Reconhecer que filhos têm faceta erótica é trunfo do fotolivro ‘Tenko’, de Hanayo e Hajime Sawatari
‘Tenko’, de Hanayo e Hajime Sawatari – É muito comum, quando adolescente, ter repulsa à ideia de imaginar os próprios pais transando. Quando amadurecemos, porém, a relação se inverte, e a dificuldade passa a ser a de enxergar a sexualidade dos próprios filhos –jovens, cheios de energia e colágeno. “Tenko”, dos japoneses Hanayo e Hajime Sawatari, arrebata ao apresentar uma narrativa que começa doce, nos primeiros dias da bebê que dá nome ao fotolivro, e termina erótica, na explosão de hormônios de uma adolescente prestes a se tornar mulher. Hanayo e Hajime não são uma dupla, tampouco um casal. A primeira, a mãe de Tenko, registra obsessivamente todos os momentos da filha, seja em Tóquio, onde a garota nasceu, ou em Berlim, onde elas foram viver. O segundo é o autor de “Alice”, livro lançado em 1973, um dos favoritos de Tenko durante a infância, no qual o fotógrafo faz sua versão do clássico de Lewis Carroll (1832-1898). À primeira vista, o leitor desavisado pode pensar que este é um trabalho de um único autor, já que a mudança de estilos durante o transcorrer das páginas é sutil. Ainda que seja possível se espantar com a metamorfose na maneira como o observador mira a garota –do olhar de afeto para o de desejo–, não há nenhuma indicação da passagem das fotos de Hanayo para as de Hajime. Depois, com atenção, a troca fica evidente: suavemente, as cores lavadas e delicadas de registros cotidianos dão lugar ao preto e branco de poses e composições calculadas. Há outras pistas também: na capa, um ideograma dourado sobre tecido vermelho é sutilmente dividido por um relevo. O mesmo ocorre na lombada, com o título do fotolivro e o nome dos autores partidos em fontes diferentes.
O design da obra, aliás, é um primor, como é costume nas publicações japonesas. O tamanho das imagens varia o tempo todo, a lateral das páginas são banhadas em tinta dourada e pequenos cartões soltos espalham textos de Hanayo pelo livro. Embora “Tenko” seja um livro longo –o que reflete um desejo muito comum entre pais, de guardar a maior quantidade possível de memórias dos filhos–, o trabalho não é maçante. Longe disso. Tem ritmo e graça, em que o leitor acompanha o crescimento da garota até desembocar no afloramento de sua sexualidade. Tenko encontrou-se com o fotógrafo que admirava quando tinha 15 anos e, tempos depois, tornou-se uma de suas principais modelos. É curioso como Hajime ainda conserva a combinação de inocência e sensualidade que usou em “Alice”. Aqui, contudo, o erotismo é muito mais explícito, sobretudo porque ele retrata uma mulher, e não mais uma criança. Reconhecer que os filhos crescem e deixam de ser pequenas criaturas dependentes dos pais não é uma tarefa simples. “Tenko” tem o poder de mostrar que essa transição ocorre de maneira silenciosa, sem que seja algo perceptível e, muitas vezes, por meio do olhar externo. É uma das melhores obras deste ano.
TENKO
AUTORES Hanayo e Hajime Sawatari
EDITORA Case Publishing
QUANTO R$ 190,50 (368 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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Haikai: em críticas curtas, o blog comenta fotolivros lançados neste ano.
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