Com imagem de morte de embaixador, World Press Photo prioriza fotojornalismo cru e menos cerebral
Em 19 de dezembro, 12 dias antes de 2016 terminar, Burhan Ozbilici tornou-se o autor da imagem do ano. Com o dedo em riste e expressão de fúria, o policial turco Mevlut Mert Altintas foi fotografado segundos após assassinar o embaixador russo Andrey Karlov em uma galeria de arte em Ancara. O enquadramento cambaleante, fruto do pavor do momento, quando jornalistas e convidados acompanhavam a abertura de uma exposição, corta um dos pés e uma das mãos do político, estendido no chão. Um pedaço do microfone no qual Karlov discursava também aparece. Embora a imagem escorra instinto e informação, elementos fundamentais do fotojornalismo clássico, os elegantes trajes do assassino e a luz fria da galeria aproximam a foto de uma cena de cinema. Nesta segunda (13), o registro de Ozbilici, da Associated Press, foi escolhido como a fotografia do ano pelo World Press Photo, o mais importante prêmio de fotojornalismo no mundo.
A vitória do fotógrafo turco é a confirmação de que a competição busca, ao menos em sua principal categoria, um retorno a um fotojornalismo mais direto. O resultado do ano passado já exibia a preocupação em celebrar um tema que dominou o noticiário durante o período –o drama dos refugiados–, mas, ainda assim, sem deixar o cuidado extremo com a estética de lado. Em preto e branco, o australiano Warren Richardson fotografou um homem passando um bebê por baixo de uma cerca de arame farpado em Röszke, na fronteira entre Hungria e Sérvia. Foi uma quebra em relação às duas premiações anteriores, centradas em assuntos contemporâneos. Em 2015, o registro de um casal gay, realizado pelo dinamarquês Mads Nissen, na Rússia, foi o vencedor. Um ano antes, a imagem do americano John Stanmeyer sobre um grupo de imigrantes somalis em busca de sinal de celular na costa de Djibuti, no leste da África, foi a escolhida. Ainda que tratasse de imigração, o elemento que mais chamava a atenção era o tema da disseminação da tecnologia.
A foto de Ozbilici está longe de ser esteticamente pobre. Mas a característica que salta aos olhos é, sobretudo, a coragem para capturar o flagra. Trata-se de imagem cheia de onomatopeias, com conexão direta ao leitor, sem deixar espaço para raciocinar. Em vez do preparo, a reação ao inesperado. Mais intenso, menos cerebral. A foto escolhida em 2017 é como um nocaute de um soco só, enquanto as vencedoras de anos mais recentes são como surras em câmera lenta. Contudo, segundo reportagem da revista “Time” com pessoas ligadas aos jurados deste ano, a escolha da imagem do turco foi apertada. O chefe do júri, Stuart Franklin, por exemplo, discorda da decisão. Para ele, que também é fotógrafo da Magnum, conceder o prêmio mais importante do World Press Photo ao registro de um assassinato premeditado é amplificar a sua mensagem. Em um ótimo texto para o jornal britânico “Guardian”, Franklin deu mais detalhes sobre sua posição.
LALO DE ALMEIDA
Pela primeira vez, um fotógrafo da Folha está entre os vencedores do World Press Photo. Lalo de Almeida ficou em segundo lugar na categoria para histórias de temas contemporâneos com o ensaio sobre vítimas da zika no Nordeste, parte de um especial publicado pelo jornal em dezembro. Além do olhar fora da curva, Lalo é uma pessoa de inteligência e elegância admiráveis. Fico extremamente feliz com o resultado, tanto no plano profissional quanto no pessoal. Parabéns também ao brasileiro Felipe Dana, que ficou em terceiro lugar na categoria Spot News.
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Não existe este termo “fotojornalismo cru”. Fotojornalismo é fotojornalismo: sempre foi cru e direto.
Discordo. Há diversos exemplos recentes de fotojornalismo que flertam com iniciativas artísticas, com linguagem menos diretas e mais cerebrais. Essa, aliás, é uma tendência muito forte. A foto vencedora vai no movimento contrário.
Nossa, algumas fotos me emocionou … a do bebê morto e do rinoceronte sem o chifre foram as piores no sentido de mais doer mesmo … O ser humano é a mais bela e mais horrível criatura no planeta …