertencer àquele lugar. Tanto que muitas das reuniões terminavam num pub.
Participar dos encontros era a continuação de um processo iniciado duas semanas após o enterro de seu pai. Em fevereiro de 2007, André pegou todas as roupas deixadas pelo genitor e as levou para seu estúdio, onde fez autorretratos vestindo-as. O ensaio “O Suicídio de Meu Pai”, que mais tarde se tornaria um fotolivro, foi a primeira parte de uma série de trabalhos que se cristaliza agora, nove anos depois, na mostra “Não Estou Sozinho”, em cartaz no Centro Cultural São Paulo.
Mas, se em “O Suicídio de Meu Pai” André documenta uma experiência pessoal de uma maneira muito particular, as obras inéditas exibidas no CCSP mostram outras pessoas que viveram a experiência do suicídio. Ainda assim, mesmo que os protagonistas dos ensaios sejam 21 participantes do grupo de apoio do qual André fez parte, engana-se quem espera encontrar nas imagens os rostos dessas pessoas. O fotógrafo até tentou captar suas expressões: começou com retratos dos personagens segurando objetos que pertenciam aos suicidas. Não deu certo. Depois, passou a fazer closes dos rostos, como se fossem 3×4 para documentos. Não rolou. Por fim, encontrou nos cantos das casas, sem ninguém nas fotos, uma forma de representar a ausência.
“Pensei em registrar os lugares onde as pessoas se mataram, mas depois percebi que minha energia não é de quem morreu, mas de quem permaneceu”, explica o também autor do fotolivro “Cabanagem”, sobre reminiscências da revolta ocorrida no Grão-Pará no século 19. “O importante é o vazio, e não o lugar da morte.” André também pediu aos personagens para documentar objetos dos familiares mortos e os lugares onde estavam guardados. Um chapéu, uma caneca ou uma foto –num caso irônico em que o exercício proposto pelo artista, de fotografar para mitigar a dor, reaparece no próprio trabalho– são exemplos de itens que revelam “a localização do afeto”.
Embora as duas séries, “Vazio” e “Memórias”, tenham sido montadas na exposição uma de costas para a outra, não há ali um jogo de frente e verso. A imagem de uma casa nunca faz ligação direta com o registro de um dos objetos colocado logo atrás. Na verdade, o que ligam as fotografias, além de uma estética marcada por um flash bruto, que toma as fotos violentamente, são as palavras que as acompanham. Em “Vazio”, cada lugar registrado ganha o nome do familiar morto –pai, mãe, irmão, irmã–, enquanto em “Memórias” é a descrição do objeto que vai abaixo das imagens.
Para fazer os ensaios, André transitava pelo metrô de Londres carregando uma câmera de médio formato, luzes e tripé, rotina que o fotógrafo se recorda como um “calvário”. Talvez por isso, ele tenha aproveitado todas as visitas que fez para extrair o máximo de seus personagens. Após os retratos, pedia ainda para gravar vídeos, nos quais as pessoas tinham de responder “qual era a sensação de perder um familiar que se matou”. As gravações foram feitas de uma única vez, sem preparação, e exibidas sem cortes. Os depoimentos –“algo cru, muito honesto”– reproduzem, de certa forma, a dinâmica do grupo de apoio que originou grande parte de “Não Estou Sozinho”.
A exposição também exibe outro vídeo, que reconta uma outra história trágica que se passou com o fotógrafo: um amigo que, após pedir ajuda a André, suicidou-se. A filmagem mostra os trilhos do trem enquanto o artista voltava para casa depois do velório. “No meu trabalho há uma tentativa de não ficcionalizar a obra, de não tirá-la do real para levar o espectador a outro lugar. É uma história real? É.” O fotolivro grátis que abarca trabalhos da mostra será lançado em 6/8 no CCSP.
NÃO ESTOU SOZINHO
ARTISTA André Penteado
QUANDO de ter. a sex, das 10h às 20h; sáb., dom. e feriados, das 10h às 18h; até 21/8
ONDE CCSP, r. Vergueiro, 1.000, tel. 11-3397-4002
QUANTO grátis
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