Virtude de ‘Tropeço’ é tornar obra ‘anti-edição’ em fotolivro aberto a diferentes maneiras de edição
‘Tropeço’, de Mario Lalau (Fotô Editorial) – Ainda há vantagens em ser jornalista nos dias de hoje: com uma diferença de dez minutos, recebi dois exemplares de “Tropeço”, de Mario Lalau. Antes que me chamem de “jabazeiro”, saibam que ter visto duas cópias da obra foi determinante para entendê-la, uma vez que os exemplares não são iguais. Sem encadernação, as páginas desse fotolivro podem ser organizadas de diversas maneiras. O recurso é comum –lá fora, “(based on a true story)”, de David Alan Harvey, e aqui, “Tcharafna”, de Gui Mohallem, são exemplos recentes desse tipo de construção. Poucas vezes, no entanto, vi um trabalho em que a ordem das imagens fosse diferente a cada cópia. (Imaginem a empreitada de pegar as impressões da gráfica e embaralhar 88 páginas de todos os 500 exemplares na mão…) A estratégia é interessante para obras como a de Lalau, que retrata cenas urbanas, objetos, pessoas, animais, plantas e prédios, sempre com a sensação de que algo está fora do lugar. Ali, linhas não se encontram, cones estão improvisados, brinquedos são feitos de sucata e bonecas se transformam em vasos de plantas. Os encontros aleatórios promovidos pela montagem do trabalho –as imagens em páginas duplas são fatiadas e colocadas ao lado de até quatro fotos diferentes– reforçam essa percepção de quebra.
Dentro de um universo estético coerente como o de “Tropeço”, baseado em cores, texturas e formas bem pronunciadas, a chance de que colisões bem-vindas aconteçam é muito grande. Em alguns momentos, porém, é inevitável que junções imperfeitas apareçam, e o autor perde a oportunidade de construir dípticos com encaixes melhores. Assim funciona o jogo. Chega a ser irônico que um livro “anti-edição” seja tão aberto a inúmeras maneiras de edição. As associações em “Tropeço” me recordam “Colors”, fotolivro de Yoshinori Mizutani. Porém, diferentemente dos registros em ambientes internos, com objetos calculadamente encenados e personagens que posaram para o fotógrafo japonês, o brasileiro explora texturas e formas que estão nas ruas e, aparentemente, sem interferir no que está sendo retratado. Lalau foi fotojornalista –com passagem pela Folha–, o que em parte explica o olhar atento e a habilidade para flagrar tantas cenas curiosas. Se a montagem da obra, primeiro ponto que me chamou a atenção, já justificaria o título, andar à deriva pela cidade justifica ainda mais. “Tropeço” significa, aqui, o encontro, o imponderável, aquilo que se oferece para a câmera durante uma caminhada sem grandes pretensões. Essa ideia é ainda mais bonita numa cidade como São Paulo, em que os improvisos parecem movê-la –mesmo que algumas das imagens no trabalho tenham sido produzidas fora do país, muitas delas foram feitas na capital paulista. É necessário fazer um pequeno reparo, porém: um dos eixos de “Tropeço” é a cor, e, neste ponto, as fotos poderiam ser mais contrastadas, com mais vigor em seus tons.
TROPEÇO
AUTOR Mario Lalau
EDITORA Fotô Editorial
QUANTO R$ 85 (88 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom
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Haikai: em críticas curtas, o blog comenta fotolivros lançados neste ano.
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