Fotografias de guerra surrupiadas por Eduardo Martins só foram escolhidas porque eram genéricas
Ainda falta analisar um aspecto sobre o caso Eduardo Martins: mesmo que o farsante fosse real, seu trabalho fotográfico não seria digno de nota. Porque as imagens que copiava eram tão competentes quanto genéricas. E justamente por serem genéricas é que foram escolhidas para encenar a fantasia criada por sabe-se lá quem.
É um episódio cruel para o americano Daniel C. Britt, autor dos registros surrupiados. Caso suas imagens chamassem a atenção por algum tipo de abordagem diferente na fotografia de guerra, o trabalho do fotógrafo viria à tona, e o impostor se daria mal. O sucesso de um era proporcional ao fracasso do outro. Alguém torceu para que Britt seguisse produzindo imagens genéricas.
Não é que as fotografias roubadas sejam ruins. Só que elas são comuns o bastante para que a narrativa do surfista gato que ajudava crianças em zonas de conflito triunfasse sobre a estética. Ainda que seja difícil competir com o conto do rapaz que superou uma leucemia para virar fotógrafo de guerra –destaque óbvio nos textos sobre Edu Martins–, o material não ajudava. Às imagens cabia a função de conferir um ar profissional à história.
Também não é um drama ser classificado como genérico. Imagens genéricas refletem tradições estéticas consolidadas há anos, estampam capas de jornais e revistas e estão espalhadas em inúmeros portfólios. Os genéricos têm utilidade, cumprem uma função importante para agências, editores e fotógrafos –viraram genéricas porque foram referências.
Isto, no entanto, não é exclusividade de Britt, um fotógrafo eficaz. Quando o farsante roubou registros do fotojornalista Nir Alon, fez ali uma jogada ousada. As cenas em um preto e branco carregado mostram marcas de um autor. Bonito ou feio, bom ou ruim, não importa, há ali enquadramentos que fogem do usual, há ali uma abordagem dissonante.
Por isso, a observação do fotógrafo brasileiro Ignacio Aronovich, responsável pela descoberta do truque de Edu Martins para roubar as fotos sem ser descoberto facilmente, é importante. É um absurdo que ninguém tenha reparado que o fanfarrão tenha mudado repentinamente de linguagem. Deve ser porque a fotografia é o que menos importa nessa história.
Entender a finalidade das imagens é crucial, uma vez que as palavras estão se dissipando em memes e emoticons. Imagens de divulgação, como as publicadas pela Coreia do Norte, muitas vezes expressam mais do que os discursos de seu ditador. A política de Barack Obama, em grande parte, foi baseada nas fotos de seu cotidiano. Não importa quantas deportações sua gestão promoveu, a imagem do presidente americano estava atrelada ao humano Obama, que joga basquete com os funcionários da Casa Branca e brinca com crianças fofas.
O uso das imagens de guerra por Edu Martins era para atestar veracidade sem chamar a atenção. Era uma muleta e, por isso, eram genéricas, assim como as de surf também eram.
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