Cometer erros é fundamental para o processo criativo, defende designer holandês Erik Kessels
Erik Kessels é o melhor chefe do mundo. Na KesselsKramer, agência de comunicação da qual é sócio e diretor criativo, quem acerta se dá bem, mas quem comete erros se sai melhor ainda. Para o designer, que também atua como curador de fotografia, falhar é vital para o processo criativo, levando ideias a um lugar que talvez ninguém imaginasse existir. “Não defendo esse pensamento para médicos ou taxistas, mas para quem trabalha com criatividade”, diz ele, que participa da conferência What Design Can Do, em São Paulo, na quarta-feira (14).
No evento, que também ocorre na terça (13) e se autodefine como um fórum internacional para discutir o “design como ferramenta de transformação da sociedade”, Kessels, 50, discorrerá sobre o livro “Failed It!” (Phaidon, US$ 8,61, sem edição em português), no qual advoga contra a perfeição e sugere que pessoas apontem para o sentido errado de propósito.
O holandês chama a atenção desde o final dos anos 1990, quando passou a publicar revistas e livros com narrativas criadas a partir de imagens apropriadas de álbuns de família e da internet. Em 2012, exibiu em Amsterdã a instalação “24h of Photos”, para a qual baixou todas as imagens publicadas no site para imagens Flickr em um só dia e as imprimiu, dando forma a pelo menos 50 mil arquivos digitais. “Vivemos num período em que, antes mesmo do almoço, já tivemos contato com mais imagens do que alguém do século 18 em toda a sua vida. Isso muda a maneira como percebemos a fotografia.” No livro, para exemplificar seu conceito errático, também utiliza fotos, muitas delas realizadas por amadores.
O que “profissionais jogam no lixo e famílias enviam como cartões de Natal” –cenas desfocadas, com pés cortados ou com dedos na lente–, ele encara como inspiração. Diferentemente de profissionais, que criam a partir de precedentes artísticos, diz ele, amadores experimentam mais e mal sabem onde vão parar –o que pode dar espaço à originalidade.
Segundo Kessels, a fotografia oferece três tipos de erros: os que ocorrem em frente à câmera (cenas inusitadas formadas ao acaso); os que se passam na câmera, como equipamentos digitais com defeitos; e os que acontecem atrás da câmera, “que são os mais interessantes”. “Você tem uma ideia e gera algo curioso a partir do erro”, afirma.
Falhar, segue o holandês, tem a ver com o tempo que nos debruçamos sobre uma ideia. Esse tempo tem de ser muito maior do que o que gastamos com a execução de trabalhos, pois a criação deve ser a etapa mais importante para qualquer pessoa que atua na indústria criativa.
“Podemos fazer o que quisermos com os materiais e as ferramentas disponíveis hoje em dia. Mas o que nós vamos fazer? Esta é a questão.” O discurso é bonito, mas o que Kessels faz na prática se um de seus funcionários comete um erro? “Dou um bônus a ele!”, brinca o designer.
Leia abaixo a entrevista com Erik Kessels.
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Entretempos – O que você faz quando um de seus funcionários comete um grande erro?
Erik Kessels – Eu dou um bônus a ele! O livro é sobre o fato de que hoje em dia, especialmente na indústria criativa, nós temos muitas ferramentas que são dirigidas para a perfeição, como computadores, telefones, sistemas de navegação e câmeras. Tudo funciona sem erros. Mas, para a criatividade, a perfeição não é um bom começo. Por isso, promovo a ideia de que, no processo criativo, você precisa olhar diretamente para erros ou ir na direção errada de propósito. Eu não defendo isso para médicos ou taxistas, mas para pessoas que trabalham com criatividade. Falhar leva você a um novo lugar. Falhar mostra uma área ou um campo que você talvez nunca tivesse estado antes.
Mas nós temos tempo e espaço suficientes para falhar no nosso dia a dia?
Desperdiçamos muito tempo com a execução dos trabalhos, mas isso vem diminuindo. Agora é possível realizar trabalhos muito mais rapidamente, o que significa que há mais tempo para se debruçar sobre uma ideia, experimentar, ir para a direção errada ou cometer erros nesse processo. Porque, neste momento, para designers, diretores de arte, fotógrafos ou qualquer pessoa da indústria criativa, a ideia é o mais importante. Podemos fazer qualquer coisa que quisermos com os materiais e as ferramentas disponíveis. Mas o que nós vamos fazer? Esta é a questão.
No livro, você dá exemplos da importância do erro por meio de fotos. Como você fez essa conexão?
A fotografia tem três tipos de erros: os que ocorrem em frente à câmera, que muitas vezes são aqueles encontros afortunados que acontecem por acaso; os que ocorrem na câmera, como câmeras digitais que estão com defeitos; e os que ocorrem atrás da câmera, que são os mais interessantes. Você tem uma ideia e, muita vezes, gera algo interessante a partir de um erro.
Você tem diversos trabalhos com imagens de arquivos, fotos feitas por outras pessoas. E, hoje, vivemos um período em que tudo está mais público, tudo está mais exposto. Isso é bom? Precisamos ver tudo o que é publicado?
Vivemos em um período no qual, antes mesmo de almoçar, já vimos mais imagens do que uma pessoa do século 18 viu em toda a sua vida. Isso muda a forma como percebemos a fotografia, como lidamos com isso. Nós compartilhamos fotografias rapidamente e vamos logo em seguida para a próxima imagem. Tornou-se algo muito descartável. Às vezes, por exemplo, eu observo esses comportamentos: nós não usamos mais cadernos. Um telefone com uma câmera é um caderno. Você estaciona o carro em algum lugar e fotografa o número de identificação da vaga onde o carro foi estacionado. Não era assim. Geralmente, eu gosto muito de fotos amadoras, e agora profissionais podem aprender muito com a forma de produzir dos amadores, porque eles são mais ingênuos, mais interpretativos e mais dispostos a cometer erros. Por anos eu me interessei por fotografias que amadores criaram sem saber que eles iriam fazer isso. E eu faço a mesma coisa no meu trabalho profissional: aprendo a partir do comportamento de amadores.
Que diferenças de comportamento você percebe de décadas passadas para agora por meio das fotos?
O comportamento não mudou muito, apenas a quantidade. O período em que as pessoas continuam fotografando com mais frequência na vida delas é quando têm filhos, tanto faz se é analógico ou digital. Eu fiz uma instalação chamada “24 Hours of Photos”, na qual baixei e imprimi fotos publicadas no Flickr durante um dia inteiro, ou seja, cerca de 50 mil imagens. E ali você vê o mesmo tipo de comportamento que você veria nos anos 1970 ou 1980. Então, apenas a quantidade é muito maior, além do fato de as pessoas agora experimentarem mais –e, se cometerem erros, tudo bem. Eu estava sentado ao lado de uma mulher num avião e ela disse que fez 5.000 fotos de seus netos. Durante a viagem, de uma hora, ela deletou muitas delas. Que comportamento é esse que você faz 5.000 fotos e deleta 2.5000? É bizarro, e as pessoas se tornaram mais editores hoje em dia, decidindo o que ver, o que ouvir, o que ler.
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ERIK KESSELS NO WHAT DESIGN CAN DO
QUANDO quarta (14), às 16h50
ONDE Teatro Faap, r. Alagoas, 903, tel. (11) 3662-7232
QUANTO R$ 690 (para os dois dias), R$ 400 (entrada para um dia)
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Bacana.