Trump, Temer, políticas antimigração e incertezas no mundo projetam ano empolgante para a arte

DAIGO OLIVA

Os mesmos motivos que fizeram muitos detestarem 2016 farão com que 2017 seja um ano empolgante para a arte. A eleição de Trump nos EUA, a perspectiva de uma possível vitória da ultraconservadora Marine Le Pen no pleito presidencial francês, o recrudescimento de medidas antimigratórias na Europa e a instabilidade num Brasil dividido, entre outros pontos controversos, serão, com intensidade ainda maior, o ponto de partida para diversos artistas.

Com os desdobramentos desses acontecimentos, temas de interesse geral entrarão de vez na pauta de fotógrafos, escritores, músicos e artistas dos mais variados espectros. Este movimento funcionará também como reação ao mergulho contemporâneo em obras que gravitam em torno de tópicos do universo íntimo, tais como reflexões sobre memórias e sexualidade, e de peças que versam sobre o próprio suporte utilizado. Na fotografia, o novo formalismo, cujos registros supostamente se dedicam à natureza das imagens, tornou-se corrente forte nos últimos anos.

O cenário brasileiro é especialmente curioso, uma vez que a geração nascida no período final da ditadura deve enfim se voltar ao panorama político nacional. Se o contexto do país até então parecia livrá-los de questões tão explícitas quanto a repressão militar, o horizonte pós-junho de 2013 é mais urgente. Não há dúvida de que muitos artistas já produzem trabalhos nesta direção, mas as circunstâncias atuais empurram todos para um mesmo caminho. A reação de grande parte da classe artística contra o processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff deve extrapolar o ativismo de redes sociais –ou de camisetas “Fora, Temer” na abertura da Bienal de Arte de São Paulo— para desembocar com mais contundência em suas produções.

Alguns trabalhos já surgem entre nomes relevantes do cenário brasileiro, caso de Clara Ianni, 29, que, por meio de imagens das mãos de políticos que assumiram os ministérios do então presidente interino Michel Temer, construiu uma análise visual do evento de posse do novo governo.

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“Tratado” integrou uma mostra coletiva realizada na Galeria Vermelho, em junho passado, que buscou o olhar de artistas sobre a conjuntura política brasileira. Também destacaram-se na exposição Marilá Dardot, que desconstruiu a bandeira nacional para em seguida reconstruí-la com palavras usadas por deputados federais que votaram a favor da abertura do processo de impeachment, e Lais Myrrha, com colagens feitas de imagens publicadas em jornais para então ilustrar passagens do momento político do país. Goste-se ou não do que ocorreu com a ex-presidente petista, a arte tem de refletir e provocar sobre fatos que nos rodeiam. O desafio será criar obras que ultrapassem a barreira do meramente panfletário, caso de Lourival Cuquinha, que circulou por vernissages com letreiro de LED que piscava “Fora, Temer!”.

São muitos os tópicos relevantes que estão à mesa. Democracia, violência, tradições, pesos e contrapesos, fronteiras… Há uma infinidade de assuntos que podem facilmente suplantar os gritos frágeis e fáceis de fora isso ou aquilo e criar observações mais engenhosas sobre o contexto atual. Um bom exemplo do que pode ser realizado a partir de questões políticas é o guia “Europa”, criado pelo fotógrafo da Magnum Thomas Dworzak com a ajuda de diversas ONGs. O que seria uma espécie de roteiro para responder perguntas práticas de refugiados e migrantes sobre o continente desejado, tornou-se um um guia histórico e sociológico da Europa. O tamanho da importância da crise dos refugiados para a arte pode ser medido por meio da Documenta, uma das mostras mais importantes do mundo. Realizada a cada cinco anos, a exposição ocorrerá neste ano não apenas em Kassel, na Alemanha, mas também em Atenas, na Grécia, país que serve de entrada para muitos que querem chegar ao continente. A ideia dos curadores é desenhar um “mapa político e poético da Europa diferente do que o projetado pela União Europeia”.

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Em dezembro de 2016, o jornal britânico “The Guardian” publicou um interessante texto no qual sugere que a vitória de Donald Trump seja o gatilho para uma retomada de protestos de bandas punks. Segundo a reportagem, o bilionário pode ser tão odiado quanto Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA entre 1981 e 1989, período de ebulição dos grupos essenciais do hardcore americano, como Black Flag, Government Issue, Dead Kennedys e… Reagan Youth. O republicano serviu de combustível para uma geração que não só produziu discos excelentes mas também influenciou milhares de bandas em todo o mundo. No Brasil, ainda na década de 1980, um quarteto chamado Tropa Suicida compôs a delicada canção “Morra, Reagan”.

Se por um lado o ano parece ter os elementos necessários para a criação artística, há uma faceta pessimista, ao menos por aqui: dinheiro. Seja pela crise econômica ou pela demonização que afastou empresas da lei Rouanet, buscar financiamento ou patrocínio para produção de obras, exposições e festivais será cada vez mais difícil. Ainda assim, cabe aqui um resgate que serve de alento. O recente boom dos fotolivros espanhóis só ocorreu, segundo quem participou deste renascimento, devido à crise no país. “A falta de apoio institucional e do governo fez com que fotógrafos soubessem que os frutos só viriam de esforços próprios. Para mim, a crise foi maravilhosa”, disse Fosi Vegue, autor de “XY XX” e membro do coletivo BlankPaper. Para o historiador Horacio Fernández, “quando há muita oferta, é difícil que se façam coisas brilhantes”.

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ps. o blog ficou ausente durante mais de um mês devido ao fim da gravidez e nascimento de minha segunda filha, a pequena e formosa Nara. Vou aproveitar o tempo que tirei para apreciá-la nesses primeiros dias para retomar os textos por aqui. Ainda estou devendo resenhas dos livros lançados no final do ano passado pela Fotô Editorial e pela Ubu Editora –desta última destaco “Ressaca Tropical”, de Jonathas de Andrade, artista cuja obra ilustra a primeira imagem desta publicação.

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