Marcelo Brodsky aproxima refugiados que tentam cruzar o Mediterrâneo de exilados de ditaduras
Em 1967, 32 estudantes posaram para um retrato. Sentados na arquibancada de uma sala de música, os alunos estão sorrindo. Os meninos usam terno, as meninas, casacos e vestidos. Duas delas seguram uma placa, que os identifica: sexta divisão do primeiro ano do Colégio Nacional de Buenos Aires. Quase três décadas depois, o argentino Marcelo Brodsky, presente na foto, retomou o registro escolar. Utilizando giz de cera, o artista escreveu o destino de cada um dos colegas sobre a imagem. Erik e Alvaro foram viver em Madri. Ana foi para Israel há 20 anos. Silvia tornou-se fisioterapeuta. Claudio morreu num confronto com o Exército. Pablo também, mas devido a uma enfermidade. Martín foi o primeiro a ser sequestrado –nem chegou a conhecer seu filho, Pablo.
O que seria uma simples recordação da turma daquele colégio virou uma representação dos casos de horror que permearam a ditadura argentina. No retrato há desaparecidos, sobreviventes e exilados. Embora a obra de Brodsky tenha sido produzida há 20 anos, o trabalho voltou a ser celebrado por duas razões: no final de outubro, o MET (Metropolitan Museum of Art), em Nova York, adquiriu “La Clase”, cujo processo é o ponto de partida para uma mostra com curadoria de Priscila Arantes no Paço das Artes, agora fixado dentro do Museu da Imagem e do Som de SP.
Na exposição, o argentino volta a resgatar memórias pessoais para chamar a atenção para a questão dos refugiados, que, em sua maioria, saem da África e da Síria em direção à Europa. Numa pequena e escondida sala no último andar do MIS, Brodsky toca o tema de três maneiras: com imagens do período em que ficou exilado na Espanha; com fotos de seu arquivo familiar, já que seus avós, de origem russa, imigraram para a América do Sul na virada do século 19 para o 20; com registros de imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo feitos por agências de notícias.
Nos dois últimos casos, as obras receberam a intervenção do artista nos mesmo moldes de “La Clase”. Na imagem principal, que abre a mostra, uma foto em preto e branco de refugiados com roupas pesadas ganha frases como “queremos que nos recebam” e “o asilo é um direito”, além de cores em pedaços do vestuário dos personagens. Brosdky direciona o olhar do espectador para detalhes que poderiam passar despercebidos. No canto inferior à extrema esquerda desta mesma foto, escreve “branding” abaixo da logomarca de uma mochila da Puma. Noutra, pinta apenas o bote com dezenas de africanos resgatados por um navio italiano. Esses registros dramáticos, que devido ao volume gigantesco de imagens sobre o assunto ficaram saturados, são renovados a partir de uma estética que à primeira vista parecem suavizar o tema. Ao observar as obras com mais cuidado, no entanto, percebe-se o olhar intenso de uma menina, marcado pelo argentino com giz roxo, assim como o contraste entre o colorido de pequenas porções de terra e os refugiados africanos, todos em preto e branco, realça ainda mais a celebração destes ao chegar à Espanha.
Com os registros de sua família e de si próprio, Brodsky traça uma linha que liga os processos migratórios do passado aos atuais. Para o artista, todos são refugiados, “ou a qualquer momento, podem vir a sê-los”. Na foto em que sua avó Rosa Masevich de Brodsky aparece rodeada de outras mulheres, o argentino escreveu tanto a frase “tudo parece tranquilo” quanto “o futuro é incerto”, nada diferente da atmosfera que envolve “La Clase”. Essa narrativa comum aproxima refugiados sírios e africanos aos tantos italianos e japoneses, por exemplo, que vieram tentar a vida no Brasil. Na Espanha, Brodsky fez um “Autorretrato Fuzilado”, no qual aparece com os braços abertos, como se estivesse estirado contra a parede, mas com o rosto encoberto por uma árvore. Essa parece ser a condição permanente de quem está fora de seu lugar, em trânsito, sempre fugindo de algo.
MIGRAÇÕES
ARTISTA Marcelo Brodsky
ONDE Paço das Artes, dentro do Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, tel. 11-2117-4777)
QUANDO de ter. a sáb., das 12h às 20h; dom., das 11h às 19h, até 20/11
QUANTO grátis
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